sábado, 29 de março de 2008

Agravo/Desagravo


Não sou dos maiores fãs do Glauber Rocha. Na época da UFF, quando os alunos se dividiam entre os "glauberianos" e os "nelsistas", eu sempre tive mais afinidades com o cinema cru e realista, mas sempre poético, do Nelson Pereira dos Santos do que com a pletora barroca do baiano. Isso nunca me impediu de reconhecer o talento, a força imagética e a importância de Glauber, como um dos grandes autores de cinema mundial.

Dos seus filmes gosto de Terra em Transe, na minha opinião um dos melhores filmes já realizados em todos os tempos, Deus e o diabo na terra do sol, Dragão da maldade contra o santo guerreiro ( apesar de achar que envelheceu mais rápido que os anteriores ) e do curta Di, pequena obra prima, um grande filme de curta duração. Barravento e Cabezas cortadas têm seus méritos, apesar de não falarem muito ao meu coração . Não gosto muito dos demais e acho mesmo alguns insuportáveis ( Das Leone have sept cabezas e Claro são osso duro de roer... ). Mas mesmo seus filmes menos interessantes ou mesmo desinteressantes possuem elementos que despertam minha curiosidade cinematográfica, tem sempre algo que chama atenção - Glauber é, queiram ou não seus detratores, um dos artistas brasileiros mais importantes e influentes de todos os tempos. Não me enquadro portanto no grupo de "viúvas" do Glauber, que veneram cada fotograma do cineasta como se fosse um relicário sagrado.

Agora, maior que meu apreço pelo Glauber é meu desapreço por essa figura abjeta chamada Marcelo Madureira. Esse sujeito combina desarmoniosamente sua repugnante figura com sua boçalidade. Como humorista, já teve seus tempos de glória e hoje parece marchar inexoravelmente para fazer quadros no Zorra Total - com a diferença que os comediantes daquele programa, Paulo Silvino, Agildo Ribeiro, Lúcio Mauro entre outros, independente do estilo de humor que pratiquem, bons comediantes, enquanto que o "casseta" não passa de sujeito sem graça, medíocre, que pratica o pior tipo de humor, com seus trocadilhos fáceis, seu homofobismo e sexismo, sua escatologia, seu preconceito social e seu reacionarismo político disfarçado em anarquismo. Em suma, no máximo seria um tipo contando piadas de salão no fundo de um bar "pé sujo" não tivesse parasitado o carisma do Bussunda, este sim, um bufão nato ( é só perceber como o Casseta e Planeta decaiu, depois da morte do palhaço gordo).

Mas se como comediante Madureira é sofrível, mais deploráveis são suas intervenções sérias. O "intelequitual" Madureira é um repetidor de factóides, falastrão sem nenhum embasamento ou qualquer idéia original. Chamado para participar de um debate sobre cinema num evento promovido pela revista Piauí ( quem teria sido o gênio que teve a brilhante idéia? ), saiu alardeando velhos preconceitos contra o cinema brasileiro, com uma originalidade de leitor da Veja. Na falta de argumentos com algum conteúdo, partiu para a grosseria, para a provocação, ganhando assim alguma notoriedade: "Glauber Rocha é uma merda", foi a coisa mais relevante que seu raciocínio tatibitate conseguiu elaborar. Lançou o factóide, ganhou algumas páginas no Globo ( jornal onde trabalha, registre-se, afinal é o redator da coluna do Agamenon Mendes Pedreira ) e correu para a galera. Deve estar se sentindo o máximo. Afinal, para um pseudo-artista cuja indigência intelectual só consegue superar a ignorância atávica dos BBBs, deve ser reconfortante ser assunto de discussão na mídia. Uma vez que o Casseta e Planeta não repercute mais como nos tempos do Bussunda, é preciso apelar para chamar um pouco de atenção.

Que Madureira não curta o Glauber e expresse sua opinião sobre o cineasta de forma tão sofisticada, é direito dele. Gosto é uma coisa pessoal, e o Madureira tem direito de gostar ou desgostar do que bem quiser. Me incomodou mais as patranhas que ele proferiu no tal debate da Piauí ( "o cinema brasileiro era uma droga", "cineasta brasileiro é tudo ladrão", frases muito similares àquelas difundidas à época do Collor, Ipojuca Ponte et caterva, quando acabaram com a Embrafilme, causando a maior crise da história do nosso cinema ) do que sua opinião pessoal contra o Glauber. E me incomodou ainda mais que ninguém, absolutamente ninguém na platéia, basicamente composta por estudantes de cinema, cinéfilos, intelectuais, etc, gente "bem nascida" e "bem informada", como suponho serem os leitores da Piauí, tenha manifestado qualquer reação à frase destemperada do Madureira. Me incomoda que o cineasta, perdão, o documentarista ( é ele que faz questão de frisar a diferença, não eu ) João Moreira Salles, ao lado de Madureira na mesa, não tenha tido sequer a gentileza de dizer que a opinião de Madureira não era partilhada por boa parte dos presentes. Me pergunto se a Piauí endossa a opinião do Madureira. Sobre Glauber e sobre o cinema brasileiro, em geral.

Dias depois, artistas e cineastas resolveram fazer um ato de desagravo a Glauber, exibindo Deus e o Diabo na terra do Sol, na reabertura do cineclube da ABI ( antigo templo de vivência cinematográfica nos anos cinzentos da ditadura, e que foi o responsável pela formação de toda uma geração de cinéfilos e cineastas, eu incluído ). Acho que a melhor resposta às provocações do "intelequitual" Madureira é mesmo essa: exibir os bons filmes do Glauber. Haverá os que gostarão, da mesma forma que haverá quem não goste ou, mesmo, quem ache uma merda. Só espero que não passem Claro nem O Leão das Sete Cabeças, porque aí a coisa degringola...

Da minha parte, faço aqui meu desagravo, usando um trecho de Deus e Diabo que considero, junto com a morte da cachorra Baleia em Vidas Secas ( do Nelson ), uma das mais fortes e belas sequencias do cinema novo ( e do cinema brasileiro, como um todo). O beijo entre Corisco e Rosa, com uma Yoná Magalhães linda, novinha e um Othon Bastos exuberante, embalados pela belíssima Bachiana Brasileira #2, de Villa-Lobos. Talvez o mais belo beijo da história do cinema.

3 comentários:

Henrique Crespo disse...

Fala Paulo,
Tudo bem?

Atrevo- me a dizer que acho os filmes de Galuber chatos. A figura dele, se contextualizada, eu tenho respeito. Um articulista, provocador e inteligente. Verdade que vi poucos filmes dele mas o que vi não me despertou nada.
Já o Vidas Secas eu acho sensacional.
Quanto ao Madureira, mesmo achando o Casseta e Planeta um saco e uma merda, acabou atuando como um bom provocador. Acho que a gente anda precisando disso. É todo mundo tão político, tão diplomata.
abraço
Henrique

Vitor Damasceno disse...

Bom,
o que dizer do casseta Madureira? acho que você sintetizou muito bem esse comediante que pouquíssimas vezes fez alguém rir.
o que dizer sobre Glauber?
Concordo com seu ponto de vista que coloca em primeiro lugar o gosto pessoal. Também percebo que algumas obras de Glauber são marcantes e essenciais para a história do cinema mundial. Divido contigo minha preferência por Terra em Transe.
Mas o que mais me chama a atenção é a estagnação, o estado de anestesia, a pasmaceira, a pre-disposição para um puro e perfeito espectador que a juventude e as pessoas em geral tem se disposto.

Quando penso nisso, além de imagens das minhas vivÊncias pessoais, me vem a imagem de "Bye Bye Brasil" de Caca Diegues, onde a apresetação do magico José Wilker é ignorada pela plateia hipnotizada pela televisão.

Mas discordo do comentário acima. Não é esse tipo de provocador que despertara essa massa.

Vitor

Goo goo g'joob disse...

PP, muito bem colocada cada palavra! Valeu a crítica!

Grande abraço,

Claudinho