segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Veja esta canção (3)


Clip da cantora, compositora e instrumentista mexicana Julieta Venegas. Muito boa!


 

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Beijo de despedida


um corajoso jornalista iraquiano fez aquilo que todo cidadão do planeta gostaria de fazer. Bem, alguns, muitos, gostariam de mandar bala ao invés dos sapatos... Faltou um pouco mais de pontaria... mas valeu a intenção.  

sábado, 6 de dezembro de 2008

Let´s dance!


Eu danço mal e canto pior ainda. Mas estranha e patológicamente, insisto em dançar, e dependendo da quantidade de alcool em questão, sou capaz de dançar a noite inteira. Felizmente, para mim e para os ouvidos alheios, o alcool não "desperta" meu lado trovador. E se "no entanto é preciso cantar" me contento em no máximo participar e muito discretamente do coro. De qualquer forma, gosto muito de música - principalmente, gosto de "ver" música.
Não gosto muito de musicais, mas adoro cenas em que os personagens cantem ( de preferência, a capela e "mal", como nos documentários do Eduardo Coutinho ) e, principalmente, dancem. Em quase todos os meus filmes coloco uma cena em que os protagonistas dançam. 
Este trecho de "Band à part", de Jean-Luc Godard, é uma delícia, dá vontade de sair dançando também. A música e a dança são elementos frequentes nos filmes de Godard - ele inclusive filmou um "musical", ao seu jeito: "Uma mulher é uma mulher" é uma divertida paródia a "Guarda-chuvas do amor", de  Jacques Demy. Mas duvido que Godard seja um pé de valsa. Não tem cara. 
Hal Hartley citou ( eufemismo da minha parte, Hartley praticamente copia o enquadramento, a coreografia, repete inclusive a brincadeira do chapéu ) essa cena em Um Simples Desejo, que é um filme bacana  (lamentavelmente, nenhum dos dois filmes foi lançado em dvd por aqui... ). Citações unem obras e artistas como parceiros numa dança. Godard, sem dúvida, um dos cineastas mais citados e copiados de todos os tempos é talvez um dos que mais cita obras alheias ( não necessariamente apenas cinematográficas ) em seus filmes. Nessa cena mesmo, há uma rápida menção à Corrida do ouro, de Chaplin - mais especificamente, à dança dos pães . 
Hal Hartley é músico, tem uma banda, faz a trilha sonora dos seus filmes.
Meu amigo cineasta "candango" ZéEduardo Belmonte cita Hartley no seu divertido curta Cinco filmes estrangeiros, numa bem filmada e coreografada cena de dança ao som de I saw you saying (that you say that you saw ), dos Raimundos, que acaba se aproximando por tabela da cena original de Godard ( seu curta é em preto e branco, o que acentua ainda mais o parentesco visual e conceitual da citação). Assim como eu, Belmonte também adora cenas "musicais" em seus filmes. Mas excessivamente tímido, capaz de corar por qualquer coisa, Belmonte não leva o menor jeito pra dançar. Imagino que cante mal.   
E essa postagem acabou ficando como uma quadrilha: de marcha em contramarcha, de associação em associação, voltamos ao ponto de partida. 
Não gosto de musicais, mas esta cena de Band à part é espetacular.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Auxílio Luxuoso



Já tinha escrito aqui sobre a honra e o privilégio de ter trabalhado como roteirista do Carvana ( e logo no Casa da Mãe Joana, maior sucesso )... 

Agora a honra é em dobro: olha ele aí, fazendo uma participação como ator no meu filme...


terça-feira, 28 de outubro de 2008

Veja essa canção (2)

Video-clip de "When the deal goes down", de Bob Dylan ( do álbum Modern Times) ilustrado com belas imagens em S-8 de Scarlett Johansson.  Bem bacana, nostálgico.


segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Os três vértices de um triangulo

Caio Blat, Maria Ribeiro e Luz Cipriota - superelenco do meu filme.

domingo, 12 de outubro de 2008

Momento poético em tempos de dureza (7)






Habitada por gente simples e tão pobre
Que só tem o sol que a todos cobre
Como podes, mangueira, cantar?


Pois então saiba que não desejamos mais nada
A noite, a lua prateada
Silenciosa, ouve as nossas canções

Tem lá no alto um cruzeiro
Onde fazemos nossas orações
E temos orgulho de ser os primeiros campeões

Eu digo e afirmo que a felicidade aqui mora
E as outras escolas até choram
Invejando a tua posição

Minha mangueira essa sala de recepção
Aqui se abraça inimigo
Como se fosse irmão

(Cartola - Sala de recepção )

sábado, 11 de outubro de 2008

Parabéns!


Nascido em 1908, Cartola faria hoje cem anos... mas como é imortal, continua inteirão e cantando bem à beça...

Maternidade



Julie Gavras e sua genial atriz mirim Nina Kervel-Bey.

sábado, 27 de setembro de 2008

Ver e Ouvir (4)

Quase não há o que ouvir aqui, apenas deliciar-se com a beleza das imagens. Uma pintura "ao vivo". Trecho do belissimo filme iraniano O Silêncio, de Mohsen Makhmalbaf.

Quadros que queria ter na parede aqui de casa (14)




As três graças, de Rafael.

cíclope ou circe?




Lucrécia Martel

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

domingo, 21 de setembro de 2008

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Não fui eu quem disse, mas O Bonequinho de O Globo

‘A casa da mãe Joana’ fica em Bonsucesso. Tem uma em Ramos também. E outras três na Penha. Na Baixada, na Zona Sul e na Barra existem outras. No Rio todo, há casas-da-mãe-joana iguais àquela onde vivem Montanha (Antônio Pedro, no tom), PR (Pauto Betti, inspirado) e Juca (José Wilker, hilário), protagonistas do novo filme de Hugo Carvana. Basta haver amizade.

Amizade é a essência estética do cinema de Carvana. O entendimento do ônus afetivo que a palavra “amigo” carrega é o esqueleto de seus filmes, subestimados nestes tempos em que lealdade virou artigo escasso. “Bar Esperança” (1982), que entra fácil em qualquer lista de filmes nacionais antológicos, já deixava claro esse traço investigativo da obra que Carvana vem depurando no diálogo com subgêneros do humor. Se “Apolônio Brasil” (2003) flertava com a chanchada ingênua dos anos 1950, “A casa...” revisita a comédia erótica da década de 1970.

Num humor malcomportado, a saga de como Montanha, PR e Juca resistem ao golpe dado pelo “171” Vavá (o Buster Keaton chamado Pedro Cardoso) retoma um cinema sensualmente abusado, na linha de “Amici miei — Meus caros amigos”, de Mario Monicelli. É um riso cru, indigesto para estômagos talhados a caviar cinéfilo, mas apetitoso para quem não teme prazeres. E que prazer dão Juliana Paes e Fernanda de Freitas:

(Rodrigo Fonseca, Revista Rio Show, O Globo, 19/09/2008 )

programa


Casa da Mãe Joana, comédia de Hugo Carvana, num cinema perto de vc...

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Grandes personagens da (minha) história (3)

Hugo Carvana

Sempre fui fã do Carvana. Era moleque e admirava seus trabalhos, fosse em cinema ou na televisão. Durante minha adolescência acompanhava um seriado que ele fazia na TV Globo, Plantão de Polícia. Ele interpretava Valdomiro Pena, jornalista veterano, boêmio, cínico, debochado porém, íntegro e humanista. Esse seriado, escrito por gente como Leopoldo Serran, Aguinaldo Silva ( àquela época um bom roteirista, ainda não tinha virado o noveleiro de sucesso de hoje, menos deslumbrado consigo mesmo e mais atento à qualidade de suas histórias ) e Doc Comparato, é das boas coisas que vi na televisão brasileira, muito superior ao que é feito hoje. 

No cinema, Carvana encarnava o carioca típico, malandro, indolente, mulherengo, sacana. De certa forma era o arquétipo do brasileiro macunaímico, numa versão urbana, o que pode ser constatado no simpático filme de Cacá Diegues, Quando o carnaval chegar (1972), que aliás foi o primeiro filme que vi com Carvana, nos meus tempos de cineclubista, na década de 70 . 

Seu primeiro filme como diretor, "Vai trabalhar vagabundo" (1973) é uma pequena obra prima. Além das muitas qualidades cinematográficas, o filme poderia ser analisado como um tratado sociológico do caráter do povo brasileiro, ao lado do já citado Macunaíma, de Mário de Andrade, das Memórias de um sargento de milícias, de Manoel Antonio de Almeida, de Simão, o caolho, de Galeão Coutinho, no campo da ficção ou de Casa-Grande e Senzala, de Gilberto Freire, Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Hollanda, Carnavais, malandros e heróis, de Roberto da Matta e O Povo brasileiro, de Darcy Ribeiro, no campo teórico. A galeria de malandros, trambiqueiros, porra-loucas que desfila ao longo do filme, com um humor anárquico e uma insáciavel sede de alegria e liberdade, proporciona uma subversiva radiografia de nosso país - um Brasil torto, desengonçado, vagabundo e mestiço, em tudo oposto ao Brasil Grande propagandeado pelo governo militar. 

Já estudante de cinema, fui conhecer o Carvana ator de grandes filmes como Os Fuzis, de Ruy Guerra, Terra em Transe e Dragão da Maldade contra o santo guerreiro, do Glauber, de O Anjo Nasceu, do Julio Bressane,  entre outros. Nesses filmes, sua atuação revelava um outro Carvana, diametralmente oposto àquele malandro carioca arquetípico - um ator sério, politizado, completamente integrado à proposta estética e ideológica vanguardista do cinema novo ( ou do seu sucedâneo mais transgressor, o cinema marginal, "udigrudi", no caso de Bressane ). Carvana se revelava como um ator de recursos ilimitados, que transitava com maestria pela comédia e pelo drama,  e ao mesmo tempo, um artista comprometido e identificado com o ideário de sua geração, o que lhe valeu algumas prisões e um período no exílio ( sua esposa e companheira de todas as horas, Marta Alencar, foi inclusive guerrilheira ). 

De certa forma, Carvana encarnava essa "persona" formada pelos dois lados distintos de seus trabalhos: era ao mesmo tempo o malandro boa praça, trambiqueiro do "bem", sacana e camarada e o porta-voz de uma geração politizada, um homem de seu tempo, idealista e combativo. Era uma projeção do brasileiro que todos gostariam de ser: alegre e ao mesmo tempo consciente, bon-vivant e guerreiro. Seu único defeito para mim era ser torcedor do Fluminense ( assim como outro dos meus ídolos, Chico Buarque, aliás, seu primo e compadre ), mas ninguém é perfeito.

Como diretor, Carvana faria o filme ícone do processo de redemocratização brasileira, Bar Esperança, o último que fecha (1982) comédia dramática que é uma espécie de inventário de sonhos, frustrações, perdas e ganhos do Brasil pós golpe militar. Um dos melhores filmes brasileiros de todos os tempos.

Seja como ator, diretor, ou simplesmente, na arte de viver, Hugo Carvana é um mestre.

Bem, toda essa apresentação talvez desnecessária, uma vez que o Carvana é uma figura pública bastante conhecida, é para balizar minha emoção ao ser convidado pra trabalhar com o Carvana no roteiro de seu filme Casa da Mãe Joana. Emoção e cagaço, tenho que confessar ( senti algo parecido quando fui trabalhar com o Ruy Guerra, mas disso eu falarei depois). Se já é assustador trabalhar com um artista do tope do Carvana, meu medo ainda foi maior pelo fato de ser seu admirador confesso. Várias coisas me assustavam: o temor de me deixar seduzir pelo fascínio do ídolo, de perder a capacidade crítica diante da admiração, o medo mesmo de não conseguir produzir nada à altura de seu talento. Por outro lado, tinha de enfrentar um grande fantasma: "substituir" ( se isso é possível ) Armando Costa, o grande parceiro de Carvana em seus melhores filmes (além dos já citados, roteirista também de Se segura malandro ). 

Mas para minha sorte, a idolatria subserviente foi imediatamente desmontada por uma camaradagem regada a alguns copos de cachaça e defumada por muita fumaça de charuto. E por muita piada infame, histórias do arco da velha, confissões de uma mente sacana. 

Ao longo do trabalho, percebi que o único risco que corria era mesmo não conseguir produzir nada de concreto,  porque perdíamos (?) tanto tempo falando besteiras que quase não dava para escrever. Marta, esposa e produtora do Carvana, suspirava dizendo que o Carvana não tinha saído da "fase anal", pois 99% das suas piadas eram referentes ao bom e velho cú - e a verdade é que, metaforicamente falando, o big bang do universo cômico do Carvana parece se originar justamente desta parte da nossa anatomia, o equivalente escatológico do buraco negro cósmico. 

Um parentêsis: recentemente, quando estava trabalhando no seriado Dicas de um sedutor, "baixou" em mim um "encosto carvaniano", e para desespero da Rosane Svartman, e de outros colegas de equipe, passei a maior parte do tempo do trabalho contando piadas infames, quase todas referentes à fase anal e seus derivados eróto-escatológicos ( o que era agravado por ter entre parceiros do trabalho dois outros quarentões com mentalidade e humor adolescente, Gustavo Cascon e Chico Soares ). Do que posso deduzir que bobeira é extremamente contagiosa.

Contagiosa e causa sequelas. E sequências. Foi tão prazeroso trabalhar com o Carvana que nem tinhamos terminado o Casa da Mãe Joana, e ele me chamou pra escrever um novo roteiro, Não se preocupe, nada vai dar certo, que está começando a produzir. E outro dia ele me chamou pra conversar sobre um novo projeto... Carvana tem esse "defeito",  nem acabou um trabalho já está pensando no próximo filme. O "Mestre" tem pressa: aos 71 anos de uma vida marcada por farras, porres, noitadas, prisões, exílio, dureza, alcool, drogas, loucuras, fumando horrores, com apenas um pulmão, um câncer vencido, e agora diabético ( e proibido de beber seu whisky, muito menos sua "branquinha" ), Carvana tem muita histórias e piadas pra contar e sabe que o tempo urge, ainda mais no Brasil, onde fazer cinema é uma atividade de risco, marcada por contratempos e imprevistos... 

Carvana está lançando essa semana ( dia 19 de setembro, sexta agora ) o Casa da Mãe Joana. Não vou dizer que é altamente recomendável, porque seria cabotino. Mas vejam o filme, é muito divertido. Pra quem gosta de bobagem, é um prato cheio.  

domingo, 14 de setembro de 2008

Veja essa canção (1)


"Smells like teen spirit", por Tori Amos.

A versão do hit do Nirvana pela magnífica voz e pelo piano de Tori Amos, registrada num disquinho ( Crucify, cinco músicas apenas) que contém também uma bela versão de Angie, dos Stones. 

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Ver e Ouvir (3)

Abertura do filme "Caindo no Ridículo", de Patrice Lecomte. Na minha modesta opinião, uma das melhores cenas de abertura da história do cinema, deste que é um dos melhores ( talvez o melhor ) filmes do grande diretor francês. É um momento de crueldade ímpar - violento, grotesco e, não dá para disfarçar, engraçado.  Nada a ver com as baboseiras sanguinolentas metidas a intelequituais dos Tarantinos da moda ( Tarantino ainda está na moda? ).  No mais, é um excelente prólogo - uma cena avulsa, que parece independente do resto da narrativa, mas que introduz de forma precisa e contundente o assunto do filme. No mais, é um aperitivo em tanto ( se não me engano, essa cena foi usada como avant-trailler do filme, à epoca do seu lançamento, no início dos anos 90 ). 
Não sei se já saiu em dvd. Pra quem mora no Rio, uma dica: o videoclube do Estação Botafogo tem ( ou tinha, não sei ) uma cópia em VHS. Vale a pena dar uma procurada. Filmaço. Falarei dele, mais adiante. Por enquanto, curtam essa bela sequência.

domingo, 7 de setembro de 2008

Coisas que eu gosto (de ver) 8:


Os vivos e os mortos (1987),  de John Huston

Este foi o último filme do grande diretor norte-americano John Huston, cuja obra é quase uma coletânea de clássicos do cinema, como O falcão maltês, O tesouro de Sierra Madre, Uma aventura na África, Moby Dick, O Homem que queria ser rei, O Pecado de todos nós,  À Sombra do Vulcão, cuja maior parte, por sinal,  ( e os títulos mencionados são prova disso ), é inspirada em obras literárias. 

Adaptação quase literal de um conto de James Joyce, O morto (com roteiro de Tony Huston, filho do diretor), "Os vivos e os mortos" é uma pequena obra-prima, o réquiem de um grande artista, uma reflexão ao mesmo tempo cética e carinhosa sobre a vida. Com mais de 80 anos, Huston dirigiu boa parte do filme numa cadeira de rodas, com um tanque de oxigênio do lado, interrompendo as filmagens vez por outra para "respirar" um pouco. Huston morreria um ano depois de lançar o filme. 

Dramaturgicamente falando, "Os vivos e os mortos" é aparentemente muito simples - reproduz quase que integralmente a estrutura do conto e quase reproduz o tempo de sua fruição: o conto, um pouco longo, é quase uma pequena novela; o filme, bem enxuto, dura apenas 80 minutos.  O filme parece durar o mesmo tempo que se leva para ler, sem pressa, o texto de Joyce.  Quase não há história ou trama no filme. A maior parte da ação se passa durante os festejos natainos na casa das tias de Gabriel Conroy, o protagonista do filme ( numa admirável interpretação do ator irlandês Donald McCann ) e o que vemos é quase um "super 8" ou vídeo doméstico, o registro de uma festa familiar, com velhinhas solteironas fofinhas falando reminiscências, danças de salão, cantorias, comentários maliciosos à socapa, um flerte dissimulado, o inevitável tio alcoolatra, até o aparecimento dos inevitáveis ressentimentos, de feridas antigas mal cicatrizadas, frustrações sufocadas em meio à ceia natalina. Ou seja, uma típica reunião familiar aparentemente festiva, mas permeada por uma tristeza ora disfarçada em nostalgia, ora explicitamente marcada pelas perdas. É um filme de sutilezas, de entrelinhas. A câmera nos convida a entrar naquela festa, assistimos às conversas sentados numa das cadeiras em volta da mesa onde os personagens ceam e se expõem. Tornamo-nos nós próprios convidados da festa, cada um de nós com um histórico de lembranças, perdas e mágoas semelhantes ao dos personagens. 

Em meio à essa festa, vai-se delineando um conflito envolvendo Gabriel e sua esposa, Gretta (interpretada de forma sublime por Angélica Huston, filha do diretor ). O conflito do conto e do filme refere-se à revelação de um grande amor do passado de Gretta, que emerge em meio às evocações nostálgicas e ao clima melancólico tipicos dessas festas familiares. Gretta tivera um amor na adolescência. Um amor casto, pueril, triste - porém verdadeiro e único. Ao dar conta de que Gretta ainda ama aquele rapazinho pobretão, que morrera de pneumonia décadas atrás, Gabriel percebe o vazio de sua vida, o fracasso de seu casamento aparentemente bem sucedido, a distância que o separa de sua mulher, de seus ideais, da suposta felicidade e do conforto pequeno-burguês em que crer viver. 

A segunda parte do filme se dá num quarto de hotel, onde o casal Conroy pernoita após a festa natalina. A neve cai e a esposa dorme. Insône, Gabriel olha a neve que cai "indistintamente, sobre os vivos e os mortos". A neve que cai leve, como a terra que se atira aos mortos, nos sepultamentos.  A cena é basicamente o monólogo em voice over de Gabriel, no qual ele rumina seu inventário de frustrações e constata a sua fragilidade diante da força esmagadora dos mortos, concluindo de forma melancólica sobre a insignificância da ( e não somente da sua ) vida.

Realizado por um homem no auge de seus 80 anos, um aventureiro, um "bom-vivant", caçador, hedonista, pugilista, mulherengo, beberrão, uma espécie de Hemmingway cinematográfico,  "Os vivos e os mortos" soa uma reflexão acridoce sobre a existência, é - em suma - uma despedida. O testamento cinematográfico de um autor cujos filmes sempre revelaram uma atração pelos derrotados, pelos grandes fracassos, pelos sonhadores frustrados. 

Dono de uma grande e variada filmografia, Huston nunca escondeu seu fascínio pelos out-siders, pelos ambiciosos derrotados, e se há uma unidade em sua diversa filmografia, ela se dá na compreensão filosófica do fracasso como fim único da experiência humana, o que se pode constatar em filmes tão diferentes em estilo como O tesouro de Sierra Madre, Os desajustados, Fat City, Moby Dick, Raízes do céu, O homem que queria ser rei, etc. Huston se definia como um "existencialista" e seus filmes, ainda que muitos possam ser definidos  como ( e são ) fantasia de aventura, inevitavelmente concluem de forma amarga, marcados pela derrota ou pela "meia vitória" , frustrante até, porém inevitável. "Os vivos e os mortos" parece refletir sobre a própria carreira de Huston, por ser um filme de pequenas proporções dentro de uma obra marcada por grandes produções. É um filme de baixo orçamento, com atores basicamente desconhecidos, realizado à margem de Hollywood ( não a toa, ganhou o prêmio de Melhor diretor no renomado Independent Spirit Awards, equivalente ao Oscar do cinema independente americano ). 

É um pequeno grande filme. Simples, comovente, filosófico. Altamente recomendável.

Os vivos e os mortos

O monólogo completo de Gabriel Conroy, aqui numa versão em espanhol... belíssimo.


da série "Grandes diálogos do cinema" (para estudantes de roteiro)


Gabriel Conroy: [voice over] "One by one, we're all becoming shades. Better to pas
s boldly into that other world, in the full glory of some passion,
 than fade and wither dismally with age. How long you locked away in your heart the image of your lover's eyes when he told you he did not wish to live. I've never felt that way myself towards any woman but I know that such a feeling must be love. Think of all those who ever were, back to the start of time. And. me transient as they, flickering out as well into their grey world. Like everything around me, this solid world itself which they reared and lived in, is dwindling and dissolving. Snow is falling. Falling in that lonely churchyard where Michael Furey lies buried. Falling faintly through the universe and faintly falling, like the descent of their last end, upon all the living, and the dead."


parte do monólogo de Gabriel Conroy (Donald McCann ) no filme Os vivos e os mortos ( The Dead ) de John Huston (1987). Roteiro de Tony Huston, a partir do conto de James Joyce.

Quadros que queria ter na parede aqui de casa (13)



"Os noivos", de Gustav Klimt

sábado, 6 de setembro de 2008

Deus e o diabo na terra do rock...


Essa é a sequência final do filme Simão do Deserto, de Buñuel. Um dos melhores filmes do mestre espanhol, e sem dúvida, um dos mais divertidos.  Let´s rock! 

A volta dos que não foram

Depois de um longo período parado, volto a escrever aqui... espero que alguém tenha sentido falta.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

segunda-feira, 28 de abril de 2008

Mais feliz do que pinto no lixo


Se o tricolor roxo Chico Buarque quiser virar a casaca, será muito bem recebido.

É raça! (1)


A voz do povo é a voz de Deus: Obina é melhor do que o Eto'o !

domingo, 27 de abril de 2008

Dicas

Tenho escrito pouco aqui, nos últimos tempos. Não é por falta de assunto, e sim de tempo. Estou meio ocupado, por conta de um projeto no qual estou envolvido. Trata-se do seriado Dicas de um sedutor, novo programa do Luiz Fernando Guimarães, exibido pela TV-Globo, do qual sou um dos roteiristas.

Está sendo uma experiência muito curiosa. Nunca tinha trabalhado na Globo, e meus trabalhos em televisão se resumem a alguns programas que escrevi e dirigi para a Tv-Escola e, como escritor, O Farol, uma minissérie para a saudosa TV-Manchete, no início dos anos 90, e a participação numa novela, Amazônia, da mesma emissora ( e que, de acordo com as más línguas, foi a principal responsável pela falência da Manchete, um pouco depois... ).

Trabalhar em televisão é completamente diferente de escrever pra cinema, por conta da velocidade em que as coisas acontecem. Por mais que a gente escreva os episódios com uma frente bem razoável, a toda hora surge uma mudança, uma novidade, às vezes temos que escrever uma coisa que vai ao ar na véspera, ou, até no mesmo dia em que o programa é exibido. Outra diferença é escrever balizado com a resposta do público, e também com a Espada de Dâmocles do Ibope pendurada em cima da nossa cabeça. Saber quantos pontos o programa rendeu, se em que momento o telespectador deu uma zapeada, se ele voltou ou não a assistir ao programa, acompanhar a evolução do programa, minuto a minuto, é uma experiência fascinante e ao mesmo tempo angustiante.
Haja adrenalina.

domingo, 30 de março de 2008

fotogramas (6)

"in vino veritas".

sábado, 29 de março de 2008

Agravo/Desagravo


Não sou dos maiores fãs do Glauber Rocha. Na época da UFF, quando os alunos se dividiam entre os "glauberianos" e os "nelsistas", eu sempre tive mais afinidades com o cinema cru e realista, mas sempre poético, do Nelson Pereira dos Santos do que com a pletora barroca do baiano. Isso nunca me impediu de reconhecer o talento, a força imagética e a importância de Glauber, como um dos grandes autores de cinema mundial.

Dos seus filmes gosto de Terra em Transe, na minha opinião um dos melhores filmes já realizados em todos os tempos, Deus e o diabo na terra do sol, Dragão da maldade contra o santo guerreiro ( apesar de achar que envelheceu mais rápido que os anteriores ) e do curta Di, pequena obra prima, um grande filme de curta duração. Barravento e Cabezas cortadas têm seus méritos, apesar de não falarem muito ao meu coração . Não gosto muito dos demais e acho mesmo alguns insuportáveis ( Das Leone have sept cabezas e Claro são osso duro de roer... ). Mas mesmo seus filmes menos interessantes ou mesmo desinteressantes possuem elementos que despertam minha curiosidade cinematográfica, tem sempre algo que chama atenção - Glauber é, queiram ou não seus detratores, um dos artistas brasileiros mais importantes e influentes de todos os tempos. Não me enquadro portanto no grupo de "viúvas" do Glauber, que veneram cada fotograma do cineasta como se fosse um relicário sagrado.

Agora, maior que meu apreço pelo Glauber é meu desapreço por essa figura abjeta chamada Marcelo Madureira. Esse sujeito combina desarmoniosamente sua repugnante figura com sua boçalidade. Como humorista, já teve seus tempos de glória e hoje parece marchar inexoravelmente para fazer quadros no Zorra Total - com a diferença que os comediantes daquele programa, Paulo Silvino, Agildo Ribeiro, Lúcio Mauro entre outros, independente do estilo de humor que pratiquem, bons comediantes, enquanto que o "casseta" não passa de sujeito sem graça, medíocre, que pratica o pior tipo de humor, com seus trocadilhos fáceis, seu homofobismo e sexismo, sua escatologia, seu preconceito social e seu reacionarismo político disfarçado em anarquismo. Em suma, no máximo seria um tipo contando piadas de salão no fundo de um bar "pé sujo" não tivesse parasitado o carisma do Bussunda, este sim, um bufão nato ( é só perceber como o Casseta e Planeta decaiu, depois da morte do palhaço gordo).

Mas se como comediante Madureira é sofrível, mais deploráveis são suas intervenções sérias. O "intelequitual" Madureira é um repetidor de factóides, falastrão sem nenhum embasamento ou qualquer idéia original. Chamado para participar de um debate sobre cinema num evento promovido pela revista Piauí ( quem teria sido o gênio que teve a brilhante idéia? ), saiu alardeando velhos preconceitos contra o cinema brasileiro, com uma originalidade de leitor da Veja. Na falta de argumentos com algum conteúdo, partiu para a grosseria, para a provocação, ganhando assim alguma notoriedade: "Glauber Rocha é uma merda", foi a coisa mais relevante que seu raciocínio tatibitate conseguiu elaborar. Lançou o factóide, ganhou algumas páginas no Globo ( jornal onde trabalha, registre-se, afinal é o redator da coluna do Agamenon Mendes Pedreira ) e correu para a galera. Deve estar se sentindo o máximo. Afinal, para um pseudo-artista cuja indigência intelectual só consegue superar a ignorância atávica dos BBBs, deve ser reconfortante ser assunto de discussão na mídia. Uma vez que o Casseta e Planeta não repercute mais como nos tempos do Bussunda, é preciso apelar para chamar um pouco de atenção.

Que Madureira não curta o Glauber e expresse sua opinião sobre o cineasta de forma tão sofisticada, é direito dele. Gosto é uma coisa pessoal, e o Madureira tem direito de gostar ou desgostar do que bem quiser. Me incomodou mais as patranhas que ele proferiu no tal debate da Piauí ( "o cinema brasileiro era uma droga", "cineasta brasileiro é tudo ladrão", frases muito similares àquelas difundidas à época do Collor, Ipojuca Ponte et caterva, quando acabaram com a Embrafilme, causando a maior crise da história do nosso cinema ) do que sua opinião pessoal contra o Glauber. E me incomodou ainda mais que ninguém, absolutamente ninguém na platéia, basicamente composta por estudantes de cinema, cinéfilos, intelectuais, etc, gente "bem nascida" e "bem informada", como suponho serem os leitores da Piauí, tenha manifestado qualquer reação à frase destemperada do Madureira. Me incomoda que o cineasta, perdão, o documentarista ( é ele que faz questão de frisar a diferença, não eu ) João Moreira Salles, ao lado de Madureira na mesa, não tenha tido sequer a gentileza de dizer que a opinião de Madureira não era partilhada por boa parte dos presentes. Me pergunto se a Piauí endossa a opinião do Madureira. Sobre Glauber e sobre o cinema brasileiro, em geral.

Dias depois, artistas e cineastas resolveram fazer um ato de desagravo a Glauber, exibindo Deus e o Diabo na terra do Sol, na reabertura do cineclube da ABI ( antigo templo de vivência cinematográfica nos anos cinzentos da ditadura, e que foi o responsável pela formação de toda uma geração de cinéfilos e cineastas, eu incluído ). Acho que a melhor resposta às provocações do "intelequitual" Madureira é mesmo essa: exibir os bons filmes do Glauber. Haverá os que gostarão, da mesma forma que haverá quem não goste ou, mesmo, quem ache uma merda. Só espero que não passem Claro nem O Leão das Sete Cabeças, porque aí a coisa degringola...

Da minha parte, faço aqui meu desagravo, usando um trecho de Deus e Diabo que considero, junto com a morte da cachorra Baleia em Vidas Secas ( do Nelson ), uma das mais fortes e belas sequencias do cinema novo ( e do cinema brasileiro, como um todo). O beijo entre Corisco e Rosa, com uma Yoná Magalhães linda, novinha e um Othon Bastos exuberante, embalados pela belíssima Bachiana Brasileira #2, de Villa-Lobos. Talvez o mais belo beijo da história do cinema.

quinta-feira, 27 de março de 2008

coisas que eu gosto (de ver) 7:


Vida de cigano, de Emir Kusturica (1989).

Terceiro longa-metragem do diretor ( o primeiro "Quem se lembra de Dolly Bell?" não foi lançado e o segundo, o espetacular Quando papai saiu em viagem de negócios fez muito sucesso aqui, ao ponto de ser "citado" no belo filme de Cao Hamburger, "o ano em que meus pais sairam de férias"), estabelece os elementos dramatúrgicos e estéticos do cinema de Kusturica, a saber, o equilíbrio entre a comédia rasgada e o melodrama, o surrealismo, o kitsch, a extrema musicalidade, o humor negro, o erotismo, a riqueza visual de seus planos, o sentimentalismo, o patético, o lirismo, o fabulismo de suas narrativas, a estranha e harmônica convivência de humanos com animais, as estranhas relações entre pais e filhos, sempre conflituosas e ao mesmo tempo, amorosas ao extremo, o enforcamento ( essa característica é quase um fetiche: em todo filme de Kusturica há uma tentativa bem ou mal sucedida de enforcamento por parte de um de seus personagens ), as festas - geralmente bodas - que se tornam cenários de batalhas, as gags circenses, a índole infantil de seus protagonistas, a celebração da morte.
Algumas dessas características são próprias da cultura eslava, da qual Kusturica, ex-iugoslavo, de origem sérvia, nascido e criado em Sarajevo, na Bósnia, é sem dúvida um dos maiores divulgadores ( tanto em seu trabalho como cineasta, quanto na sua produção como músico, com sua banda The No Smoking Orchestra ).
Há evidentes influências de Buñuel e Fellini em sua obra, da mesma forma que é evidente o seu apreço pelas comédias malucas do cinema mudo, particularmente, de Mack Sennet e mesmo Chaplin, dos primeiros filmes.
Todavia, em Vida de Cigano há uma nítida aproximação com um dos clássicos do neo-realismo, Milagre em Milão ( onde aliás, se passa boa parte da história ), de Vittório de Sica e Zavattini. Há uma grande semelhança entre os mendigos e desafortunados do filme de de Sica e os ciganos de Kusturica. E também um jeito de filmar que desglamouriza cenários, atores, a própria ação, que remete à estética do neorealismo, em particular a Milagre de Milão, que seria (digamos ) uma incursão do neorealismo num ambiente mágico das fábulas.
E se podemos entender Milagre em Milão como uma possível ruptura de de Sica ( e mesmo Zavattini ) aos cânones do neo-realismo, com sua proposta de fábula não-realista, Vida de Cigano é uma ruptura ao tom ainda realista presente em Quando papai saiu de viagem à negócios e um mergulho radical numa narrativa mais mágica, surrealista, onírica, fincada no fabulismo dos contos populares.
É da estrutura dos contos populares que Kusturica vai extrair seus elementos dramatúrgicos, seus personagens, a estrutura moral da história, a musicalidade e a magia da trama. Os rompantes de comédia pastelão e os momentos sentimentais, trágicos, até, do bom melodrama são também frutos dessa absorção do elemento popular que caracteriza as narrativas de Kusturica. Podemos dizer que, em princípio, Vida de Cigano é uma comédia dramática, como igualmente comédias dramáticas são Quando Papai saiu em viagem de negócios, Arizona Dream ( única incursão de Kusturica no cinema americano, com Johnny Deep, Jerry Lewis, Faye Danaway e Lili Taylor, pessoalmente o filme de Kusturica que gosto menos ), Underground e mais declaradamente cômicas Gato Preto, Gato Branco e A vida é um milagre. Digo em princípio porque, à excessão desses dois últimos, poderíamos definir igualmente os filmes de Kusturica como dramas com laivos de humor.
Em geral, as histórias que Kusturica conta parecem mais enredos de dramas: o pai de família que é delatado pela amante desprezada e que é enviado para um campo de trabalhos forçados, na Iugoslávia de Tito ( Quando papai etc ), um grupo de partizans que é se escondem dos nazistas no porão da casa de um compatriota que posteriormente decide mantê-los presos e trabalhando a seu favor, mentindo sobre o término da guerra (Underground ), surgimento de uma máfia que se estabelece no vácuo do fim do regime comunista (Gato preto, gato branco ),a guerra civil que pulverizou a Iugoslávia, despertando ódios étnicos entre sérvios, bósnios, croatas, kosovares ( A vida é um milagre ). Temas que não parecem mais adequados para provocar o riso. Mas da mesma forma que Kusturica faz piada com as tentativas de enforcamento de seus personagens ( a mais dramática ou patética em Quando papai saiu de viagem à negócios, a mais engraçada, sem duvida, a tentativa de Lily Taylor se suicidar com suas meiacalças, em Arizona Dream ), ele consegue extrair humor e poesia destes enredos "pesados". Em Vida de cigano, a miséria e a mercantilização da pobreza, em paralelo com o processo de corrupção do protagonista, é o assunto pesado em que Kusturica vai exercitar sua habilidosa capacidade de provocar risos e emocionar com um lirismo mágico, pungente.
Numa aldeia de ciganos, o jovem Perhan (Davor Dujmovic ) vive com sua avó Khaditza ( Ljubica Adzovic ), sua irmã caçula Danira, que tem um pequeno defeito numa das pernas e o tio fracassado Merdzan. Perhan possui poderes telecinéticos ( é uma espécie de Ury Geller - lembram-se dele? - capaz de mover talheres e outros objetos metálicos ), tem como melhor amigo um peru e é apaixonado pela jovem Azra, mas a família da moça o rejeita por ser pobre. O infortúnio amoroso será motivo para uma tentativa fracassada de suicídio de Perhan por enforcamento. A vida do rapaz muda com a chegada de tio Ahmed (Bora Todorovic ), irmão de Merdzan e ao contrário, rico e bem sucedido. Ahmed fica encantado com os poderes telecinéticos do rapaz e decide levá-lo com ele para a Itália, onde poderá ganhar muito dinheiro. O rapaz recusa-se, pois teria que separar-se da avó, do peru e de Azra ( nesta ordem de afeto ). Num jogo de cartas, Merdzan perde a casa para Ahmed, que propõe trocar a dívida pela tutela dos dois sobrinhos. Diante do problema, Khaditza arma um estratagema: propõe que Perhan siga com o tio para levar a irmã para ser operada, e assim, Perhan e Danira seguem com Ahmed para Milão. Lá descobrem que o tio na verdade é líder de uma gangue de ciganos, envolvido com todo tipo de contravenção, e que não tem escrúpulos em colocar Danira para esmolar nas ruas e forçar Perhan a usar seus poderes em roubos. A vida dos dois irmãos se torna um inferno digno das melhores narrativas de Charles Dickens ( há muito do judeu Fagin de Oliver Twist no inescrupuloso porém divertido Ahmed ). Boa parte desse momento da trama se passa aos pés da bela catedral de Milão ( por sinal, onde se passa também boa parte da ação de Milagre em Milão ).
Após muitos infortúnios e humilhações, a sorte de Perhan muda. Um derrame irá abater Ahmed e tornar Perhan em seu sucessor, no comando da gangue. Corrompido pelo dinheiro, Perhan irá paulatinamente a afastar-se de seus ideais de juventude e enveredar na decadência moral, afastando-se da avó, da irmã e mesmo, repudiando Azra, com quem acaba casando ( agora que fica rico, é plenamente aceito pela família dela ). O jovem Perhan torna-se um homem mau, talvez até mais inescrupuloso que seu tio Ahmed.
Ao final, uma sucessão de incidentes trágicos irão redimir o jovem, que consegue levar sua irmã de volta à aldeia natal. O enredo ( e mesmo o desfecho ) é trágico, mas Kusturica consegue fazer de Vida de cigano um belo ( e muitas vezes hilariante ) poema cinematográfico.
Vejam um belo trecho do filme (escolhi uma sequência em que se apresentam quase ou senão todas as características que enumerei na obra de Kusturica, e claro, por ser um momento belíssimo ):



Há outras cenas notáveis, como o momento em que o jovem Perhan vira homem, ou o comovente reencontro de Perhan con Danira, nas ruas de Milão, e a mágica morte de Azra, quando ela dá a luz ao filho de Perhan ( com direito a outro elemento chave na obra de Kusturica: a levitação como parte do ritual da morte, os moribundos flutuam nos filmes de Kusturica). Com este magnífico filme ("hipnotizante" como define o cartaz norte-americano, que ilustra esta postagem), Kusturica ganhou o prêmio de melhor diretor em Cannes, 89. Creio que é o filme do Kusturica que gosto mais - e minha incerteza se dá porque gosto muito dos filmes dele, mesmo do Arizona Dream, sabidamente o mais fraco (mas ainda assim, um filme bem interessante e divertido).
Minha sugestão é correrem às locadoras e tentarem encontrar uma cópia do filme em VHS, pois até o presente momento não foi lançado em dvd aqui no Brasil.
Não esmoreçam diante das dificuldades ( que antecipo serem muitas). A beleza da narrativa, a riqueza visual, o excelente trabalho dos atores, a belissima trilha sonora de Goran Bregovic, a mescla de drama e comédia, o registro carinhoso mas não complacente do povo cigano, em suma, o talento de Kusturica, sem duvida, um dos mais importantes e interessantes cineastas da atualidade, justifica qualquer trabalho.

sábado, 22 de março de 2008

ver e ouvir (2)

Cenas de Aprile, de Nanni Moretti.

Continuação de Caro Diário, Aprile mostra, entre outras coisas, o dilema do cineasta, dividido entre o dever moral e político de fazer um documentário sobre o momento político italiano do final dos anos 90 ( com a ascensão de Berlusconni ), sério, crítico, contundente, e seu desejo secreto e inconfessável de fazer um filme musical do tipo que se fazia nos anos 50... deste conflito criativo, surge uma síntese que reuniria as duas aparentemente antagônicas propostas: "Il pastelaria trotzkista", um dos filmes dentro do filme de Aprile.

Vendo O Crocodilo, filme mais recente de Moretti, percebe-se que este "conflito" criativo, na verdade, traduz a premissa artística do cineasta: discutir política, com humor e ao mesmo tempo, fazer uma releitura do cinema italiano, num jogo metalinguístico bastante inteligente. Aprile e O Crocodilo, no geral inferiores ao Caro Diário e o Quarto do filho, crescem - e muito - quando vistos em conjunto. Que o aperitivo acima desperte o apetite por este cineasta tão interessante e original.

domingo, 9 de março de 2008

coisas que eu gosto (de ouvir ) 8:

Blood on the tracks, Bob Dylan, 1974.

Aproveitando a passagem de Bob Dylan no Rio, para mais uma "estação" de sua "Never Ending Tour", o jornal O Globo dedicou a capa e a matéria principal do RioShow ao velho bardo. A matéria procura fazer um inventário da carreira de Dylan, ao longo de quase cinco décadas, e, num paralelo ao lançamento do filme Não estou lá, de Todd Haynes, acaba definindo-o como um artista camaleônico, multi-facetado, uma espécie de Fernando Pessoa do rock´n´roll, com suas diferentes vozes poéticas, distintas entre si, e as multiplas "personas" encarnadas pelo músico.

A grosso modo, a matéria divide Dylan em quatro: o Dylan da época do folk rock, com sua gaitinha e violão e as canções de protesto, o pop star do meado dos anos 60, surrealista e empunhando guitarras elétricas, o Dylan irregular dos anos 70 e 80 e finalmente, o artista renascido, aos 66 anos ( 67 em maio próximo ). Bem, a divisão é arbitrária e superficial. Mas para uma revista de programação de fim de semana, com finalidade de divulgação de eventos e não de análise e crítica, digamos que categorizar a carreira de um artista tão importante e profílico como Dylan nestas quatro fases é até passável. O problema é quando o repórter resolve justificar as facetas de Dylan, classificando-as através dos discos lançados nos períodos abarcados em cada fase.

Ora, como todo artista, Dylan tem discos melhores do que outros, uns excepcionais, outros nem tanto, e claro, tem alguns discos sofríveis ( geralmente classificam seus discos da fase "cristã" como horríveis, mas é uma injustiça, afinal, Slow train coming e Shot of Love, a saber o álbum inicial e o final da trilogia cristã são discos muito bons, sendo que o primeiro contém uma das melhores músicas de Dylan de todos os tempos, a pulsante "You´ve gotta serve to somebody" e o último traz a belíssima "Every Grain of Sand", que sem nenhum exagero, podem fazer parte de qualquer boa antologia do músico ). Mas o que me incomodou na matéria foi, ao comentar a fase irregular da carreira de Dylan, ter citado o disco Blood on the tracks como um trabalho irregular, com "poucos belos momentos".

Tudo bem, o repórter pode ter se deixado trair pelo subjetivismo de seu gosto pessoal, mas classificar Blood on the Tracks como irregular é ir na contra-mão da maioria da crítica especializada, que considera este um dos melhores discos de Dylan de todos os tempos - comparado à Bringing It All Back Home, Highway 61 Revisited, Blonde on Blonde, John Wesley Harding, o recente Time Out the Mind e, claro, ao mítico Basement Tapes, álbum duplo que Dylan gravou com o The Band e manteve escondido por quase oito anos e que foi considerado uma lenda durante muito tempo.

Talvez pese contra Blood on the tracks o fato de ser um dos mais tristes e soturnos do artista, registro do fim do casamento de Dylan com sua primeira esposa, Sara Lowdes, e marcado pelo sofrimento, pelo rancor, pela desesperança e pela dor de cotovelo. É um disco denso, sofrido, amargo e amargurado. Afora a alegre quadrilha "Lily and Jack of Hearts", com sua letra quilométrica e brincalhona, as demais canções do disco são reflexões sobre a perda do ser amado. Um disco sobre perdas não é exatamente um disco agradável, porém Blood on the tracks é algo que se escuta da primeira a ultima faixa com prazer. Trata-se de uma pequena obra-prima musical, cheia de nuances, de poesia e com um Dylan inspirado como intérprete.

O disco abre com uma das melhores canções de Dylan, Tangled up Blue, que ele costuma cantar em quase todas as suas apresentações ao vivo, e dá o tom do disco: perda, culpa, solidão, melancolia, alguma auto-ironia. As canções cantam pequenas histórias de ajustes de contas de casais, reencontros frustrados, despedidas, saudades, nostalgia. Há um quê de Tcheckov nas letras e no clima do disco - da mesma forma que o escritor e teatrólogo russo, a dor e a tristeza de Dylan soam de forma acridoce, melancólica. É o tom de Simple Twist of fate, If you see her, say hello ( que aliás foi gravada por Renato Russo numa versão gay, mudando para If you see him, say hello, no disco Tributo a Stonewall, onde o cantor do Legião Urbana presta homenagem ao movimento homossexual ), de You´re a big girl now, Shelter from the storm e you´re gonna make me lonesome when you go ( recentemente regravada pela nova diva da musica cool, a francesinha Madeleine Peyroux, no seu também excelente disco Careless Love ). Esse tom acridoce é rompido pela raivosa e pungente Idiot Wind, uma das melhores ( e maiores, quase 9 minutos de duração ) músicas de Dylan de todos os tempos ( se bem que a melhor versão desta música está registrada num disco ao vivo, Hard Rain, lançado pouco depois. Ao vivo, toda raiva, mágoa e desesperança da letra, amplificada por guitarras elétricas distorcidas, soa inigualável ).



Como todo grande artista, Dylan fala de si e faz com que seus sentimentos mais íntimos ecoem em nossas próprias experiências pessoais. Blood on the Tracks, composto e gravado em meio ao turbulento processo de separação de Dylan e sua esposa, talvez seja um dos seus trabalhos mais confessionais - é o seu sangue que escorre das faixas.

Dolorido, melancólico, triste. Um disco essencial.

domingo, 2 de março de 2008

Shoah palestino

"Quanto mais os ataques com foguetes se intensificarem, maior será o holocausto ("shoah"), porque usaremos o que for necessário para nos defendermos".

Matan Vilnai, vice-ministro da Defesa de Israel, 27/02/2008, anunciando a ofensiva militar na faixa de Gaza, em retaliação aos foguetes disparados por militantes palestinos à cidades israelenses.

Às vezes, uma frase vale mais do que mil imagens.

Mas são os números, ou mais claramente falando, as vítimas, a prova maior de que Vilnai não estaria usando a expressão judaica erroneamente, ou no sentido de dizer "desastre, catástrofe", outros sinônimos de Shoah. Aliás, Matan Vilnai é quase um anagrama: mata e é vil. Seria engraçadinho, não fosse trágico.

O placar do conflito, até agora, mostra a "goleada" israelense...

Vitimas israelenses: 1 morto, 3 feridos.
Vitimas palestinas: 90 mortos, dezenas de feridos.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

ver e ouvir (1)

"Subterranean Homesick Blues", Bob Dylan

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Momento poético em tempos de dureza (6)


Eu não tenho onde morar
É por isso que eu moro na areia

Eu nasci pequenininho
Como todo mundo nasceu
Todo mundo mora direito
Quem mora torto sou eu
Eu não tenho onde morar
É por isso que eu moro na areia

Vivo na beira da praia
Com a sorte que Deus me deu
Maria mora com as outras
Quem paga o quarto sou eu
Eu não tenho onde morar
É por isso que eu moro na areia

Eu não tenho onde morar, de Dorival Caymmi.

A pergunta que não quer calar

Sei que parece pergunta do Xexéu, mas é a grande dúvida nacional:
Que diabo de touquinha é aquela que o Padilha estava usando na premiação de Berlim???

Direita, volver!

A premiação de Tropa de Elite como melhor filme do Festival de Berlim pode significar várias coisas.
A mais óbvia, o reconhecimento das qualidades cinematográficas do filme, coisa que eu nunca neguei.
Que o prêmio é bom pro cinema brasileiro como um todo, também. É importante para resgatar o prestígio do cinema brasileiro, que andava obscurecido em meio à superestimada produção oriental, que há anos vem amealhando prêmios nos grandes festivais internacionais, muitas vezes com filmes de qualidade duvidosa.
Agora, a premiação sinaliza que a orientação ideológica mais alinhada à esquerda ou ao menos liberal, que sempre moveu a sensibilidade artística sofreu um vigoroso revés à direita.
Me parece que agora, no caso de dúvidas diante do discurso ideológico de um filme, opta-se pela direita. Neste sentido é indicativo que o Prêmio Especial do Juri, que nos meios cinematograficos costuma-se chamar de "segundo lugar", tenha ido para o documentário "Standard Operating Procedure", de Errol Morris, crítico às torturas aplicadas por soldados americanos aos prisioneiros iraquianos no presídio Abu Ghraib .
Essa orientação para filmes conservadores ou explicitamente de direita, como o TE, numa disputa com filmes de discurso mais progressista sempre regeu, por exemplo, a premiação do Oscar. Parece que agora orienta também o julgamento de festivais mais politizados.
Feliz mesmo deve estar Goebbels, na sua quentinha toca no quinto dos infernos. Finalmente conseguiu o seu tão desejado "Encouraçado Potenkim" de direita.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

sábado, 9 de fevereiro de 2008

ontem/hoje (final)


O passado é conhecido por todos.





































Essas imagens te chocam?


























O que você pode fazer para impedir que elas se repitam, hoje?








quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

ontem/hoje (8)



Varsóvia, Polônia, 1943.

















Começam as deportações dos judeus para os campos de extermínio.




A violência torna-se intolerável.









Grupos de resistentes iniciam um levante contra os nazistas.

































A luta é desigual e encarniçada.








































































































O levante é debelado e o gueto destruído.































Palestina - hoje.



















































Explode a resistência contra a ocupação.















































A repressão israelense é violenta.


















































































A luta é desigual.
Mas os palestinos resistem.