terça-feira, 31 de julho de 2007

quadros que queria ter na parede aqui de casa (4)


O grito, de Munch

fotogramas (3)


Minha super-produtora Helô Rezende e eu, na Academia Brasileira de Letras, após receber o Prêmio ABL de Roteiro Adaptado, por Achados e Perdidos.

Adeus, Antonioni



Literalmente esbarrei em Antonioni, quando ele esteve no Brasil, por ocasião de uma homenagem no Festival de Gramado. Foi em 93 ou 94, não me lembro bem. Ele já havia sofrido o derrame que o havia deixado bastante debilitado, semi-paralisado e quase mudo ( se comunicava com pequenos gestos e através de sussurros, que sua esposa traduzia ).

Eu estava no saguão do Palácio dos Festivais, fumando um charuto, quando ele entrou, apoiado em sua esposa. No que ele entrou, uma turba de fotógrafos e cinegrafistas avançou sobre ele, empurrando tudo o que estivesse pela frente. Eu, inclusive.

Arrastado por esse tsunami de paparazzi, acabei ficando, por uns breves minutos lado a lado com o mestre. Acho que até pisei no pé dele, olha que mico. Arranhei um "pardon", e ele sorriu, generoso. Rapidamente me afastei dele, antes que fosse alvejado por algum fotógrafo mais impaciente com aquele involuntário "papagaio de pirata".

Fiquei ali no canto, olhando aquele homem frágil, debilitado, trêmulo pela doença, mas que irradiava uma altivez de gigante. Ele acenou para os fotógrafos e cinegrafistas, a mão erguida tremia. Vi essa foto ( deve ser das filmagens de Passageiro:profissão repórter, ali ao lado dele está a sumida Maria Schneider, que fim levou essa linda atriz? ), sua mão igualmente erguida, e me lembrei dessa história.

Ficam seus belos filmes. Qualquer dia falo sobre algum deles. Talvez do "Passageiro", talvez "Blow Up".

a bruxa tá solta...

Poxa, não deu nem pra prantear o Bergman, e morre também o Antonioni...
Semana péssima para o cinema.
Li uma vez, em algum lugar que quando morre um artista, o mundo fica irreparavelmente fracionado, amputado, todos nós perdemos um pouco de nossa humanidade. Lembro também aquele verso do Chico, "ó pedaço amputado de mim".
Muito triste.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Bergman


Acabo de ver na internet a notícia da morte de Bergman. Mais do que um grande cineasta, Bergman foi um dos maiores e mais importantes artistas contemporâneos.
Confesso humildemente que é um dos cineastas que mais me inspirou, se bem que - devo confessar também, mas agora com alguma vergonha - que demorei a compreender e admirar seu cinema. Não que fossem filmes difíceis - e são, se bem que nem todos, a suposta "dificuldade do cinema de Bergman" é mais um clichê do que realidade.
Mas porque sou de uma geração, ou do resto de uma geração que, por ideologia, rechaçava os filmes de Bergman, por seu suposto desvio "pequeno-burguês". Seus filmes seriam o "canto do cisne da burguesia", dramas existenciais do homem europeu bem nutrido, com dentição perfeita, branco e culto, porém estéril, conformista, niilista. Preso aos seus problemas pessoais, incapaz de uma atitude de mudança, de transformação. O discurso da impotência.
Durante muito tempo rejeitei seus filmes por alienados, vejam só o que uma má formação de esquerda pode causar numa pessoa. Seu eu tivesse nascido na China, na década de sessenta, teria sido um "guarda revolucionário" da Revolução Cultural impecável e implacável. Polpot puro, zhadanovista emperdenido.

Culpa da leitura apressada da Marta Hannecker, que justiça seja feita, nunca fez uma crítica sequer de cinema, tampouco sobre os filmes de Bergman. Mas foi através do livrinho dela, Princípios Elementares del Marxismo, assim mesmo, em espanhol, uma versão condensada e diga-se de passagem, bastante simplista, do marxismo, que eu e outros colegas de 15, 16 anos fomos "catequizados" pela esquerda, isso nos distantes e cinzentos 76 ou 77, ainda na ditadura militar.

Mas falava sobre Bergman.

Por conta desse patrulhamento ideológico, Bergman era um "artista decadente". Os únicos filmes que nos permitíamos gostar eram O sétimo selo e O ovo da serpente, que eram considerados "progressistas".

O mais patético dessa coisa toda era assistir aos filmes do Bergman, ficar estupefato, perplexo, embasbacado mesmo com a potência de suas imagens, a força de seus dramas, e ter que negar pra si mesmo que aqueles filmes eram obras de arte inquestionáveis. Morangos Silvestres, Gritos e Sussurros, cada filme que eu via do Bergman era uma porrada nas minhas convicções ideológicas supostamente "de esquerda". E o mais ridículo nisso tudo era disfarçar essa atitude obliterada que não passava de preconceito e burrice, mesmo, com uma atitude blasé ainda pior: tachar os filmes do Bergman de "chatos". Tudo bem, dêem um desconto. Eu era jovem, e os jovens em geral e os "jovens artistas" em particular são divertidamente boçais.

Ver Persona foi minha epifania. Impossível não me render àquele cinema, tão forte, tão belo, tão profundo. E sim, dificil, complexo, hermético até. Mas sempre fascinante, impressionante.

A partir de então mergulhei na obra de Bergman como se fosse um oásis no meio do deserto. Fui descobrindo os vários Bergmans, de fases distintas como Monika e o Desejo, Noites de Circo, Face a Face, Sorrisos de uma noite de verão, Cenas de um casamento sueco ( este na verdade foi o primeiro Bergman que vi), O silêncio, Sonata de Outono, a Hora do Amor, etc.

Fazendo um retrospecto acho que, entre tantas obras primas, o que gosto mais é "A Hora do Lobo". Fiz um curta chamado Retrato do Artista com um 38 na mão que é cheio de referências à Hora do Lobo, mas ninguém identificou - acharam que eu estava citando Bela e Intrigante, do Jacques Rivette.

Impossível falar sobre Bergman numa única postagem, e ainda por cima sob o efeito da notícia de sua morte. Como de praxe, voltarei a falar dele mais adiante.

Fica aqui minha homenagem em tom de mea culpa.

sábado, 28 de julho de 2007

Primeira social da casa nova.

Começou com almoço "de negócios" e terminou tocando iê-iê-iê dos beatles...

É nessa hora que este blog se torna a minha tábua de salvação...

( se ainda tocassem os Byrds... mas Beatles... ninguém merece!)

sexta-feira, 27 de julho de 2007

fotogramas (2)


Fla x Flu:
Eu e Eduardo Nunes, amigo, parceiro e sócio, comentando alhures (certamente não era sobre futebol... )
Finalmente, conseguimos mudar. Depois de 11 anos morando em Santa Teresa, respirando novos ares, agora em Laranjeiras. Já instalados na casa nova, com algumas caixas ainda para esvaziar. Vivendo há uma semana entre caixas, pincéis e furadeira. E pra complicar a vida, sem internet - o que explica o período sem atualizações aqui. Mas também isso está sendo resolvido. Mudança é um transtorno, mas depois que passa, vem uma agradável bonança. Curtindo a casa nova, o novo bairro, a sensação gostosa de um recomeço.
Desculpem-me a brevidade deste, mas tenho duas estantes pra instalar e duas caixas enormes de livros para esvaziar ( já sabendo de antemão que ou as estantes são pequenas demais ou então os livros que são demasiados... ).

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Aritmética da morte



Foram precisos 187 (até agora) vítimas inocentes no acidente da TAM para a morte finalmente levar o ACM.


É uma conta injusta, porém, se esse foi o preço, helás...


O Brasil - e a humanidade vão respirar bem melhor amanhã, depois que o ACM for sepultado.


A humanidade tava levando de goleada, ultimamente.


As atrizes Yolanda Cardoso e Nair Bello, D. Ivo Lorscheider, o escritor Zé Agripino de Paula, o poeta Bruno Tolentino, o amigo Serginho Kodak... todos se foram.


Mas finalmente agora foi um deles.


Um dos mais escrotos. Um dos piores.

Antonio Carlos Magalhães. Toninho Malvadeza, pros íntimos. Um dos mais cruéis "coronéis" da politica brasileira. Refugo da ditadura militar, queridinho da Rede Globo, representante do atraso e responsável direto pela miséria do povo brasileiro.


A aritmética da morte é cruel. Para cada canalha que ela leva, é preciso que morra um monte de gente bacana.

A morte de ACM custou 187 vidas, até o presente momento. A morte, além de fria, é avarenta.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Vivendo num mundo de caixas...
(mudança é muito chato!)

segunda-feira, 16 de julho de 2007

coisas que eu gosto ( de ouvir ) 4:

Desire - Bob Dylan - 1976

Enfim, chegamos a Bob Dylan. Sou fã incondicional de Dylan, daqueles que possuem (quase) todos os discos, livros, até posters: tenho um belo quadro da capa ampliada do disco The Times They´re Changing que é belissímo, mesmo para quem não conhece sua música.
Mas não peguei a fase de ouro de Dylan, os anos 60. Na verdade, vim conhecê-lo já adolescente. O primeiro disco que comprei de Dylan foi justamente este Desire, de 1976.
Já conhecia muitas musicas dele, sucessos dos anos 60, e tinha aquela idéia de Dylan "banquinho e violão" ( e claro, gaitinha presa ao pescoço ) dos primeiros discos, na sua época folk e de canções de protesto. Coisas tipo Blowin´in the Wind ( que tinha até uma versão "católica", cantada pelos grupos jovens das igrejas nos anos 70, com uma letrinha chinfrim que dizia " se a gente compreendesse o amor que deus nos dá, o inferno poderia se acabar" substituindo o "the answer my friend is blowin´in the wind, the answer is blowin´in the wind" - seria coisa de Sulivan & Massadas?), The Times They´re changing, etc. Linhas melódicas simples porém vigorosas, letras quilométricas, gaitinha cortante, a voz meio "taquara-rachada" ( como definiu um dia meu pai ). E claro, Lay Lady Lay, canção romântica de um Dylan de voz aveludada, mais grave, que certamente deve ser sua canção que mais toca em rádios.

Escutar um disco pulsante, musicalmente diversificado, com arranjos sofisticados, com uma banda numerosa, com violino rascante de Scarlett Rivera e mesmo congas e bongôs, ou seja, um disco cheio de nuances rítmicas, dançante até como Desire foi um susto. Claro que o susto durou até a compra do segundo, o volume 1 do Greatest Hits, que trazia um apanhado mais diversificado da música de Dylan, desde as canções folk, às guitarras elétricas, passando pelo blues e pelo rock´n´roll clássico, mostrou-me que não deveria me surpreender com os diferentes Dylans, e sim aprofundar-me naquela obra que é una e vária.

Já tinha escutado que Dylan era uma espécie de Caetano Veloso de voz fanha, o que parecia uma comparação estranha aos meus ouvidos mais acostumados à musica do nosso baiano. No tocante à poesia, às letras, tudo bem, mas musicalmente falando, achava que não tinha nada a ver. Naquele momento, me parecia que nada soava mais diferente da exuberante musicalidade de Caetano do que o Dylan "banquinho, violão e gaitinha" etc. Desire serviu para fazer a ponte entre as duas obras ( em boa parte pelas "congas e bongô" que criavam uma gostosa "cozinha rítmica" ). Depois fui perceber que era preciso ouvir Blonde on Blonde ou Bringing It All Back Home para reconhecer num e noutro as tão decantadas e reais afinidades - e obviamente, ressaltar as diferenças.

Mas é sobre Desire que estou falando. Escutá-lo, 31 anos depois, é uma experiência nostálgica - me vem obviamente à lembrança aquele eu de 14, 15 anos - e ao mesmo tempo surpreendente.

Desire é um excelente disco, sua sonoridade vigorosa, sua multiplicidade de estilos, boas canções e, principalmente, a empolgação de Dylan em cantá-las faz crer que estamos escutando mesmo uma obra prima. Justiça seja feita, apesar de ser um disco muito bom, não é o melhor de Dylan, não é sequer o melhor disco de Dylan da década de 70 ( Blood on the tracks, de 74 é muito superior, mas deste falaremos mais adiante, paciência ), apesar da maior parte das pessoas que não curtem Dylan acharem disparado o melhor.
O disco abre com a vigorosa, contundente e quilométrica "Hurricane" que, junto com Blowin´in the Wind e Lay Lady Lay, deve ser a canção de Dylan mais executada nas rádios, a despeito dos seus quase oito minutos de duração.
Hurricane é uma canção de protesto, daquelas que ele costumava compôr no começo de carreira, se bem que musicalmente seja completamente distante daquelas canções folk quase minimalistas. A letra ( em parceria com o dramaturgo Jacques Levy, como quase todas as músicas do disco ) tem a estrutura de uma canção de teatro, permeada de diálogos, manchetes de jornais, comentários, discussões entre corifeu e coro ( na essência do teatro grego ), é totalmente visual e cênica - poderia muito bem ser parte de uma opereta. Li nas Crônicas, livro de memórias de Dylan, que no começo de sua longa carreira ele buscou em Brecht e Kurt Weil e na pintura e no cinema expressionista a inspiração para criar um tipo de música "visual", cuja letra criasse ambientes e cenas cheios de "som e de fúria". Hurricane é bem isso. E o violino de Scarlett Rivera, cigana que participava da banda de Dylan na época de Desire, faz solos maravilhosos, aumentando ainda mais a potência dramática da canção. Neste sentido é bom lembrar a regravação que a sumida Cida Moreira fez de Hurricane ( literalmente "Furacão" ) , onde a teatralidade da música, acentuada pelo estilo "cantora de café concerto" de Cida, é brilhantemente destacada.

O disco é repleto de excelentes canções, a começar pela minha preferida, One More Cup of Coffee, que é de uma beleza pungente, com Dylan cantando como um kantor, emprestando um tom quase litúrgico à canção (ouvi dizer que o Zeca Baleiro gravou uma versão dessa musica, mas não conheço, mas estou curioso para ouvir, já que acho Baleiro um musico muito interessante ). Oh Sister! que lembra vagamente ( na letra) a Maninha de Caetano ( composta para o primeiro disco de Marina Lima ). Isis é puro Dylan dos anos 60, parece mesmo uma faixa composta à epoca de Blonde on Blonde, talvez pelo jeito como Dylan a toca ao piano e, é claro, pela letra non-sense tipica da poética de Dylan. Boas também Joey - talvez a maior canção de Dylan, 12 minutos! -, Moçambique ( alegre e dançante, não faria feio numa festinha tipo Casa da Matriz da vida ) e Sara, bela e triste canção de amor ( ou desamor, já que é um réquiem para o casamento desfeito de Dylan com Sara Lowndes ) que fecha o album.

É um disco gostoso de se ouvir de cabo a rabo, talvez o disco de Dylan mais palatável. O que para Dylan, ou para seus fãs, eu incluso, não é um bom adjetivo. Dylan, a começar por sua voz, não é exatamente uma experiência "palatável".

De qualquer forma, é um disco vigoroso e recomendado para quem deseja conhecer a música deste que é, sem dúvida, o maior compositor pop de todos os tempos. Foi por ele que comecei. 30 anos e mais de 30 discos depois, continua sendo meu músico estrangeiro predileto.

serginho

Mal tinha acendido o cachimbo e ligado o computador, quando soube da notícia: Serginho "Kodak" Vilella morreu hoje, de madrugada.

Serginho foi meu professor na UFF e fotografou um filme meu, PSW - uma crônica subversiva (87). Baixinho, precocemente grisalho, parecia um maestro de desenho animado. Tinha alma de poeta e physique du role de passarinho. Falava pouco mas dizia tudo.

Nos últimos tempos, estava trocando a fotografia que nunca chegara a exercer com regularidade ( em detrimento do enorme talento que possuía ) e voltando-se mais para o roteiro. Numa das últimas vezes que eu o encontrei, ele me contou que havia finalmente encontrado a sua vocação no cinema: escrever. Perguntou-me se eu não lhe daria aulas. Eu ri, dizendo: como vou dar aulas a quem me ensinou?

Só teve um roteiro filmado, o Corpo em Delito, de Nuno Cezar Abreu, no final dos anos 80. Recentemente havia recebido um prêmio do MinC para escrever um novo longa. Nem sei se terminou. Sabia que ele estava bastante doente. Problemas de coração, me contaram.

Vai deixar saudades.

fotogramas (1)


Papo de cinema:
eu e JJ.

domingo, 15 de julho de 2007

quadros que queria ter na parede aqui de casa (3):






Nighthawks de Edward Hoopper
.

coisas que eu gosto (de ver) 3:



Caro Diário, filme de Nanni Moretti, 1993.


Com esse filme "descobri" um dos grandes cineastas contemporâneos.
Premiado como melhor diretor em Cannes, o italiano Nanni Moretti é um narrador original e pessoal que, com muito humor e poesia, traça um inventário humano, político e afetivo da Itália e dos tempos modernos. Esse "Caro diário" é uma reflexão pessoal em que tudo conduz à primeira pessoa: além de dirigir, Moretti narra o filme e interpreta a si mesmo, comentando coisas que dizem respeito à sua vida, num auto-retrato cheio de ironia.
Há um teórico do cinema ( a memória anda falha, penso que seja Bela Balaz - não, Astruc, sim deve ser Astruc ) que fala do "cinema-caneta", aludindo a uma "escritura" pessoal do diretor ao realizar um filme, um cinema que remeteria à subjetividade dos poetas, à autoralidade, um cinema do "eu". Caro Diário é um cinema do "Eu", que leva à premissa do diário ( um caderno onde escrevemos nossas sensações e reflexões mais íntimas ) ao pé da letra: aliás, o filme começa com uma caneta escrevendo breves observações numa folha de papel em branco. O que vem a seguir é uma representação audio-visual dessas observações pessoais, subjetivas, confessionais. Um cinema de idéias próprias, de personalidade, um cinema de autor. Parece coisa antiga, mas é moderno.
Dividido em episódios independentes, unidos pelo tom confessional, tece pequenas porém sensíveis observações, num tom que oscila entre poesia ( a referência a Pasolini, feito num delicado passeio com sua vespa no terreno baldio onde o cineasta foi assassinado, ao som de Kholn Concert, de Keith Jarret) ora à mais pura indignação ( o delicioso momento em que Moretti "tortura" a consciência culpada de um crítico cinematográfico, lendo as baboseiras escritas por ele no jornal, antológico ), numa espécie de crônica memorialista que, longe de ser nostálgica, é sempre pautada por uma reflexão da atualidade.
Moretti não tem medo de se expôr ao ridículo, pois como bom comediante sabe rir se si mesmo e através do seu desnudamento revelar o ridículo de todos nós. O episódio que encerra o filme, "Médicos", é uma primorosa reflexão sobre o maior de nossos medos - a inevitabilidade da morte. Ao mesmo tempo, é um ácido panfleto contra o mito da infabilidade da ciência, personificado na figura do(s) médico(s). Todos têm uma opinião para o mal que aflige Moretti. As opiniões divergem, os tratamentos variam. Moretti entra numa espécie de labirinto criado pelas opiniões "abalizadas" dos senhores do saber, que aos poucos vai se tornando um pesadelo kafkiano. No final, ele não tem nada, e a impressão que se tem dos médicos é que sua ciência não passa de discurso.
Para um hipocondríaco incurável, porém cético, como eu, a esculhambação que Moretti faz dos médicos é um alento.
Da mesma forma como ridiculariza a infabilidade da ciência ( centrado na medicina ), Moretti avacalha os críticos cinematográficos, no episódio (já citado ) da "tortura moral" de um critico de cinema. Diz Moretti ao crítico: "você escreveu isso? Não tem vergonha?" No fundo, os petardos de Moretti, petardos divertidos, risíveis, mas letais, se dirigem a um unico alvo: os donos da verdade. Seja a crítica, a ciência, a mídia, a pedagogia "moderna" ( no episódio "Ilhas" mostra uma comunidade onde o liberalismo de pais "modernos" acaba criando uma ditadura cruel de crianças ), o poder estabelecido.
Por ser diretor e protagonista de seus filmes, e pelo humor, Moretti é às vezes comparado à Woody Allen. Mas diria que os dois diretores são completamente diferentes, até antagônicos. Allen não consegue ir além da crítica pequeno-burguesa em que vivem seus personagens e ele próprio. Ainda que consiga, com maestria, em vários momentos, expor a alma e as neuroses da classe média, o cinema de Allen tem um inevitável tom conformista ( ainda que sempre divertido ) de quem não consegue ir além das suas próprias fronteiras morais, políticas e psicológicas de pequeno-burguês judeu nova-iorquino. É um cinema enquadrado dentro dos limites da classe a que pertence. O máximo que consegue chegar é ao niilismo, que por si só é uma atitude típica do radicalismo pequeno-burguês, quase uma confissão da impossibilidade de se mudar o status quo.
Já Moretti é um homem de esquerda e seu cinema, ainda que mostre a mesma pequena-burguesia, a classe média italiana, tem o inconformismo de quem sabe que os limites de classe podem e devem ser abolidos, desmontados, destruídos. Seus filmes são, em maior ou menor escala, discursos políticos. Ele usa o humor como instrumento político. O que se pode verificar com mais precisão num dos primeiros filmes de Moretti, "Ecce Bombo" ( que vi na tv a cabo, divertidissímo, principalmente para quem, em algum momento da vida, participou do movimento estudantil ), em "Aprile" ( continuação direta de Caro Diário, mas não tão bom quanto este ) e, particularmente, no recente "Crocodilo", um poderoso líbelo contra a era-Berlusconni.
Se você não viu Caro Diário, convido-o a pegar carona na garupa da lambreta de Nanni Moretti e seguir com o diretor pelas ruas de Roma, a viajar com ele pelas ilhas do Adriático, a fazer uma via-crucis pelos consultórios de alopatas, homeopatas, acupunturistas, medicina alternativa, em uníssono equivocados e ignorantes, será um passeio inesquecível e revelador. Na maioria das vezes, sempre divertido e até hilariante. Mas sempre muito poético.
Depois de rir com Caro Diário, veja "O quarto do Filho", pungente drama familiar que ganhou a Palma de Ouro em Cannes, em 2001. Mas sobre este falaremos mais adiante.

sábado, 14 de julho de 2007


Cada coisa que a gente lê na internet...

É inesgotável a capacidade do ser humano perder tempo e dinheiro com bobices...

Olha só a seguinte "pérola", encontrada há pouco:



O inventor Arthur Humphries de Atlanta, Georgia, nos Estados Unidos, criou uma máquina para combater a disfunção erétil. O engenhoso americano leu em algum lugar uma pesquisa que dizia que "ejaculação e três orgasmos por semana é saudável". Portanto, nada mais óbvio para suprir essa falta de clímax do que um aparelho eletrônico para criar ereções.


A patente, registrada nos EUA, diz: "uma vez que o usuário coloca o aparelho na cintura, ele está em uma posição na qual pode começar as carícias mentais (que são sugeridas e devem ser feitas antes de colocar o membro na bomba de sucção)."


Depois de ligar o aparelho com o pé, é só deixar a bomba chupar todo o sangue - o que vai lhe deixar com algo mais do que os cabelos em pé. Agora é só chamar a Xantipa ou usar a auto-estimulação.Não sei como a humanidade viveu sem isso até hoje. E aí, vai encarar?

quinta-feira, 12 de julho de 2007

biscoito chinês

A "sorte do dia" no Orkut de hoje:

"Você subirá de posição social sem nenhum esforço especial"

sem comentários...

terça-feira, 10 de julho de 2007

coisas que eu gosto (de ler ) 2:


"(...) - Tenho meditado muito sobre Dostoievski ultimamente - disse eu. - Como é possível alguém escrever tão mal, tão incrivelmente mal, e ainda assim comunicar tanta emoção a quem o lê?

- Não creio que seja culpa da tradutora - respondeu Evan. - Constance Garnett nos dá um Tolstói bem legível.

- É verdade. Tentei ler Guerra e Paz não sei quantas vezes, até encontrar uma tradução de Constance.

- Há quem diga que ainda poderia ser melhor - disse Evan - e acredito que sim, embora não conheça russo, para opinar com segurança. Mas nós dois conhecemos muito bem esse negócio de traduções, e não há duvida de que ela trabalhou direito. É um romance fenomenal, talvez o melhor de todos os romances, penso eu. Tão bom que é possível relê-lo várias vezes.

- Exatamente. Mas ninguém consegue reler Dostoievski nesse ritmo. Numa de minhas férias em Schruns já havia lido todos os livros que levara e então descobri num canto o Crime e Castigo. Fiz força, mas foi impossível relê-lo. Passei a ler jornais austríacos e estudar alemão, até que fui salvo por algumas obras de Trollope, em edição Tauchnitz.

- Que deus abençoe as edições Tauchnitz - continuou Evan.

O uísque já perdera sua qualidade estimulante do início e agora, quando se lhe acrescentava um pouco de soda, era apenas uma bebida forte.

- Dostoievski era um merda, Hem - continuou Evan. - Os melhores heróis de sua literatura são os santos e uns merdas como ele. Não há dúvida de que conseguiu criar uns santos admiráveis. É pena que a gente não consiga reler seus livros.

- Tentarei de novo reler "Os Irmãos ( Karamazov )". Talvez a culpa seja minha.

- É claro que se consegue reler algumas partes. Uma boa parte, aliás. Mas logo começa a irritar-nos, apesar de sua qualidade"


Esse trecho do capítulo "Evan Shipman no Lilas", do livro "Paris é uma festa", de Ernest Hemingway ( em tradução de Ênio Silveira ) bem que merecia estar no tópico "não fui eu quem disse, mas... " mas preferi usá-lo para abrir o comentário sobre o Crime e Castigo. Primeiro livro que li de Dostoievski, quando tinha 15 anos. Foi uma experiência avassaladora ( talvez semelhante a que tive ao ler Grandes Sertões: Veredas, de Guimarães Rosa, mas este eu li depois dos 30 ). Todo o sentimento de humanidade, talvez o pior e o melhor do ser humano reunidos num único personagem, Raskolnikoff, descritos com uma fúria intensa e um amor de igual volume que pareciam provir de um escritor em pleno surto, meio alcoolizado, meio enlouquecido, ou ambos.

Discordo totalmente de Hemingway quando ele diz que Dostoievski "escrevia mal, incrivelmente mal", mas entendo seu estupor diante da verborrágica e atordoante escrita que parece brotar aos jorros, como cuspe, como vômito, como sangue de uma veia aberta.

Discordo também quando ele diz que é impossível reler Dostoievski - mas também em parte. Reli o Crime e Castigo aos 25 anos. A emoção permaneceu intacta nesses dez anos. Mas foi uma leitura mais acurada. Não dá pra ler como entretenimento. É uma literatura pesada, dura, as vezes confusa - parece mesmo que Dostoievski não revisou seus originais, mandou publicar diretamente aquilo que saiu de sua cabeça e passou pro papel. Talvez seja isso que incomode tanto o Hemingway, sabidamente um lapidador de frases, inimigo visceral dos adjetivos, seco e direto como um telegrama.
Dostoievski tinha fôlego de oceanos, e um ritmo desordenado como um mar revolto. Mas duvido que ele não burilasse seu texto. Era um escritor, e mesmo um escritor de segunda revisa e copidesca seus textos.
O que Hemingway não entendia - ou fingia não entender, afinal, para um jovem escritor de 25 anos, que era o Hemingway retratado nessas memórias, um jovem escritor que se considerava algo cabotinamente o "maior escritor do mundo", era estiloso marcar diferença com um dos maiores escritores de todos os tempos, dizendo que escrevia mal, "incrivelmente mal", enquanto ele, aos vinte e pouquinhos, já era o maior, etc... ao mesmo tempo, há uma visível pontinha de inveja e reverência explícita na constatação de que apesar de escrever "incrivelmente mal", Dostoievski comunicava tanta emoção aos seus leitores -, como eu dizia, o que Hemingway não entendia que o tom atabalhoado de Dostoievski era o seu estilo.
Como falar de demência, compulsão, vícios, culpa, paixões irrefreáveis, ódios e rancores irreprimíveis, fé absurda e ceticismo completo, sem que a forma reproduzisse tão perfeitamente o seu conteúdo? Dostoievski não era um fingidor, ele sentia real e tão desesperadamente a dor que seu texto reproduzia.

Crime e Castigo ( como os demais romances e mesmo contos de Dostoiveski ) não é uma leitura de entretenimento, é uma aula de sobrevivência. Descobrir novos e nem tão belos aspectos da condição humana. Se reconhecer naquilo que se tem de simultâneamente bom e pérfido. Um mergulho de cabeça e sem rede no mais profundo da alma humana. Não é a toa que muitos definem Dostoievski como um precursor da psicanálise. Eu diria que melhor do que perder seu tempo num divã ( ainda se usa isso?) de analista ( e muito mais barato ) é ler Crime e Castigo ou Irmãos Karamazov ou, principalmente, Notas do Subsolo - sobre esse, especialmente, falarei mais adiante, em outra postagem. Disse isso uma vez pra uma aluna minha, de 24 anos, 14 destes passados num consultório (???) de analista. Ela fez cara feia, ou ficou vermelha, não lembro. Mas espero que ela tenha -se não largado a análise - pelo menos comprado num sebo uma boa e velha edição do Crime e Castigo.

Da mesma forma que se considera Dostoievski um precursor da psicanálise, é também um "existencialista" antes do existencialismo. E Raskolnikoff, com todos os seus anseios, defeitos, cheio de soberba e rancor, capaz dos sentimentos paradoxalmente mais abjetos e sublimes, talvez seja um dos personagens mais modernos da literatura, com certeza há muito de Raskolnikoff nos personagens dos existencialistas, como também nos personagens da contra-cultura, nos escritos dos beatniks, em muito de Henry Miller, em quase tudo de Bukovski.

E se Raskolnikoff é o mais conflituado e perturbado(r) personagem já criado pela literatura ( ao lado de Édipo e Hamlet), o que dizer de Sônia, a jovem prostituta que é o caminho de sua redenção? É um dos mais belos personagens femininos de todos os tempos. Um anjo - um daqueles "santos admiráveis" a quem Hemingway, ou melhor, o seu amigo Evan Shipman se refere - mas um anjo torto, como aliás, quase todos personagens "bons" do escritor russo são: anjos tortos, anjos cheios de uma putrefata humanidade, anjos de asas carcomidas pela miséria, pela loucura, pela prostituição, porém com a doçura e a bondade que nos fazem suportar mais alguns anos nesse vale de lágrimas e trevas que é nossa trajetória errática na terra.

Crime e Castigo rendeu algumas adaptações para o cinema. Conheço uma versão fiel, um filme russo, lamentavelmente muito contido e portanto, muito aquém ao texto. Há algumas versões livres, a melhor delas Pickpocket, de Robert Bresson - a mais fiel em essência ao romance de Dostoievski, se bem que, em estilo, nada mais distante dos arroubos dostoievskianos que a "frieza" do cineasta francês, embora nenhum ator conseguiu chegar mais perto do olhar de brilho quase sempre doentio de Raskolnikoff do que Martin LaSelle, que interpretou (?) Michel e nada mais semelhante à Sonia do que o semblante de "santa" de Jeanne, interpretada(?) por Marika Green (sobre Pickpocket falarei outro dia) - e a mais fraca, Nina, de Heitor Dhalia ( se bem que exista alguma semelhança entre a estética digamos "neo-expressionista" do filme e o clima do livro )

Em suma - leitura mais do que obrigatória.

mudança de vida ( e de endereço)

descendo do morro e indo pro asfalto...

domingo, 8 de julho de 2007

A proximidade da mudança é apavorante...
É nessas horas que a gente percebe a quantidade de lixo que acumulou, ao longo dos anos.
E pior, um lixo cheio de valor sentimental...

quadros que queria ter na parede aqui de casa (2)





La niña y la paloma, Picasso.

Coisas que eu gosto ( de ouvir) 3:


Cartola 2, 1976.
( também conhecido como "O mundo é um moinho" ou, mais popularmente, o "disco do Cartola na janela").
Esse foi o primeiro disco do Cartola que eu comprei, quando os discos ainda eram de vinil, editado pela saudosa gravadora Marcus Pereira Discos.
Hoje eu tenho em cd, como os seus demais discos - lamentavelmente poucos.
Desnecessário falar alguma coisa sobre o Cartola, é talvez o maior poeta popular brasileiro.
Neste disco estão registrados algumas de suas melhores canções que, sem exagero, podem ser consideradas algumas das melhores músicas de todos os tempos. "O mundo é um moinho", "As rosas não falam", "Minha", "Preciso me encontrar", "Cordas de aço", só tem obras-primas.
E que voz tinha o Cartola... ao mesmo tempo imponente e tão tranquila, suave.
É emocionante ouvir o Ney Matogrosso cantando Cartola, a gravação de Beth Carvalho para "As rosas não falam" é magistral, tem até aquele disco, "Bate outra vez", onde vários cantores interpretam seus grandes sucessos ( no geral, boas interpretações, a despeito das lamentáveis participações do indiscritível Paulo Ricardo, da chatonilda da Leila Pinheiro e do limitado mas até bem intencioando Cazuza, mas o inferno das boas intenções está lotado ), mas gostoso mesmo é ouvir Cartola cantando suas próprias músicas.
No geral, eu sempre prefiro ouvir as músicas cantadas pelos seus autores, ainda que nenhum deles seja lá um grande cantor, no sentido mais estrito da palavra.
Chico Buarque, Nelson Cavaquinho, Bob Dylan não poderiam ser considerados "bons cantores" mas no entanto, são os melhores intérpretes de suas canções - e são bons de se ouvir mesmo quando cantam canções de outros. O disco Sinal Fechado é um dos melhores do Chico, apesar de só contar com uma música sua ( Acorda Amor, que é creditada ao seu "alter ego" Julinho da Adelaide, solução malandra em tempos duros de ditadura e censura ) - sobre esse disco falaremos depois.
Mas Cartola tem a vantagem de cantar muito bem, além de ser um vigoroso intérprete não só da sua própria obra, como a de outros compositores - a gravação de "Senhora Tentação", de Silas de Oliveira, presente neste disco é empolgante.
Você tem esse disco? O que está esperando, rapaz? Compra logo e bota pra tocar.
Fundamental.

Momento poético em tempos de dureza (3)


Ai.. ai.. meu Deus! Tenha pena de mim
Todos vivem muito bem só eu que vivo assim.
Trabalho e não tenho nada, não saio do "miserê"
Ai.. ai.. meu Deus! Isso é pra lá de sofrer.
Sem nunca ter, nem conhecer felicidade,
Sem um afeto, um carinho ou amizade
Eu vivo tão tristonho fingindo-me contente
Tenho feito força pra viver honestamente
O dia inteiro eu trabalho com afinco
E à noite volto pro meu barracão de zinco
E pra matar o tempo e não falar sozinho
Amarro essa tristeza com as cordas do meu pinho.

Tenha pena de Mim - Babaú da Mangueira 1914-1993

sábado, 7 de julho de 2007

Coisas que eu gosto (de ver) 2:


Vidas Secas, filme de Nelson Pereira dos Santos de 1963.



Para mim, o melhor filme brasileiro de todos os tempos. A recriação cinematográfica da obra prima de Graciliano Ramos é tão perfeita que parece que o texto foi escrito realmente para virar filme. Aliás, Nelson disse que o roteiro de Vidas Secas foi escrito recortando páginas do livro e colando, em sequências. Não foi preciso acrescentar nada, já estava tudo ali, descrito na linguagem seca e totalmente visual do velho Graça. E o filme recria a secura e dureza das palavras do grande escritor alagoano com imagens igualmente secas e duras, mas de uma beleza incomparáveis.

Talvez a primeira fotografia ( de Luiz Carlos Barreto e João Rosa ) verdadeiramente brasileira do nosso cinema. É a poesia áspera do sertão, em sua mais perfeita tradução. A atuação dos atores é impressionante. Estranha combinação de atores profissionais - Átila Iório, grande ator da velha escola, está memorável, apesar dos relatos dos constantes atritos travados com Nelson nas filmagens, ele simplesmente não compreendia o que Nelson estava fazendo, e era compreensível, era um cinema moderno, diferente do êmulo hollywoodiano que dava(?) os parâmetros para a atuação, para a fotografia, para o cinema em geral - com não atores - Maria Ribeiro era funcionária do laboratório cinematográfico onde os filmes eram processados -, com crianças e, capítulo à parte, com animais - a cadela que interpreta "Baleia" é filmada de forma tão expressiva que sua "morte" no filme gerou protestos de grupos protetores de animais, que acreditaram que o cachorro fora mesmo morto, em cena.

Há um curta maravilhoso chamado "Como se morre no cinema", da Luêlane Correa, que relata este episódio. Para provar que Baleia vivia, tiveram que levar o cachorrinho à Cannes, onde o filme estava concorrendo e acabou recebendo o Prêmio Especial do Juri.

A cena da morte de "Baleia" foi descrita pelos escritores Leif Furhammar e Folke Izaksson no seu livro "Cinema e política" ( ed. Paz e Terra) como uma "sequência de uma tristeza quase insuportável" . Realmente, a cena é capaz de rachar mesmo o mais duro coração, mesmo o de emperdenidos maoístas como Furhammar e Izaksson, linha-durésimos, imunes a qualquer concessão melodramática que não se enquadrassem no seu crivo materialista-dialético de análise cinematográfica ( que, justiça seja feita, comparada ao relativismo, ao pedantismo delleuziano e à subjetividade do gosto pessoal que hoje impera na crítica cinematográfica, a linha dura maoísta dos escritores suecos era muito mais, digamos, inteligente e inteligível ).

"Vidas Secas" é um filme que não envelhece, suas imagens fortes e poéticas parecem se eternizar no tempo e ao mesmo tempo, parece um filme tão recente, urgente, vigoroso, moderno. E vai sempre influenciar novas gerações de cineastas ( basta compará-lo com o belo filme de Marcelo Gomes, Cinema, Urubus e Aspirina, herdeiro legítimo das imagens de Vidas Secas).

Lembro que no curso de cinema da UFF, naqueles primeiros anos da década de 80, nós os alunos dividiamo-nos ( mais por farra do que por uma verdadeira filiação cinematográfica ) em dois grupos bem distintos: os "glauberianos" e os "nelsistas". Eu sempre fui "Nelsista", de carteirinha. Não quer dizer que eu fosse anti-Glauber, da mesma forma que duvido que qualquer um do "time do Glauber" desprezasse os filmes do Nelson - que diga-se de passagem, era nosso professor. Mais ou menos professor, porque estava sempre filmando e quase nunca aparecia lá na UFF. Mas com certeza eu tinha - e tenho, até hoje - mais afinidade com o cinema do Nelson Pereira dos Santos.

Sobre o Nelson costuma-se dizer, de modo pejorativo, que ele "dá uma no prego e outra na estopa", alternando grandes filmes como fiascos. Não que essa alternância ou inconsistência seja privilégio ou defeito unicamente do NPS, mas talvez a discrepância entre os seus grandes filmes e os filmes menores seja tão notada porque os grandes são verdadeiramente colossais.
Além de Vidas Secas, considero - e são - grandes filmes brasileiros o Rio 40 graus, Boca de Ouro, Fome de Amor, El Justiceiro (um pequeno grande filme, tão menosprezado como pouco visto), Como era gostoso o meu francês, Amuleto de Ogum e, claro, Memórias do Cárcere.

A pergunta que não quer calar: já lançaram os devedês de Deus e O Diabo e Terra em Transe, do Glauber, Macunaíma, do Joaquim Pedro, Assalto ao trem pagador, do Roberto Farias. Quando vão lançar "Vidas Secas"?

Não fui eu quem disse, mas Sidney Lumet


"O desprezo com que os escritores têm sido tratados pelos estúdios ao longo dos anos é conhecido demais para ser analisado novamente aqui. Em sua maioria as histórias de horror são verdadeiras, como quando Sam Spiegel contava com dois autores trabalhando no mesmo filme em andares diferentes do Plaza Athenée, em Paris. Ou quando Herb Gardner e Paddy Chayefsky, que tinham escritórios contíguos na Sétima Avenida, 850, em Nova York, receberam um dia ofertas idênticas para reescreverem um mesmo roteiro. Ou o produtor era estúpido demais ou estava preocupado demais para perceber que os roteiros estavam sendo enviados para o mesmo endereço, um para a sala 625 e o outro para a sala 627. Os escritores datilografaram cartas idênticas, recusando a oferta.

Eu venho do teatro. Lá o trabalho do escritor é sagrado. Realizar a intenção do autor é o principal objetivo de toda a produção. A palavra "intenção" é usada no sentido de expressar o motivo de o autor ter escrito a peça. De fato, como determina o contrato do Dramatists Guild, o autor tem a palavra final em tudo - elenco, cenários, figurino, diretor - inclusive o direito de encerrar a peça antes de ela estrear se não está satisfeito com o que vê no palco. Sei de uma ocasião em que isso aconteceu. Fui criado com o conceito de que a pessoa que teve a idéia inicial, que passou pela angustia de colocá-la no papel, era quem tinha que estar satisfeita.

Quando encontro pela primeira vez com o roteirista, nunca digo a ele coisa alguma, mesmo se achar que há muita coisa a fazer. Ao invés disso, faço-lhe as mesmas perguntas que fiz a mim: De que trata essa história? O que foi que você viu? Qual foi sua intenção? Em condições ideais, se fizermos isto bem, o que espera que o público sentirá, pensará, vivenciará? Com que disposição você deseja que as pessoas saiam do cinema?

Somos duas pessoas diferentes tentando combinar nossos talentos, e então é importante que concordemos sobre a intenção do roteiro. Na melhor das circunstâncias, o que surgirá é uma terceira intenção, que nenhum de nós viu no início. Na pior das circunstâncias, um processo angustiante de intenções opostas pode ocorrer, que resultará em algo sem rumo, confuso ou simplesmente ruim se desenrolando na tela.

(...)

O primeiro, e acho único, romance de Arthur Miller, "Focus", era, em minha opinião, tão bom quanto sua primeira peça produzida, "All my sons". Uma vez lhe perguntei por que, já que era igualmente talentoso nas duas formas, escolhera escrever peças. Por que desistira do controle total que um romance dá ao autor em troca do controle comunal em que uma peça primeiro vai para as mãos de um diretor e depois passa pelas mãos de um elenco, do cenógrafo, do produtor e por aí afora. A resposta foi tocante. Miller disse que adorava ver o que seu trabalho provocava nos outros. O resultado podia conter revelações, sentimentos e idéias que ele jamais imaginou existirem ao escrever a peça. É isso o que todos nós esperamos.

(...) Mencionei que, nos melhores filmes surge uma terceira intenção, que nem o autor nem o diretor podem prever. Não sei por que isto acontece, mas acontece. Em todo filme que fiz e que eu sentia que era realmente bom, um estranho amálgama foi alcançado que surpreendeu tanto o escritor quanto a mim. É esta surpresa de que falou Arthur Miller. É claro que o propósito inicial está presente. Mas todas as contribuições individuais de todos os diversos departamentos resultam num total muito maior do que as partes individuais. Fazer filmes parece muito com uma orquestra: o acréscimo de várias harmonias pode mudar, aumentar e esclarecer a natureza do filme.

Neste sentido, um diretor está "escrevendo" ao fazer um filme. Mas penso que é importante manter as palavras específicas. Escrever é escrever. As vezes o escritor inclui orientações no roteiro. Dá longas descrições nos personagens ou de ambientes físicos. Close-ups, planos gerais e outras intruções para a câmera podem estar escritas no roteiro. Leio tudo isto cuidadosamente porque são reflexos da intenção do autor. Posso seguí-las literalmente ou encontrar um meio completamente diferente de expressar a mesma intenção. Escrever diz respeito à estrutura e palavras. Mas o processo que estou descrevendo - da soma ser maior do que as partes -, isto é modelado pelo diretor. São talentos diferentes."

( Sidney Lumet - In: Fazendo filmes, Ed. Rocco, tradução de Luiz Orlando Lemos )

quadros que queria ter na parede aqui de casa (1):


Quarto de Arles, Van Gogh

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Grandes personagens da (minha) história (2):



Sérgio Santeiro.




Radical, polêmico, engraçadissímo, guerreiro, louco, poeta, muitas vezes certo, outras tantas errado, mas sempre na luta.


É o cara que Bertold Brecht chamaria de "indispensável". Basta recordar sua luta quixotesca em prol da exibição dos curtas brasileiros antes dos longas estrangeiros. Eu o chamava de "Sr. Lei do curtas", em alusão ao Ulisses Guimarães, "sr. diretas". De certa forma, os dois se notabilizaram por lutarem por causas perdidas. O que não diminui a grandeza de sua luta, pelo contrário.

Diretor de vários curtas, sendo o que eu mais gosto é Humor Amargo (1973), uma pequena jóia do cinema brasileiro de todos os tempos.

Com seu jeitão de hippie, com sua vasta cabeleira de poeta romantico, é sempre um bom papo. Conheci o Santeiro na ABD - Associação Brasileira de documentaristas, da qual foi um dos fundadores. Atualmente ele é professor e diretor do Curso de Cinema da UFF.

Criei uma comunidade para ele no orkut.

Quem quiser acessar:

http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=1415455
Notícia lida na internet, há poucos minutos.
Dois assaltantes invadem um prostíbulo, num prédio localizado no centro de uma grande metrópole. Eles rendem clientes e "funcionárias". Algo dá errado, a polícia é avisada e cerca o local. Então os assaltantes mantém 9 pessoas como reféns: dois homens e sete mulheres.
Isso não daria um excelente filme? Acho que sim, uma espécie de "Dia de Cão" pícaro. Pena que o fato ocorreu - aliás, está em pleno curso, ainda não foi solucionado, a polícia cerca o prédio e os assaltantes mantém as "funcionárias" e os clientes reféns, imagino maliciosamente que apenas de roupa de baixo ou, mesmo, sem roupas - em Buenos Aires e não numa cidade brasileira. Do jeito que o cinema argentino tá dando de goleada no nosso cinema, é capaz que eles façam o filme sobre este episódio e ele seja um grande sucesso de público e de crítica.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Coisas que eu gosto ( de ler ) 1:


"O diabo não pode impedir o fim do mundo"
(in: A coisa e outros contos, Ed. Bertrand - 1983)

Esse fantástico texto de Alberto Moravia me impressionou sobremaneira. Uma espécie de "Fausto" às avessas, conta as vicissitudes do diabo em conseguir que um homem íntegro venda a sua alma. No caso, o cientista cujas pesquisas irão propiciar a criação da mais possante bomba atômica já feita pelo homem. O conto é narrado na primeira pessoa, então temos uma espécie de confissão de um diabo amargurado, fracassado, um diabo triste.
Ele procura corromper o impoluto cientista de todas as formas, sem sucesso. O que torna o capricho do diabo numa obsessão: ele precisa ter a alma daquele homem.
Até que o diabo apela para aquela que é sua "arma" infalível: a corrupção sexual. O diabo não tem sexo, ou melhor, o diabo é tanto masculino como feminino e, portanto, a diaba procura seduzir o cientista para, no momento em que ele a tiver em seus braços, desaparecer em meio a uma fumaça de enxofre e uma gargalhada triunfal. Mas as investidas da diaba não surtem muito efeito. Ela percebe que o cientista tem, digamos assim, uma certa propensão à pedofilia, e na pele de uma menina de dez anos, tenta de todas as formas despertar o desejo do sujeito. Numa de suas tentativas, transforma-se na propria filha do cientista. A cena é de um erotismo quase perverso, satânico. A diaba, travestida na filha do cientista, senta-se em seu colo, roça sua bundinha de menina no pau do sujeito, faz caricias e provocações. Mas o cientista mantém-se incólume. A diaba não dá o braço a torcer. Até porque naquela altura do campeonato, ela está perdidamente apaixonada por aquele homem, a quem tenta desesperadamente corromper e mandar para o fogo eterno. Então ela percebe que o seu sucesso significará a sua maior derrota. Porque no fundo de sua alma pervertida de diaba, ela começa a desejar ser possuída de verdade por aquele homem. E ela sabe que não conseguirá ser possuída por aquele homem que ama, pois no momento em que ele a tomar, ela irá "desaparecer numa fumaça de enxofre".
Não vou revelar o final do conto ( não exatamente um conto, é quase uma novela por sua extensão ) para não estragar a surpresa dos futuros leitores.
Confesso que adoraria filmar essa história. Mas é um filme quase irrealizável.
Primeiro, porque exigiria uma série de efeitos especiais, muitos e complicados. Mas esse não seria o maior problema ( ainda que seja o problema mais caro a se resolver, e creio que nossa precária indústria cinematográfica não disponha desses recursos, ainda mais para um filme "miúra" como esse, no fundo, uma história de amor ). O verdadeiro problema reside no forte erotismo que exala de cada frase, cada diálogo, cada cena escrita por Moravia. Nesses tempos de politicamente correto, impossível fazer a cena da diaba menininha tentando seduzir fisicamente o próprio pai, sem ser acusado de pedofilia. A natureza do diabo é perversa, a força do texto e da cena é a sua perversão sem limites ( ainda que não haja nenhuma vulgaridade no relato de Moravia, mesmo quando ele descreve coitos ), portanto o filme exigiria que a cena fosse interpretada por uma menina de seus dez, doze anos.
Não dá pra fazer como o Kubrick em "Lolita" ( que envelheceu a personagem de 12 para 14 anos, e filmou com uma adolescente de 17, Sue Lyon ) ou como Adriann Lyne, na sua versão menos sutil e mais "apimentada" do romance de Vladimir Nobokov ( com a Dominique Swain, à epoca também com 17 anos, e muito crescidinha para uma menina de 12 anos, o que se pode constatar nas cenas, várias, de nudez e sexo ) .
Talvez a solução melhor fosse a que Buñuel usou em seu magnífico "Simão do Deserto" (mais adiante falaremos deste ), no qual também temos o diabo feminino tentando um homem bom. Sem nenhum pudor, mas com muito humor, Buñuel coloca a voluptuosa Sylvia Piñal com roupinha de marinheiro e cachinhos dourados se fingindo de menininha e pertubando lascivamente o santo homem. É ao mesmo tempo uma criança e uma mulher. Mas é evidentemente uma boa solução dentro do contexto de irreverencia e humor do mestre espanhol, não sei se funcionaria no meu caso.
Melhor me resignar à impossibilidade deste filme, e me conformar à leitura e releitura do belíssimo texto do Moravia, que obviamente eu recomendo.
(voltaremos à Moravia, mais adiante)
Mulheres na sala fofocando e eu aqui ouvindo involuntariamente tudo o que elas falam...

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Coisas que eu gosto (de ouvir) 2:


Nina Simone.
Grande cantora, pianista e compositora norte-americana, Nina Simone (1933-2003) é uma das mais belas e possantes vozes femininas de todos os tempos. Junto com Ella Fitzgerald e Billie Holliday forma a "santissíma trindade" das cantoras negras, parte de uma constelação que aqui no Brasil tem como estrelas de igual brilho a "divina" Elizeth Cardoso e Elza Soares.
Seu repertório é dos mais ecléticos: passa do Jazz ao Blues, do R&B à "canções de protesto ( era ativista dos direitos civis e contra o racismo ), ao mesmo tempo que gravou versões personalíssimas de Bob Dylan, George Harrison, Jacques Brel, e vários outros.
Deste disco, que no Brasil foi lançado como "Nina Simone greatest hits" e com a capa branca, destaco alguns dos petardos:
My baby just cares for me ( que ficou bastante conhecida por ser parte da trilha do filme Beleza Roubada, de Bertolucci ), I wish I knwen how it would feel to be free, My man´s gone now, Blacklash Blues, Ain´t got no - I got life ( do musical Hair ), Mr. Bojangles, Here comes the sun ( do George Harrison ), Just Like a woman ( do Dylan ), To love somebody ( dos irmãos Gibb, mais conhecidos como os Bee Gees ), Love me or leave me e Why? ( em homenagem à Martin Luther King ).
Aqui Nina interpretando Love me or leave me, com direito a um solo de piano espetacular, que remete às fugas de Bach, uma beleza:
De outros discos, citaria: Don´t smoke in bed, I love you Porgy ( da ópera Porgy and Bess ), uma versão arrepiante de Ne me quitte pas ( de Jacques Brel ), I put a spell on you, Just Like Tom Thumb´s Blues e I shall be released ( ambas do Bob Dylan ), House of the rising sun, Please don´t let me be misunderstood e The look of love ( do Burt Bacharach que, se não me falha a memória, toca num dos filmes do James Bond, talvez Cassino Royalle... ).
Pra colocar no repeat do cd player e ficar ouvindo a noite toda...

"18 de Brumário"




"A história só se repete em tom de farsa", dizia Marx no "18 de Brumário de Luiz Napoleão". Mas esse grafite visto em Amsterdã, mostrando a judia Anne Frank ( morta pelos nazistas em 1944 ) usando o lenço palestino indica que, quando as antigas vítimas se transformam nos atuais carrascos, a história se repete em tom de tragédia.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Coisas que eu gosto ( de ver ) 1 :




"M - O vampiro de Dusseldorf", filme de Fritz Lang de 1931.

Um dos maiores filmes de todos os tempos. Moldou uma estrutura narrativa e um visual que desembocaria, anos depois, no "cinema noir" americano.

Sêco, soturno, vigoroso, contando com a atuação hipnótica de Peter Lorre no papel do assassino de crianças Hans Beckert (inspirado no serial killer Peter Kuerten ), coadjuvado por bons atores como Otto Wernicke ( o inspetor Lohmann ) e Gustav Gründgens ( o chefe dos bandidos, Schränker ), com a fotografia "pós-expressionista" de Fritz Arno Wagner, com seu dramático jogo de claro e escuro, luz e sombras e a montagem ágil de Paul Falkenberg, e obviamente, um roteiro exemplar. Escrito pelo próprio Lang e sua esposa Thea von Harbou ( essa, nazista de carteirinha ) é uma aula de estrutura dramática, com seus cortes em falso raccords e montagem paralela de situações.

O som é um capítulo à parte. Há bastante e bons diálogos no filme, muitas vezes dele atravessando as cenas em off para, depois, retornar à boca dos personagens. Em muitas vezes há o falso raccord sonoro, um personagem começa uma frase numa cena e ela é concluída por outro personagem, numa outra cena.

Numa atitude moderna, o filme dispensa totalmente o uso de música, seja narrativa ou de "clima". A única música presente em todo o filme é um trecho de "Na grande sala do rei da Montanha", de Edvard Grieg, assobiado pelo personagem de Lorre - e através dele reconhecemos o assassino, que só aparece no filme aos 30 minutos de filme, já no segundo ato ( antes vemos apenas sua sombra ou à distância ) . O IMDB revela que Lang dublou o assobio de Lorre.

Creio que há duas versões do filme em circulação. A que vi na Cinemateca do Mam há décadas e que tenho em VHS ( da série Classicos do cinema, da Altaya, editora espanhola ) é muito superior à que circula em dvd no Brasil.

A versão em dvd possui pequenas cenas (além de alguns planos avulsos ) que não existiam na cópia do Mam nem no Vhs, e ao meu ver, prejudicam em muito o filme.

Uma cena é um close de Beckert se encarando no espelho, no primeiro ato do filme, enquanto um psiquiatra fala em off sobre a evidente doença mental do assassino de crianças. Lorre faz caretas e arregala seus olhos lugubres, contorce o rosto num esgar assustador, doentio. É uma breve cena, quase um plano, um insert nada sutil, e me parece ter sido eliminada da montagem oficial do filme, e ter sido incluída depois, na versão que foi utilizada para a confecção do dvd. Não combina em nada com o filme e parece desmontar a rigorosa construção da personagem do assassino, sempre presente porém invisível, só reconhecido pela melodia que assobia.
A outra cena que existe apenas no dvd é a cena de tribunal, na qual Frau Beckmann, a mãe de uma das meninas mortas pelo assassino, diz que parte da culpa é de todas as mães e os pais, que deviam zelar melhor por suas crianças. A cena é estranhamente filmada, parece um apêndice. Na versão do Mam e do vídeo, escutamos a voz sem identificação de Frau Beckmann falando a frase, sobre uma ponta preta, antes do crédito de Fim. Pode ser que seja um problema de cópia deteriorada, mas a verdade é que a cena em si parece inconclusa, postiça e, principalmente, desnecessária.
Não sou historiador de cinema, fico aqui à espera de algum comentário que explique a diferença entre as duas versões.
De qualquer forma, com ou sem essas duas cenas, é um filme magnífico, vigoroso e terrivelmente atual - a discussão sobre a pena de morte que ocupa boa parte do "julgamento" de Beckert parece refletir as mesmas incertezas pelas quais passamos hoje em dia.
Obrigatório.

JJ


José Joffily, também conhecido como Zé.



Meu parceiro mais constante: escrevi para ( e com ) ele "A Maldição do Sanpaku", "Quem Matou Pixote?", "Dois Perdidos Numa Noite Suja", "Achados e Perdidos" e o seu atual projeto, "Olhos Azuis", que será rodado em setembro. Sem contar aqueles projetos que jamais saíram do papel, muitos mais numerosos.

É uma parceria que já adquiriu ares de cumplicidade há muito tempo. E bota tempo nisso: nos conhecemos desde 1981.

JJ foi meu professor na UFF. Engraçado que ele dava aulas de fotografia, mas nem eu nem ele estavamos muito interessados nisso. Da mesma forma que eu, naquela época o Joffilly - que era um diretor de fotografia em ascensão - estava decidido a virar roteirista profissional, de modo que ao invés de falarmos sobre filtros, lentes, etc, conversavamos sobre dramaturgia, narrativas, histórias que poderiam virar filmes.

Foi para ele que mostrei meu primeiro roteiro. Chamava-se "Pathé Baby - nos tempos do cinematógrapho". Que eu me lembre, era um roteiro visivelmente chupado de "Nos tempos do Ragtime", do Milos Forman, e mostrava um ficctício pioneiro do cinema brasileiro na década de 10 que, movido a dar "facadas" em industriais, fazendo filmes de propaganda de suas empresas, acabava conhecendo a exploração a que eram ( eram? ) submetidos os trabalhadores brasileiros naqueles primeiros anos do século XX. Obviamente havia a crise de consciência do cineasta, dividido entre os interesses financeiros ( com a grana dos empresários iria rodar seu primeiro filme "sério" ) e a solidariedade com os trabalhadores.
O climax do roteiro era quando era deflagrada a greve ( a famosa greve de 1917 ) e o cineasta acabava tomando partido dos operários, e ia para a porta da fábrica, filmar a luta. Então chegava a polícia que saia descendo o cacete nos grevistas insurgentes e na confusão, a câmera do nosso herói era destruída. Ruim, né? Mas o Zé achou várias qualidades no roteiro. Tanto que depois, ele me indicou pra trabalhar com um cara que tava procurando um jovem roteirista pra trabalhar com ele. O tal cara era o Durán... (mas aí já é outra história... )

Nesses mais de 25 anos de convívio, passamos por bons e maus momentos. Mas essa alternância de sucessos e fiascos (se é que se pode chamar de fiasco algo que sequer conseguiu virar filme... ) consolidou nossa parceria e, principalmente, nossa amizade.

Trabalhar com o JJ é muito prazeroso, não somente por ele ser uma das pessoas mais engraçadas ( voluntária e involuntariamente ) que conheço, mas principalmente porque ele me dá muita liberdade pra escrever e confia bastante nas minhas propostas, às vezes bastante arriscadas, como transformar o Paco de Plínio Marcos ( de Dois perdidos numa noite suja" ) em mulher ou "limar" o detetive Spinoza, protagonista dos livros policiais de Luiz Alfredo Garcia-Roza da adaptação que fizemos de "Achados e Perdidos".

JJ também foi ator em alguns dos meus curtas, sendo que sua participação em Bela e Galhofeira ( 1997 ) é simplesmente impagável.

Não é segredo para ninguém que considero o roteiro de Dois Perdidos Numa Noite Suja o meu melhor trabalho em cinema. Ganhei o prêmio de melhor roteiro no Festival de Brasília com esse trabalho. Mais recentemente, a adaptação de Achados e Perdidos foi premiada pela Academia Brasileira de Letras como melhor roteiro adaptado. Ou seja, além de tudo, trabalhar com o Zé dá sorte (já dinheiro... hummm, melhor não falarmos sobre isso ) .

Poderia tê-lo colocado na condição de mestre, ao lado do Duranzinho. Mas apesar dele ter me ensinado um monte de coisas, JJ não leva muito jeito para guru ou mentor de ninguém.
Ao contrário, e essa é uma de suas maiores qualidades como pessoa e cineasta, ele faz mais o gênero "eterno aprendiz". Nunca se coloca numa posição de superioridade, nem reivindica nenhuma ascendência. Se coloca sempre numa posição de igualdade, de parceiro mesmo. Penso que daí surge o seu inegável carisma que faz todo mundo gostar de trabalhar com ele.

Eu particularmente gosto muito.


Da série
"Grandes diálogos do cinema"
( para alunos de roteiro) :






"Todo grande truque consiste em três atos. O primeiro é chamado A Promessa: o mágico mostra uma coisa comum, mas naturalmente... provavelmente não é. O segundo truque é chamado A Virada: o mágico transforma a coisa comum em algo extraordinário. Agora, se você está procurando o segredo, não vai descobrir. Você não quer realmente saber. Você quer ser iludido. Mas você não deve aplaudir ainda. Porque fazer algo desaparecer não é suficiente, é preciso fazê-lo reaparecer. Por isso, em todo número de mágica há um terceiro ato: O Grande Truque (The Prestige). É a parte em que ocorre a mudança, em que as vidas ficam por um fio e você vê alguma coisa impressionante pela primeira vez na vida.”

Cutter (Michael Caine) in: O grande truque, de Christopher Nolan - roteiro de Jonathan e Christopher Nolan.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Momento poético em tempos de dureza (2)

Meu Deus eu ando
Com sapato furado
Tenho a mania
De andar engravatado
A minha cama é um pedaço de esteira
E uma lata velha, que me serve de cadeira

Minha camisa
Foi encontrada na praia
A gravata foi achada
Na ilha da Sapucaia
Meu terno branco
Parece casca de alho
Foi a deixa de um cadáver
Num acidente de trabalho

E o meu chapéu
Foi de um pobre surdo e mudo
As botinas foi de um velho
Da revolta de Canudos
Quando eu saio a passeio
As almas ficam falando
Trabalhei tanto na vida
Pro malandro estar gozando

A refeição
É que é interessante
Na tendinha do Tinoco
No pedir eu sou constante
Seu português
Meu amigo sem orgulho
Me sacode um caldo grosso
Carregado no entulho

Cabide de molambo - João da Bahiana ( 1887-1974 )
Li hoje no caderno Infoetc, do jornal O Globo:

"Os profetas do apocalipse dizem que a capacidade da internet é finita e que estaríamos chegando ao ponto de saturação, ainda mais depois do advento do YouTube, que gera uma avalanche de dados. No ano 2000, falava-se em tsunami de informação. Hoje, este tsunami está trafegando pela internet - diz Hermann ( Hermann Pais, diretor de inovação da EMC ). - Os mesmos profetas prevêem um blecaute da internet devido à era do vídeo e a tecnologias como o Voip. Não podemos dizer se eles estão certos, mas é fato que não sabemos viver sem internet. Um black-out poderia nos levar de volta ao Século XX".

O que me chamou a atenção nessa entrevista é a referência ao "século xx" como imagem do "pior mundo possível" pós-hecatombe. Os apocalípticos de antanho ( talvez do século XX ) faziam referência à "barbárie", à "idade média" ou aos "tempos das cavernas" quando queriam apontar o fim dos tempos. Os tempos mudaram, e com eles o espantalho usado para nos atemorizar. Ninguém mais teme o Juízo Final, ou o retorno à "idade das trevas". A destruição do mundo por uma improvável guerra mundial, nuclear e devastadora, que foi a grande paranóia da humanidade durante décadas, hoje não rende nem argumento pra filme trash.
Quanto à barbárie, quem vive no Rio de Janeiro e aventura-se no dia-a-dia da cidade, está mais do que acostumado.
O que neguinho tem medo mesmo, quase pavor, é ficar sem internet.
Eu, inclusive.
Clarisse comenta, sarcástica, que no século XX não havia blogs e eu não teria como perder meu precioso tempo escrevendo essas bobices. Ela está certa.

domingo, 1 de julho de 2007

Coisas que eu gosto ( de ouvir) 1:



Sandinista! - The Clash


Seminal álbum triplo daquela que é, na minha humilde opinião, a maior banda de rock de todos os tempos.

O Clash surgiu no meio do movimento punk, mas ao contrário da filosofia niilista e anarquista que caracterizava aquele movimento, propunha um discurso politizado e esquerdista.

Não é à toa que batizaram seu disco mais conceitual justamente com o nome da Frente Sandinista, que acabara de derrubar o ditador Anastásio Somoza e assumir o poder na Nicarágua.


Diferentemente das demais bandas , o Clash evoluiu dos três acordes básicos do rock e da gritaria punk para harmonias e melodias sofisticadas que atingiriam seu ápice justamente neste disco, lançado em 1980.

Rock mesclado com reagge, ska, rockabilly, folk inglês, jazzinho, surf music, hip hop e até mesmo valsa. Um disco robusto, pulsante, experimental ao extremo: muito do que se escuta hoje em dia foi testado há 26 atrás por Joe Strummer, Mick Jones, Paul Simmonon e Topper Headon, particularmente no disco 3 ( ou no disco 2 da versão cd ).

Minhas faixas preferidas: The Magnificent Seven, Rebel Waltz, Look Here , Police in my Back ( que eu usei na trilha do meu filme "Bela e Galhofeira" ), The Call Up, Charlie Don't Surf, Lose This Skin , One More Time, Washington Bullets e Career Opportunities ( que eu usei no meu curta "Oficina do Diabo" ) .

Um disco obrigatório.

Grandes personagens da (minha) história (1):


Antonio Serra.


Que prazer era partilhar de suas aulas, com uma troca sincera de conhecimentos, sem afetações, sem nenhuma arrogância, tão generoso com a experiência e a inteligência alheia, e ainda embalados pelo saboroso cheiro do fumo irlandês sabor chocolate alpino, que ele fumava ( aliás, o fumo que eu uso, desde aquela época - transferência de conhecimentos é isso).

Eu que tive o prazer de ter sido seu aluno, na UFF, e mais ainda, de tê-lo como "ator" no meu primeiro filme, o super 8 "Robinson", sou fã de carteirinha do Serra.

Só lamento que ele tenha tirado aquela sua famosa e formosa barba. Soube também que recentemente abandonou o cachimbo.

Criei uma comunidade em sua homenagem no orkut.
Quem quiser participar é só acessar:

( as fotos foram fornecidas pela Maria Assunção, vulgo Fatinha - Serra de padre numa inesquecível festa de são joão no IACS, nos anos 80, e pelo Zé Luiz Sanz - Serra sem barba )