sábado, 5 de janeiro de 2008

Quem são nossos ídolos? - a lista (3)

Fazendo um salto temporal, o próximo da lista dos grandes roteiristas que devem ser analisados, e seguindo a "linha ideológica" aberta por Thea Von Harbou, ou seja, artistas que trafegam no espectro político de direita, o nome que me vem à mente é o diretor e roteirista americano John Milius.

Ao contrário de Thea, não posso afirmar que Milius seja de direita, mas como boa parte de seus filmes como diretor apresentam uma visão de mundo individualista, belicista, imperialista, anti-liberal e anti-comunista ( um de seus filmes - um dos piores - Amanhecer Vermelho é uma pérola da paranóia remanescente da guerra fria, típico sub-produto ideológico dos anos Reagan, descrevendo a inacreditável invasão dos EUA por tropas russas, cubanas e angolanas e a resistência comandada por um grupo de adolescentes, mistura intragável de Goonies com Rambo ), em suma, como boa parte de seus filmes se aproxima do ideário direitista, suponho que ele compartilhe desta posição política. Neste aspecto, sua obra é mais comprometida ideológicamente que os trabalhos de Thea von Harbou, nazista de carteirinha e de coração, mas muito mais isenta ( com certeza, "por culpa" de Fritz Lang).

Mas falemos do roteirista Milius, que é o que nos interessa. É um excelente roteirista, que transita com eficácia dos filmes de ação aos filmes mais autorais. E bastante versátil, o que podemos constatar, analisando os filmes que escreveu. Roy Bean, o homem da lei, genial western cômico de John Huston, Mais forte do que a vingança, de Sidney Pollack, Dirt Harry e Magnum 44, de Don Siegel ( que consolidou a imagem de "homem duro" de Clint Eastwood ), colaborou no roteiro de Tubarão, de Spielberg, para quem escreveu depois a comédia maluca 1941 ( o maior fracasso de Spielberg, quando vi achei uma bomba, mas acho que merece ser revisto ), e mais recentemente, Perigo Real e Imediato, de Philip Noyce.

Mas o principal roteiro de Milius é, sem dúvida, Apocalipse Now, de Coppola. Adaptação livre de romance de Joseph Conrad, transposto das selvas da Africa no período de colonialismo inglês para a Guerra do Vietnã, é um roteiro inteligente e exemplo do que considero uma boa "adaptação literária" - onde deve valer menos o que foi escrito e mais o que se lê. O roteiro de Milius contém o essencial do romance de Conrad, mas ao mesmo tempo, é uma obra original.

Curioso que o roteiro foi escrito originalmente para George Lucas. Sorte de Milius, e nossa, que foi parar nas mãos de Coppola.

Além de Apocalipse Now, merecem destaque os roteiros que Milius escreveu para dois dos filmes que dirigiu: O vento e o leão, espetacular mistura de filme de aventura com drama político ( em tempos de guerra do Iraque e de histeria anti-muçulmana, é um filme que merecia ser revisto por mostrar como, há mais de cem anos, os EUA não mede esforços para impôr ao mundo seus interesses politicos e economicos) e, claro, Conan, o bárbaro ( este em parceria com o então roteirista Oliver Stone), adaptação da saga do brucutu cimério criado por Robert E. Howard e popularizado pelos quadrinhos da Marvel -filme que alavancou a carreira do hoje governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger. Milius também é produtor da série Roma.

Ainda no ambito dos roteiristas "de direita", um dos que se declaram despodurodamente de direita é o grande roteirista brasileiro Leopoldo Serrán. Não sei se em tom de blague, ou se por opção política verdadeira.
Seja como for, sua obra é magistral: Dona Flor e Seus dois maridos ( com o hoje mestre do documentário Eduardo Coutinho ), Amor Bandido e A estrela sobe, de Bruno Barreto, Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues, Tudo Bem e Eu te Amo, de Arnaldo Jabor, Faca de dois Gumes, de Murilo Salles, além das minisséries globais Engraçadinha, A Máfia no Brasil e do seriado Plantão de Polícia. Não é à toa que Serran é considerado o "decano" dos roteiristas brasileiros.

Tendo começado a carreira no cinema novo, nos anos 60, com Ganga Zumba, primeiro longa de Cacá Diegues, Serran é um nome recorrente no cinema brasileiro ao longo de quatro décadas. Como todo profissional, alterna momentos excelentes com outros não tão felizes. Às vezes custo a crer que o mesmo roteirista de Bye-Bye Brasil escreveu Beladona... não só pela qualidade que distância um filme do outro, mas pela visão do Brasil que os dois filmes apresentam. Enquanto que em Bye-bye Brasil há um olhar crítico e mesmo desencantado com o Brasil real, o Brasil profundo, não tocado pelo progresso, pela assim chamada "civilização", em Beladona o tom é folclorizante, condescendente, o que vai as telas é uma sucessão de cartões postais turísticos de beleza edulcorada. Claro que o roteirista não é culpado pelo filme que o diretor faz, muito menos do que gostaria de fazer. Muita coisa se perde no processo de transposição do que está no papel para a pelicula. Obviamente, no caso de Bye-bye Brasil, Serran estava trabalhando com um Cacá Diegues no melhor momento de sua carreira, enquanto que em Beladona, o que se buscava era evidentemente um produto de linha comercial menos criteriosa de Luis Carlos Barreto, já numa fase decadente de sua exultosa carreira de produtor ( lembrando que Bye-bye Brasil também foi produzido pelo Barretão ).
Num debate que participei com Serran, ele falou que em seu processo de trabalho há um cuidado excessivo na escaletagem do filme, definindo com o diretor cena a cena exatamente o que virá se tornar o roteiro. Esse trabalho geralmente leva dois, três meses. Fechada a escaleta, ele escreve o roteiro e não mexe mais nele. Se o diretor quiser alterar alguma coisa, que contrate outro. Segundo Serran, se o diretor mudou de idéia, isso não é problema seu, pois tiveram tempo suficiente para mudanças no processo de escaletagem e roteirização. Então, ele não se preocupa com o que acontece com o roteiro, depois que o entrega ao contratante. Não se preocupa nem se responsabiliza, deixou bem claro. Talvez esse "despreendimento" justifique a qualidade claudicante de alguns de seus últimos trabalhos. Mas isso não impediu que tenha feito outros bons trabalhos como Onde Anda Você, de Sérgio Rezende e O dia da Caça, de Alberto Graça.

Vale registrar que Serran também é o roteirista de O que é isso companheiro?, lamentável filme de Bruno Barreto baseado nas memórias de Fernando Gabeira, que se notabilizou por fazer uma leitura, digamos, "à direita", daquele relato sobre a luta esquerdista contra a ditadura militar.

Numa entrevista à epoca do lançamento do filme, Bruno Barreto disse que chamou Serran para escrever o roteiro, por ele "ser filho de um almirante" (sic), portanto, capaz de ver o ponto de vista dos militares naquela que seria (ou deveria ter sido ) uma história sobre o heroísmo e o sacrifício de jovens idealistas de esquerda. Parece que essa moda de que "narrar-a-história-do-ponto-de-vista-de-um-personagem-fascista-não-faz-do-filme-um-filme-fascista, blá-blá-blá" teria começado aí. Ao contrário do pessoal de Tropa de Elite ( prometi a mim mesmo que não tocaria mais nesse filme, que ilusão), Serran não fugiu da raia e defendeu seu ponto de vista refletido no filme, acusando seus críticos de "comunistas e esquerdistas ressentidos". Mais digno do que jogar a culpa na platéia.

Independente desse filme, e de outros tropeços como Beladona ou Paixão de Jacobina, Serrán é, ao lado de Jorge Durán ( de quem falaremos, já, já ) o grande roteirista do cinema brasileiro.

Altamente recomendável para quem quer aprender a fazer cinema no e do Brasil.

(continua)

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