sábado, 30 de junho de 2007

Não fui eu quem disse, mas Paul Auster


"(...) eu ainda estava escrevendo "A música do acaso" e, todas as manhãs, caminhava até um pequeno anexo na propriedade para trabalhar no livro. Distava uns vinte ou trinta metros da casa e as crianças e seus amigos costumavam brincar na área entre as duas construções. Bem no final do verão, eu estava terminando os originais. Eles acabaram ficando prontos um dia antes do dia marcado para voltarmos a Nova York. Escrevi a última frase entre meio-dia e meio-dia e meia e me lembro de ter levantado da mesa e dito para mim: 'Finalmente você conseguiu, cara. Pela primeira vez na vida escreveu algo que preste'. Eu me sentia bem, realmente muito bem - algo que quase nunca acontece comigo quando penso em minha obra. Acendi um charuto e abri a porta para sair ao sol, querendo saborear o triunfo por alguns minutos antes de retornar a casa. Ali estava eu, de pé nas escadas de minha pequena cabana dizendo para mim que genial eu era, quando de repente olhei para a casa e vi minha filha de dois anos na frente dela. Estava totalmente nua ( ela quase não usava roupas no verão ) e, naquele momento, estava agachada sobre algumas pedras fazendo cocô. Ao me ver olhando para ela gritou muito feliz: 'Olha, papai! Olha o que estou fazendo!' Assim, em vez de curtir minha genialidade, tive que limpar a merda de minha filha. Foi a primeira coisa que fiz após terminar meu livro. Trinta segundos de glória e, depois, de volta à Terra. Não sei se Sophie estava me oferecendo uma forma nada sutil de crítica literária ou se estava simplesmente fazendo uma observação filosófica sobre a igualdade de todos os atos criativos. De uma forma ou de outra, ela me derrubou das nuvens e fiquei muito grato a ela por isso."


( Paul Auster - in: A Arte da Fome Ed. José Olympio, tradução Ivo Korytowski )

Momento poético em tempos de dureza (1)


"(...) Minha desgraça, ó candida donzela
o que faz que meu peito assim blasfema
é ter para escrever todo um poema
e não ter um vintém para uma vela"

Minha Desgraça - Álvares de Azevedo (1831-1851)

Durán


Meu mestre.
O primeiro a acreditar que eu poderia torna-me um roteirista. Ele me disse uma vez ( e eu repito aos que querem escrever um roteiro) :
-" Nunca entre de chofre ( numa cena)".
Para ele, a melhor forma de se abordar um assunto era a subjetividade. Não se precipitar nem entregar o ouro dramático de uma cena. Andar em torno do assunto, como um toureiro que provoca o touro, de modo a esticar a tensão da cena até o momento adequado.
Além de ser o melhor roteirista brasileiro ( apesar de chileno ) em atividade, é um grande diretor. Aprendi muito com ele, e ainda espero aprender muito.
Após uma dieta forçada de 20 anos, por conta da estupidez dos comerciantes de cinema e da miopia dos burocratas do MinC, ele voltou a filmar e nos legou o melhor filme brasileiro deste ano: "Proibido Proibir".
Quem sabe o sucesso e os prêmios que o "Proibido Proibir" vem amealhando convençam algum distribuidor a lançar em dvd seu primeiro longa, "A cor do seu destino". Realizado há 20 anos atrás, é um filme que merecia ser visto e revisto. Muito superior que a maioria dos filmes brasileiros atuais. Tenho plena certeza que faria um sucesso com os jovens de hoje - o danado do Duran consegue como poucos reproduzir os anseios e as insatisfações do jovens. Talvez porque, apesar de já ter passado dos 60 anos, continue o garoto chileno que, no inicio dos anos 60, andava de lambreta e matava aulas ( estudou teatro, queria ser ator ) para ver filmes "B" americanos, num cinema pulgueiro qualquer de Santiago.
Agora que lembrei do A cor do seu destino, percebo que é um filme que até hoje me inspira - consciente ou inconscientemente, penso e escrevo meus roteiros dialogando com as lembranças que tenho dele.
Somos amigos há muito tempo, 20 e tantos anos, tempo em que passei de aprendiz, assistente e finalmente, colega.
Estranhamente, nunca escrevi um roteiro para ele... minto, escrevi um tratamento de um longa pra ele, há milênios, mas não sei se ele gostou do que escrevi. Aliás, se ele tivesse gostado eu também não saberia, porque o Durán tem um processo tão louco de escrever que ele muda tão radicalmente os roteiros de uma versão para outra, que seria impossível reconhecer o que eu tinha escrito antes. É de um total desapego à coisa escrita, ele pensa sempre no melhor pro filme, parece imune à essa vaidade boba de escritor que fica o tempo todo defendendo "suas cenas, seus diálogos" - sabe que o roteiro é parte de um todo, e que só existe quando "desaparece" neste todo, que é o filme. Não é à toa que ele é o melhor de todos nós, roteiristas em atividade.
Ele foi ator em três dos meus filmes. Em troca ( na verdade, ia escrever, como punição ), eu "cometi" uma cena do "Proibido".

Mulher ideal


de pleno acordo.

sexta-feira, 29 de junho de 2007


Da série
"grandes diálogos do cinema" (para alunos de roteiro):


"My name is Dalton Russell. Pay strict attention to what I say because I choose my words carefully and I never repeat myself. I've told you my name: that's the Who. The Where could most readily be described as a prison cell. But there's a vast difference between being stuck in a tiny cell and being in prison. The What is easy: recently I planned and set in motion events to execute the perfect bank robbery. That's also the When. As for the Why: beyond the obvious financial motivation, it's exceedingly simple... because I can. Which leaves us only with the How; and therein, as the Bard would tell us, lies the rub."


- Dalton Russel ( Clive Owen ) in :O Plano Perfeito, de Spike Lee - roteiro de Russell Gewirtz
Chove, chove, chove...

( e eu só consigo pensar se vai aparecer algum aluno na aula de hoje à noite... )

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Pixinguinha


novo desafio...

Não fui eu quem disse, mas Norman Mailer


"Evidentemente, um filme deve basear-se num romance, num conto, numa peça ou numa idéia original. Acho que poderia até mesmo inspirar-se num poema. "Vamos fazer The Waste Land", disse um personagem meu chamado Collie Munshin. O romance pode ter mil páginas, a peça, 100 páginas, o conto, 10 páginas, a idéia original poderia ser exposta num parágrafo. Mas cada um deles teria de ser transformada numa forma de arte ( uma forma inferior de arte ) chamada de "tratamento". O tratamento tem habitualmente de 20 a 100 páginas. É um leito de Procusto. Histórias longas têm partes cortadas, histórias demasiado curtas são ampliadas. O objetivo do tratamento é apresentar a um produtor, diretor ou leitor de scripts, de maneira legível mas modesta, a história, a galeria de personagens, a essência da trama.

Deve-se, porém, fazer isso sem procurar um estilo muito menos um estilo marcante. A linguagem deve ser funcional, até mesmo comum, e como esse trabalho prepara o terreno para o script de cinema, não deve haver demasiada introspecção nos personagens. " Joey pensava pela primeira vez que Alice talvez estivesse apaixonada por ele" não é lá muito aceitavel. Um ator contratado provavelmente conseguiria registrar essa emoção num close-up. Mas


(...) a breve frase, tão logo lhe chegou aos ouvidos, teve o poder de libertar nele o espaço necessário para contê-la; as proporções da alma de Swann modificaram-se; criou-se margem para uma forma de prazer que correspondia tanto ao seu amor por Odette quanto a qualquer objeto externo, e não obstante não era, tal como seu prazer por esse amor, puramente individual, mas assumia para ele uma realidade objetiva superior à de outras coisas concretas (...)


transformaria o barro em que em geral é a cara do produtor em algo parecido com pedra. O produtor interessa-se pela essência da história. Sem dúvida, quando lê um tratamento, é se deve ou não convocar um redator para preparar o screenplay dessa história, com diálogos específicos e situações bem precisas, ou se deve pedir um novo tratamento com novos personagens e nova trama, ou ainda se deve desistir dela imediatamente. Portanto, o tratamento tem com o screenplay acabado a mesma relação que o modelo destinado às provas no túnel aerodinâmico tem com o avião. Como o tratamento é funcional, qualquer qualidade deve ser discreta. Na verdade, um bom diretor ( George Stevens ) disse-me certa vez que escrever bem, num tratamento, era uma forma de tapeação, pois introduzia por meio da linguagem efeitos emocionais que ele, como diretor, não fosse capaz de repetir no filme"


( Norman Mailer, numa "Nota ao Leitor" que abre seu conto "A Última Noite" - In " A maior coisa do Mundo, Ed. Nova Fronteira, em tradução de Waltensir Dutra )


(sem comentários)


E esse daqui, pra quem não conhece, é o velho Lênin.



Da série "Saudades não tem idade".
Bolota, Tininha ( também conhecida como Little Audrey ) e Brotoeja.

Outro dia, dando aula, causei uma certa perplexidade aos meus alunos ao confessar que era ( e ainda sou ) de esquerda.
Terei envelhecido tanto, que ser de esquerda me transformou numa espécie de Lenin embalsamado em exposição permanente, tipo sardinha de balcão de boteco infecto?
Ou será que os mais jovens é que perderam a capacidade de sonhar por um mundo mais justo e mais igualitário e achem esses ideais coisas antiquadas e demodês como os quadrinhos da Tininha, Bolota e Brotoeja?
Alguém se lembra disso?
Tem uma cena muito boa no "Acossado", de Godard, onde Patrícia, a personagem da Jean Seberg, participa de uma coletiva de imprensa com um intelectual badalado, Parvulesco, interpretado pelo cineasta francês Jean-Pierre Melville, e em meio a diversas cretinices que o tal personagem fala, Patrícia pergunta o que ele deseja depois de tantas glórias. E ele responde: - "Virar imortal. E depois morrer".
Essa citação me veio à memória porque ganhei um prêmio da Academia Brasileira de Letras. Prêmio de melhor roteiro adaptado, por meu trabalho em Achados e Perdidos, filme do José Joffily e baseado no romance homônimo de Luis Alfredo Garcia-Rosa.
Esse prêmio foi instituído pelo cineasta e agora imortal Nelson Pereira dos Santos e nesta primeira edição foram premiados os roteiros de Achados e Perdidos e de Um crime delicado.
O bacana é que este ano a Academia comemora 100 anos.
Ser premiado pela ABL é meio caminho pra imortalidade? Não faço a menor idéia. Mas ganhar um prêmio é sempre bom. Ainda mais em tão boa companhia... meus cumprimentos aos também vencedores Beto Brant, Marçal de Aquino, Marco Rica, Maurício Paroni e Luiz Francisco Gonçalves (roteiristas de Um crime delicado).

terça-feira, 26 de junho de 2007




Através dos olhos de Clarisse, redescobrindo Eric Rohmer... Não foi uma redescoberta, e sim, uma rendição.


Confesso que sentia uma forte resistência aos filmes do Rohmer ( como, aliás, sinto pelo cinema francês em geral, a excessão de Godard, Renoir, Bresson, Malle, Bertrand Blier e, vá lá, Truffault... ). Tinha visto alguma coisa dele, antes, mas não havia me sensibilizado o suficiente. Lembro-me que vi La Collectionneuse ( A Colecionadora ) na faculdade, e que tinha gostado. Aquela sutil sensualidade, a narrativa aparentemente despojada, a trama quase inexistente, por muito simples, os diálogos filosóficos... aquilo chamou minha atenção.


Depois fui perdendo o saco, aquilo tudo me parecia francês demais, eu tinha 20 e poucos anos e outros cinemas na minha cabeça...


Agora que os filmes estão sendo relançados em dvd, e muito por insistência da Clarisse, me obriguei a assistí-los. Engraçado como esse reencontro tem ares de descoberta. Talvez como os vinhos, nosso olhar se aperfeiçoe e se depure, e o que era cansativo e, mesmo, desinteressante para um rapaz de 20 anos surja renovado e inédito para um homem de 45.


Como Rohmer não parou de filmar ao longo desses vinte e tantos anos, há muita coisa para rever e descobrir.


Hoje percebo que Rohmer faz um tipo de cinema que particularmente me agrada - e que de certa forma, reproduzo. Filmes onde a palavra é a ação. E como ele faz um cinema extremamente sensual, as palavras parecem roçar na gente, nos acariciam, estranho erotismo que mistura corpos nús e reflexões filosóficas. Gostaria de fazer um filme onde os diálogos soassem como preliminares de um coito.


Dever de casa: me disciplinar e ver/rever os filmes do Eric Rohmer. Estudá-los como um voyeur que espia o casal do lado se amando, descuidados que a janela está aberta.

vertigo
( é essa a sensação que me vem quando penso em mudanças... )
Buscando um novo apartamento. Alguém sabe de alguma coisa boa na região do Flamengo ou Laranjeiras? Naquele estilo que o Brasil consagrou: bom, bonito e barato...

segunda-feira, 25 de junho de 2007

Segunda-feira, 25 de Junho, manhã chuvosa...
Dia propício pra preguiça e pros devaneios... ou ambos.
Como não tinha nada pra fazer a não ser esperar a entrada de algum dinheiro pra pagar as contas e as muitas dívidas acumuladas, resolvi criar esse espaço. Mas não esperem nenhuma confissão escandalosa tampouco "pérolas" de inteligência... apenas um ou outro comentário sobre coisas que vejo, ouço, penso ( e cozinho... prometo publicar aqui algumas receitas culinárias ). Por enquanto é só. Cambio e desligo.