sábado, 25 de agosto de 2007

domingo, 19 de agosto de 2007

Chomsky



O único modo de lidar com o fanatismo ideológico é ignorá-lo e concentrar a atenção em pessoas que têm a mente suficientemente aberta para dar importância a evidências e argumentos. Há dois aspectos no que eu escrevi sobre o terrorismo desde 1981, quando o governo Reagan ocupou o poder declarando que uma "guerra ao terror" seria o foco da política externa dos Estados Unidos, uma "guerra" que foi redeclarada por George Bush em 11 de setembro de 2001.

O primeiro é que eu uso a definição oficial de terrorismo dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido. Isso é considerado um escândalo, porque se usamos essas definições, significa diretamente que os Estados Unidos são um poderoso Estado terrorista, e o Reino Unido não fica muito atrás. A conclusão, claro, é inaceitável. Como a lógica é impecável, e a base factual não está em dúvida, a reação-padrão dos que fazem a apologia do terror do Ocidente é de pura irracionalidade. Uma das reações é a que você descreveu: fingir que a condenação consistente de todos os tipos de terror é uma apologia para o terror deles contra nós, o único tipo que pode ser discutido dentro do sistema doutrinário.

O segundo aspecto do que escrevo sobre o assunto é que, ao discutir o terror deles, eu acompanho de perto as análises dos principais especialistas em terrorismo islâmico do mundo acadêmico, da inteligência dos Estados Unidos e do jornalismo, como Fawaz Gerges, Michael Scheuer e Jason Burke. Isso também é considerado um escândalo, porque eles fazem análises sérias, e é muito mais conveniente fazer poses heróicas diante das câmeras e falar de "fascismo islâmico", "guerra de civilizações" etc.

Quanto ao discurso ideológico conservador, vale a pena ter em mente que algumas das mais extremas e irracionais defesas da agenda política nesses pontos é produzida por pessoas que se definem como liberais e social-democratas.

Independente de sua origem, há alguma maneira de confrontar o discurso ideológico? Sim, há uma maneira muito simples: tentar dizer a verdade. Não arranca aplausos da elite intelectual, mas é assim que ela reage normalmente às revelações sobre a natureza e o exercício do poder.

O que importa é o público em geral, que é capaz de se libertar das doutrinas e buscar compreensão.

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Não fui eu quem disse, mas Alberto Moravia


" (...) Como se sabe, o argumentista é aquele que escreve, em colaboração com outro argumentista e com o realizador, o desenvolvimento das cenas de que se compõe o filme. No guião, um por um, segundo o desenrolar da ação, são minuciosamente indicados os gestos e as palavras dos actores e os diversos movimentos da máquina. O guião é portanto ao mesmo tempo drama, mímica e técnica cinematográfica. Ora, se bem que a acção do argumentista seja de primeira importância e venha imediatamente depois da do realizador, por motivos inerentes ao progresso da arte do cinema ele fica sempre irremediavelmente subordinada e obscura. Se de facto se julgam as artes do ponto de vista de expressão directa, e não se vê de outro modo como na verdade poderiam julgar, o argumentista é um artista que, apesar de dar o melhor de si ao filme, não tem a consolação de ver reflectida nele a sua personalidade. Assim, com todo o seu trabalho criador, ele não pode ser então um fornecedor de achados, de invenções, de expedientes técnicos, psicológicos, literários; pertence então ao realizador usar esta matéria segundo o seu gênio e, em suma, de se exprimir. O argumentista, portanto, é o homem que fica sempre na sombra, que sua seu melhor sangue para o sucesso de outros; e que, embora o exito do filme dependa dois terços dele, nunca verá seu nome nos cartazes publicitários, onde são, pelo contrário, indicados os do realizador, dos actores e do produtor. Ele pode, é verdade, como acontece frequentemente, alcançar nome neste seu mister subalterno, e ser pago muito bem; mas nunca pode dizer: "este filme fi-lo eu." Isso pode dizê-lo somente o realizador, que, com efeito, é o único a assinar o filme. O argumentista, pelo contrário, deve contentar-se com trabalhar pelo dinheiro que recebe, o qual, queira-o ou não, acaba por transformar no verdadeiro e único fim de seu trabalho. Assim, ao argumentista não cabe senão gozar a vida, se é capaz disso, com aquele dinheiro que é o único resultado do seu trabalho, passando dum argumento para outro, duma comédia a um drama, dum filme de aventuras a um sentimental, sem interrupção, sem pausas, um pouco como em certas governantas que passam duma família para outra sem terem de se afeiçoar a qualquer criança, indo os frutos dos seus esforços todo para as mães, pois só essas têm o direito de chamar à criança seu filho. (...)"

In: O desprezo, pp. 49-50. Editora Ulisséia. 1972. Tradução de Maria Tereza de Barros Brito.

PS. mantive os termos em português de Portugal, pois é lusa a minha edição de "O Desprezo". Não sei se o livro foi publicado no Brasil, mas de qualquer forma, entenda-se por argumentista o que chamamos por roteirista, máquina é a câmera e guião, é como os portugueses chamam ao roteiro.

PS2: "O desprezo" foi filmado por Godard, em 1963. É um dos seus melhores filmes. Mas sobre "Le Mepris", falaremos depois.