segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

domingo, 30 de dezembro de 2007

Quem são nossos ídolos? - a lista (1)

Procurei elencar um grupo de roteiristas bem diverso, tanto na origem quanto no estilo, procurando ser o mais abrangente possível. Por outro lado, procurei listar trabalhos que possam ser facilmente consultados, podendo ser encontrados em qualquer locadora decente. Deixo claro que a ordem de apresentação dos roteiristas não obedece nenhuma hierarquia, nem escala de valores, tampouco são listados por ordem cronológica. Na verdade, seguem a forma aleatória pela qual os nomes foram surgindo à minha memória.

E pensando em grandes roteiristas, o primeiro nome que me veio à mente foi Jean-Claude Carrière.

Quase sempre associado ao grande Luis Buñuel, com quem escreveu todos os filmes da fase francesa ( O Discreto Charme da Burguesia, Esse obscuro objeto do desejo, A bela da tarde, Fantasma da Liberdade, entre outros ), Carrière é também dramaturgo, escritor, teórico do roteiro ( seu livro A linguagem secreta do cinema é uma obra indispensável para quem quer entender os processos narrativos de um filme ) e também diretor. É um roteirista bastante requisitado, tendo escrito para alguns dos maiores cineastas em atividade na atualidade.

Entre seus principais trabalhos, destaco O Tambor e Um Amor de Swann, ambos de Volker Schlöndorf, Salve-se quem puder - a vida, de Gordard ( sim, ele mesmo, até o mais autoral dos cineastas autorais se vale da ajuda de um roteirista profissional ), Danton, de Andrej Wadja, A insustentável leveza do ser, de Philip Kaufman, Cyrano de Bergerac, de Jean-Paul Rappeneau, Valmont e Os fantasmas de Goya, de Milos Forman, O Mahabharata, de Peter Brook.


O segundo nome que me veio à mente foi o italiano Tonino Guerra. Parceiro mais do que constante de Antonionni, com quem escreveu filmes como A noite, A Aventura, O Eclipse, Deserto Vermelho, Blow-Up, Zabrisky Point, entre outros, Guerra também trabalhou com Fellini, sendo roteirista de Amacord, La Nave Va, Ginger e Fred e A Entrevista. É roteirista frequente dos Irmãos Tavianni, com os quais fez A Noite de São Lourenço, Good Morning Babilônia, Noites sem sol, Kaos. Para Francesco Rosi, escreveu Crônica de uma morte anunciada, baseado em Garcia Marques e A trégua, baseado no relato de Primo Levi. Trabalhou ainda com o grego Theo Angeopoulos ( Paisagem na Neblina )e com o russo Tarkovsky ( Nostalgia ). Tonino Guerra é também escritor e poeta ( o que talvez explique sua parceria com diversos cineastas poetas ).


O terceiro nome que me lembrei foi Charles Brackett. Na verdade, o nome que me veio à mente foi de Billy Wilder. O grande diretor também era roteirista, e entendia como poucos do riscado. Wilder sempre trabalhou com grandes parceiros. Brackett foi um deles.


Aliás, Brackett já era parceiro de Wilder, antes dele virar diretor. Juntos escreveram grandes sucessos como Ninotchka, de Ernst Lubitsch e Bola de Fogo, de Howard Hawks, trabalhos que pavimentaram a carreira de Wilder como diretor.

Para e com Wilder, Brackett escreveu clássicos como Cinco covas do Cairo, Farrapo Humano e, claro, Crepúsculo dos Deuses.

Bracket é roteirista também do clássico "waltdisneyano" Viagem ao Centro da Terra e de Paixões em Fúria, de Henry Hattaway.



Outro grande parceiro de Wilder foi I.A.L. Diamond, com quem manteve uma produtiva parceria por mais de 20 anos.

Diamond escreveu algumas das melhores comédias de Wilder como Quanto Mais quente Melhor, Se meu apartamento falasse ( com o qual ganhou o Oscar de melhor roteiro), A primeira página, Irma la Douce - todas estreladas por Jack Lemmon -, A vida íntima de Sherlock Holmes e também o subestimado e pouco conhecido Fédora, um dos últimos filmes de Wilder ( e talvez um de seus poucos fracassos ).



Falando em Wilder e no divertido A primeira página, o nome que imediatamente vem à tona é de Ben Hetch, que vem ser o autor da peça que inspirou o filme. Na verdade, a comédia de Wilder é a terceira ou quarta versão da peça de Hetch, que antes foi filmado por Howard Hawks como Núpcias de Escândalo ( com uma diferença fundamental - na peça e no filme de Wilder, os protagonistas são dois homens, enquanto a versão de Hawks transforma um dos protagonistas em mulher e o filme em comédia romântica ).


Hetch escreveu vários filmes de Hawks, sendo o que mais se destaca é Scarface, a vergonha de uma nação.

Hetch também escreveu para Hitchcock, sendo roteirista de Correspondente Estrangeiro, Notorious, Quando Fala o coração e Festim Diabólico.

É roteirista também de Gilda , de Charles Vidor, O Morro dos ventos uivantes ( de Willian Wyller, tendo como parceiro John Huston ) e Adeus às armas, de King Vidor.


(continua... )

sábado, 29 de dezembro de 2007

Quem são nossos ídolos?

Quase no finzinho das aulas na Darcy, meu aluno Renato perguntou:


"- Quem são os ídolos de um roteirista? Os alunos de direção geralmente têm seus cineastas prediletos, são fãs de Bergman, de Buñuel, do Glauber, de Woody Allen, do Godard, do Orson Welles, do Tarantino, etc. Um roteirista ou um aspirante à roteirista também tem seus ídolos?"

Renato é um bom aluno, pernambucano sério, dedicado, mas a primeira coisa que me passou pela cabeça foi "aluno de roteiro tem cada uma, isso é pergunta que se faça..." Depois, pensei em responder, parafraseando Bretch: "infeliz do roteirista que precisa de ídolos". Mas acabei ponderando que a pergunta do Renato merecia uma resposta mais concreta ( e menos pedante ).


Admiramos e mesmo emulamos esses e outros cineastas por conta de sua obra, dos filmes que realizaram. E ainda que um filme seja uma obra criada pelo somatório de diversos talentos, em última instância, é o diretor o maior responsável por ela, é o seu autor. Claro que meu raciocínio está completamente alinhado com a teoria do autor (o que talvez me crie problemas com meus colegas roteiristas). Para o bem e para o mal, o filme é a expressão artística do seu diretor. Daí admirarmos a obra de um Buñuel, de um Fellini, do John Huston, do Nelson Pereira dos Santos, do Ruy Guerra, pois seus filmes são a expressão de seu talento e sua personalidade.


Mas sabemos que os filmes são obras coletivas.


E que os filmes de Bergman são excelentes, além de seu gênio criador incomparável, mas também pela fotografia de Sven Nykvist, pelas atuações de atores soberbos como Max von Sydow, de Liv Ulmman, de Erland Josephson, de Harriet Anderson, de Ingrid Thulin, de Bibi Anderson, entre outros. No caso de Bergman ( e no da maioria dos cineastas citados anteriormente ), ele também é o autor do roteiro de seus filmes, o que torna a sua obra ainda mais pessoal.

Alguns dos maiores cineastas são autores dos seus roteiros. Por outro lado, alguns cineastas também são roteiristas. Esssa é uma diferença fundamental.

Entendo que, antes de mais nada, escrever roteiros é um trabalho. O diretor que escreve, escreve para si. Escrever faz parte do seu processo de criação como diretor.

O roteirista é aquele que escreve filmes para terceiros: sejam diretores ou produtores.


John Huston por exemplo, foi roteirista antes de virar diretor, tendo escrito roteiros de filmes como Jezebel ( de Willian Wyler), Sargento York (de Howard Hawks) , Seu último refúgio, Os assassinos, O Estranho ( para seu amigo Orson Welles).

Escreveu boa parte ou pelo menos a maioria dos roteiros de seus filmes. Mas não de todos. Nem por isso, os filmes em que contratou um roteirista para escrever para ele ( ou com ele ) são menos pessoais e autorais.


Martin Scorsese nunca escreveu um roteiro. Já Coppola era roteirista antes de tornar-se diretor ( ganhou o Oscar de melhor roteiro com Patton, que foi dirigido por Franklin Schaffner), da mesma forma que Billy Wilder, Oliver Stone, o nosso Jorge Durán aqui no Brasil. E há também caso de roteiristas que dirigiram filmes, como Dalton Trumbo, bons filmes, inclusive, sem nunca terem deixado de ser roteiristas.

Outra coisa importante a ser considerada. Da mesma forma que o filme, o roteiro também é uma obra coletiva. Muitos dos melhores roteiros foram escritos por dois, três autores, às vezes por uma equipe inteira. E isso não se aplica apenas a filmes chamados "comerciais". Crime delicado, filme de Beto Brant, uma obra extremamente autoral, foi escrito por quase um time de futebol de salão. Roteiristas de diferentes personalidades e estilos as vezes colaboram num mesmo roteiro, e nem por isso ele perde a sua unidade, a sua força dramatúrgica, o seu papel no filme.

Então, antes de elegermos ídolos a quem reverenciar, o importante é ter alguns roteiristas como referências para cotejar seu trabalho, de forma a nos ajudar a escrever melhor. Apresento aqui uma lista de roteiristas notáveis. São artistas de diferentes épocas, origens e estilos, cujo trabalho deve ser fruto de estudo e análise, nunca de cópia.

Ah, Renato, é uma lista pra calar a boca de qualquer aluno de direção esnobe, hehehe...


(continua)

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Momento poético em tempos de dureza (4)





"As I was out walking on a corner one day,
I spied an old hobo, in a doorway he lay.
His face was all grounded in the cold sidewalk floor
And I guess he'd been there for the whole night or more.
Only a hobo, but one more is gone
Leavin' nobody to sing his sad song
Leavin' nobody to carry him home
Only a hobo, but one more is gone


A blanket of newspaper covered his head,
As the curb was his pillow, the street was his bed.
One look at his face showed the hard road he'd come
And a fistful of coins showed the money he bummed.
Only a hobo, but one more is gone
Leavin' nobody to sing his sad song
Leavin' nobody to carry him home
Only a hobo, but one more is gone

Does it take much of a man to see his whole life go down,
To look up on the world from a hole in the ground,
To wait for your future like a horse that's gone lame,
To lie in the gutter and die with no name?
Only a hobo, but one more is gone
Leavin' nobody to sing his sad song
Leavin' nobody to carry him home
Only a hobo, but one more is gone"


Only a Hobo, de Bob Dylan

quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

momento gastronômico (2)


Bacalhau Natalino

Já que não dá pra me teletransportar pra Marte, nem manter a pose blasé em relação às festas de fim de ano, o jeito é tentar entrar no clima da forma menos pusilânime possível. E como a única coisa que resta em meio ao bimbalhar dos sinos natalinos e ao espocar dos fogos de artifício do Reveillon é comer bem, é sempre bom ter uma coisinha gostosa para fazer. De preferência, algo que seja bastante farto para alimentar os amigos que sempre vem filar a bóia aqui em casa.

Minha peça de resistência é uma espécie de bacalhau ao Zé do Pipo, que os amigos já apelidaram de "bacalhau ao Zé do Pepê". Apesar de achar gostoso, o Bacalhau ao Zé do Pipo sempre me pareceu um prato meio óbvio. Acho que todo mundo faz. Pensou em bacalhau, lá vem o manjado Zé do Pipo. Por isso, procurei adaptar esse prato, que é razoávelmente fácil de se fazer ( talvez por isso todo mundo acabe fazendo ), de forma a tornar o clichê culinário natalino a meu favor.

Aliás, saber usar um bom clichê é algo que aprendi a fazer, no meu dia-a-dia de roteirista. Nunca tive preconceitos com os clichês. É preciso entender que antes de virar clichê, a idéia original deve ter sido muito boa, tanto que passou a ser usada abusiva e repetidamente, até perder sua originalidade anterior e cair na vala comum das soluções fáceis. Como a famosa elipse da cena de sexo, no cinema, o casal se beijando, deitando na cama com desejo e a câmera corrigindo lentamente para uma lareira que crepita. Fusão para a mesma lareira, na qual agora só há cinzas e uma nova correção da câmera enquadra novamente o casal, agora devidamente deitados, nús sob as cobertas, fumando seu indefectível cigarrinho pós-coito. Há de convir que essa solução para driblar a censura da época é genial - por trabalhar com a cumplicidade do espectador, que completava a cena do jeito que achasse mais interessante. Pena que o gênio anônimo que bolou essa elipse foi tão copiado que hoje só dá pra utilizar a famosa "correção de cama pra lareira" de forma cômica, paródica.

Mas se olharmos sem preconceito e com criatividade, vamos perceber que por baixo do óbvio há coisas muito boas para serem devidamente aproveitadas. As pessoas geralmente torcem o nariz para o que aparentemente soa como óbvio, sem entender que é possível subverter o clichê, quebrando a expectativa do público. Pelo menos é o que eu tento fazer, nos meus roteiros. E que faço em relação ao bacalhau.

Contando com a espectativa que o bacalhau cria, uso a base do Zé do Pipo e surpreendo a todos com um bacalhau gratinado que aparentemente parece o Zé do Pipo, mas que é bem diferente e na minha opinião, muito mais saboroso.

Já estão salivando? Bem, vamos à receita. É bem simples, não tem como errar.

Os ingredientes:


Dependendo da quantidade de pessoas, o ideal é um quilo e meio de bacalhau. Se preferir, e se estiver com bala na agulha, compre logo apenas o lombo do bacalhau, que é na verdade a parte que vale a pena comer.

Cebola e alho, em grande quantidade. As cebolas devem ser cortadas de duas formas: picadas pra refogar o bacalhau e em rodelas, para depois ir montando o prato. Então, não economize na cebola.

Batatas... meio quilo das grandes.

Creme de leite... dependendo da quantidade de bacalhau ( pensando no quilo e meio), umas 4 latas.

Pimenta do reino

Queijo ralado

Sal.

Azeite, muito azeite. E de preferência, extra virgem.


Primeiramente, deixe o bacalhau cortado de molho em água fria por 24 horas, trocando a água de tres em tres horas. Depois cozinhe por 20, 30 minutos. Desfie o bacalhau ( cuidado com as espinhas! ) e separe.

Corte e cozinhe batatas em rodelas mais ou menos compridas e finas.

Doure a cebola e o alho picado em azeite e coloque o bacalhau desfiado para refogar. Tempere com pimenta e algum sal ( é bom provar o bacalhau antes de refogar pra saber se ele ficou pouco ou suficientemente salgado, após as de 24 horas molho. Dependendo, coloque a quantidade de sal que seu paladar aprovar, com devido cuidado, pois se tem uma coisa ruim é bacalhau sem sal, mas pior ainda é bacalhau excessivamente salgado ).

Refogado o bacalhau e cozida as batatas, vamos armar o prato.


Pegue uma travessa que vá ao forno e despeje uma boa quantidade de azeite. Coloque uma camada de batatas, fazendo uma "cama". Depois coloque uma porção de bacalhau desfiado sobre essa "cama" de batatas. Coloque rodelas de cebola sobre o bacalhau, azeite e despeje uma lata de creme de leite. Feito isso, arme uma nova camada de batatas, mais bacalhau, cebolas, etc. Repita o processo até atingir a borda do refratável. Não esqueça de colocar azeite a cada camada. Polvilhe com queijo ralado e leve ao forno para gratinar. Estado o forno razoavelmente aquecido, o bacalhau gratina em 20, 25 minutos.


Um quilo e meio de bacalhau geralmente dá pra fazer uma travessa grande e uma pequena. O que é bom, pois enquanto seus amigos estão se deliciando com a primeira fornada, dá tempo suficiente de gratinar a segunda travessa, e quando todos pensam que o bacalhau acabou, eis que vc surge da cozinha com um repeteco.
É servir e correr pra pros aplausos.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

coisas que eu gosto (de ver ) 5 - Especial de Natal



Johnny vai à guerra, de Dalton Trumbo, 1971.



Já que estamos nesse lufa-lufa de Natal, pensei em comentar este filme, que tem tudo a ver com "o espírito natalino". Único filme do grande roteirista americano Dalton Trumbo ( só clássicos, como Spartacus, Pappillon, The Fixer, A Guy named Joe- refilmado por Spielberg como Além da Eternidade-, Exôdus, O último pôr do sol, A princesa e o plebeu, etc ), ganhador de 2 oscars como roteirista ( que, entretanto, foi impedido de receber ), baseado em seu romance, de mesmo nome.

Trumbo foi uma das vítimas do macartismo, tendo sido proibido de trabalhar no cinema, isso quando estava no auge da sua carreira como roteirista. Ele foi um dos "dez de Hollywood", cineastas que, ao serem confrontados pela sanha anti-comunista oportunista do medíocre senador Eugene McCarty, alegando a 1a Emenda da constituição americana, se recusaram a testemunhar no Comissão de assuntos anti-americanos - uma espécie de CPI do mensalão local, formada por uma laia que muito se assemelha à turba de tucanos, pefelistas e heloísas helenas assanhados travestidos de moralistas e patriotas, mas que buscavam apenas aparecer na tv e angariar votos ( tal como cá ). Testemunhar na CPI, digo, na comissão era um eufemismo para delatar possiveis comunistas ou simpatizantes. Muitos fizeram isso. O grande cineasta Elia Kazan, entre eles. Para salvar a pele, muitos entregavam qualquer um. Havia até uma lista com os nomes manjados que a comissão oferecia aos depoentes. O que importava era, como em qualquer processo inquisitório, que as vítimas capitulassem, e abdicassem de sua dignidade através do processo mais torpe: a delação, a traição. Nada mais prazeroso ao algoz do que transformar suas vítimas em algozes de novas vítimas. É a legitimação da opressão.


Os "dez de Hollywood" se recusaram a fazer qualquer delação e caíram em desgraça. Foram presos, depois colocados na "lista negra", proibidos de trabalhar em qualquer atividade da indústria cinematográfica.

Abrindo um parenteses: Junto com Trumbo estava John Howard Lawson, também roteirista e, pelo que penso, talvez o único que fosse realmente comunista no grupo. Lawson era ativista dos direitos civis, foi criador e presidente da WGA ( Writers Guild of America, o sindicato dos roteiristas, o mesmo que hoje está deixando os executivos de Hollywood de cabelos em pé, com essa greve histórica que já dura tres meses... ), escreveu o roteiro de "Bloqueio", um filme que defendia os republicanos espanhóis contra as forças fascistas de Franco, visitou a antiga União Soviética diversas vezes, era sem dúvida um militante de esquerda. Lawson terminaria sua vida dando aulas, escrevendo um excelente livro sobre dramaturgia chamado O processo da criação cinematográfica, que recomendo a quem quiser entender um pouco de roteiro e de direção. Os demais, como Trumbo, eram apenas humanistas, progressistas, coisa que na América equivale a ser "vermelho". Ainda mais nos anos cinzentos da guerra fria. Ou, nos dias atuais, da doutrina Bush.

Seja como for, comunistas, esquerdistas, ou apenas simpatizantes, eles foram severamente punidos e perseguidos. Para poderem sobreviver, já que estavam na lista negra, e nenhum estúdio lhes dava trabalho, foram obrigados a escrever sob pseudônimos, ou, mesmo arrumar "testas de ferro" que assinassem seus trabalhos. Há um belo filme de Martin Ritt, Testa de Ferro por acaso, com Woody Allen, que retrata de forma pungente essa página vergonhosa da história americana recente.

Trumbo passou anos escrevendo com pseudônimos ou através de amigos que lhe emprestavam o nome. Os dois Oscars que recebeu foram entregues aos seus testas-de-ferro, só sendo devidamente creditado como o verdadeiro premiado e recebido as estatuetas carecas nos anos setenta ( só um, o outro lhe foi "entregue" postumamente, pois morreu em 1976).



Sua reabilitação se deve em muito a Kirk Douglas, que bancou toda sua reputação de grande ator para incluir o nome de Trumbo nos créditos de roteiro de Spartacus.


Trumbo escreveu o romance Johnny got his gun em 1938, já prevendo os horrores da 2a guerra mundial que se aproximava. O romance, como o filme, conta a história de um jovem idealista que se alista para lutar no exército americano durante a primeira guerra mundial. Atingido por uma bomba, perde os braços, as pernas, tem o rosto destruído, ficando cego, surdo e mudo. Todo o romance se passa na mente de Johnny que, apesar de tudo, se mantém intacta e ativa. A narrativa é mesclada pelas sensações vividas pelo "pedaço de carne viva" e seus sonhos, lembranças, devaneios, que se misturam à realidade de tal forma, que aos poucos, vamos perdendo a noção do que é real ou imaginário. Levando em conta a capacidade inesgotável de fazer o mal do ser humano, com suas armas, suas guerras, com a frieza dos cientistas, o oportunismo dos políticos, a mentalidade tacanha e autoritária dos militares, a ganância desenfreada dos capitalistas ( os únicos que ganham com as guerras, seja qual forem elas ), qualquer pesadelo parece insignificante diante da realidade. Neste sentido, o livro tem uma perspectiva de humor negro, apropriada para quem deseja denunciar a hipocrisia dos sentimentos patrióticos. Totalmente despojado de qualquer membro ou sentido que o faça interagir com os outros homens, aquele "pedaço de carne viva" é o único ser humano em toda a história.

Trumbo sempre quis transformar seu livro num filme, apesar de a princípio, a história oferecer pouca ou quase nenhuma perspectiva cinematográfica - pelo menos, para um filme narrativo.

Diversas vezes provoquei meus alunos nas aulas de roteiro, oferecendo este desafio: como fazer um filme onde o personagem não fala, não vê, não escuta, não tem rosto, não tem braços, nem pernas ( porém, tem sexo - isso é um detalhe fundamental. "Quando sentem a aproximação de uma bomba, instintivamente os soldados se colocam em posição fetal, protegendo seu sexo¨, diz um dos médicos-militares que "cuida" de Johnny ). Diante dessa provocação, a maioria dos alunos acaba desistindo do desafio, por considerá-lo insolúvel. Ao que eu respondo: mas ele pode pensar. E o pensamento é talvez a matéria mais cinematográfica existente.


E é assim que Trumbo consegue fazer sua narrativa fluir - através de dois planos, a realidade, onde um cotoco humano coberto por uma tenda deitado numa padiola num quarto vazio e escuro, imagem apavorante, e o imaginário, o mundo interior de Johnny. Através da representação dos pensamentos, sonhos, delírios do rapaz deformado, o filme respira, se realiza plenamente.

Trumbo penou para realizar o filme. Primeiro, pelas questões referentes à lista negra. Depois, pela aparente inviabilidade do projeto. Nenhum estúdio quis arriscar um centavo num filme no qual 50% ou mais da história se passava num quarto escuro, onde um "pedaço de carne viva" tecia comentários em voice-over. Trumbo resolveu ele próprio produzir o filme, usando seus proprios recursos. Num primeiro instante, pensou em entregar o projeto a Buñuel. Se havia alguém capaz de contar aquela história, esse alguém era Buñuel. Porém, problemas de orçamento e cronograma impediram o gênio espanhol de fazer o filme. Buñuel aconselhou Trumbo a dirigir ele mesmo o filme.

O filme é mais soturno que o romance, ainda que, aqui e ali, haja espaço para algum humor - nigérrimo. O tom mais pesado e totalmente pessimista deve-se ao fato de que muita água - e principalmente, muito sangue - correu, desde que ele escrevera o romance, até o momento em que conseguiu levá-lo às telas. Se as atrocidades vivenciadas por Trumbo na primeira guerra mundial forneceram horror suficiente para escrever seu romance, ele agora tinha não somente as experiências da 2a guerra mundial, muito mais cruenta e violenta que a primeira, bem como todo o processo de desumanização vivido pelo mundo, com a revelação dos horrores nazistas, dos campos de concentração, da bomba atômica, da descoberta do terror stalinista ( que foi uma ducha de água fria para aqueles que, como Trumbo, acreditavam num "outro lado" diferente e oposto ao mundo ocidental e capitalista ), a perseguição macartista, a guerra fria e, mais diretamente, à guerra do Vietnã, em pleno curso quando Trumbo finalmente consegue viabilizar o filme.

Estéticamente, o filme é dividido em dois planos, realidade e sonho. As cenas do "cotoco humano" são primorosas, filmadas em preto e branco com tons expressionistas ( a cena que abre o filme, com os médicos filmados de baixo pra cima, numa grande angular, eles usando máscaras de cirurgia, num preto e branco totalmente contrastado parece saída de um filme de Robert Wiene ou Lang, do cinema expressionista alemão, é impressionante ). Já as cenas "mentais" de Johnny, suas lembranças, seus sonhos, são todas num colorido que começa em tons pastéis e vai acumulando cores, num tom mais surrealista. Não só a fotografia cria a aura onírica, mas a própria interpretação, progressivamente rompendo com o realismo, e o espetacular uso do som, sempre exagerado, com pontuações que muitas vezes seguem o sentido dramático oposto ao da cena. O silvo da bomba que irá atingir Johnny é usado repetidamente, criando uma sensação incômoda - é através da aproximação da bomba que a ação retorna à realidade.

A narrativa aposta na perda progressiva da sensação de realidade, e aos poucos perdemos a noção do que é lembrança, do que é sonho, do que é delírio, os elementos vão se misturando de tal forma que o que vemos é muitas vezes confuso, estranho, perturbador.

Num dos sonhos, Johnny encontra-se com Jesus, interpretado de forma extraordinária por Donald Shuterland, não à toa, um dos atores mais identificados com a contra-cultura naquele momento. Recém saído do anarquico M.A.S.H., de Altman, Shuterland faz um Cristo cínico, engraçado, demasiadamente humano. Um Cristo que, impotente diante da desumanidade dos homens, aceita seu papel de "coveiro" da humanidade. Há uma cena muito boa, em que Jesus e Johnny discutem os limites de deus, diante das ações dos homens ( foram os homens que fizeram Johnny ser o que é ), na oficina de carpintaria de Cristo. O trabalho de Jesus é justamente fazer as cruzes que irão enfeitar os cemitérios.

Neste sentido, há um evidente sentimento de cristandade perdida e ressentida no filme. O filme usa e abusa de elementos cristãos, além do próprio Cristo, para mostrar a inviabilidade da proposta cristã ( estendendo-se aí para qualquer outra religião ) em resolver os problemas do mundo. É impossível acreditar em Deus neste mundo. Lembrando a famosa frase de Dostoiévski em "Irmãos Karamazov", "se deus não existe, tudo é permitido", Trumbo parece afirmar, não sem tristeza ou desencanto, que a impossibilidade da existência divina levou o homem a uma permissividade sem limites em relação à sua própria humanidade. "Tudo é permitido": o horror, o horror, como anos depois balbuciaria Marlon Brando, em "Apocalipse Now"(sobre esse filme falarei depois).

(atenção: a partir daqui falo sobre o desfecho do filme. Quem preferir ver o filme antes de saber como ele termina, é bom parar por aqui. )

Ao final, desiludido, Johnny, que consegue finalmente se comunicar com os demais, através de código morse ( batendo a cabeça contra a cabeceira da cama, repetidamente, a frase S.O.S ), pede para ser exibido num show de circo de horrores, pois seria a unica forma de poder conviver com os demais mortais. Diante da recusa ( algo jocosa ) dos médicos e militares, Johnny pede para ser morto. É o climax do filme, que o projeta à condição das obras-primas: os militares recusam a matar o doente, afinal, seria um crime. Há um diálogo esplendoroso entre o general e o capelão, que assistem aos pedidos de Johnny pela morte. O general cobra do padre que diga alguma coisa "confortadora" que faça o "pedaço de carne viva" desistir de sua vontade de morrer. E o padre retruca que não é capaz de pensar nada reconfortante, diante da desgraça que aflige o pobre Johnny. O general, irritado, diz que o trabalho dos padres é esse, reconfortar os desesperados. Ao que o capelão responde: "foi o seu trabalho que fez ele ficar assim, não o meu."

Belo diálogo.
Ao final, um soco no estômago que derruba até o mais insensível dos homens: o que parecia ser uma redenção ( o fato de Johnny conseguir se comunicar com os demais, e finalmente conseguir se socializar, provar que está vivo ), revela-se o pior dos pesadelos. Johnny não quer viver, mas os militares não o deixam morrer. É sedado, mantido confinado em seu quarto, sabe-se lá por quanto tempo mais. É condenado à vida, àquela vida vegetativa, pois os mesmos generais que massacram milhares de homens nas guerras hipocritamente são contrários à eutanásia - cabe somente a deus tirar a vida.

O final do filme é doloroso ao extremo. Sozinho em seu quarto (prisão), dopado, incomunicável, Johnny repete exaustivamente a mensagem de S.O.S, batendo sua cabeça contra a cama, sem obter resposta ou socorro. É um plano longo, um zoom-out, vamos nos afastando daquele pedaço de homem que está condenado a viver, por muitos e muitos anos ( afinal, Johnny é apenas um jovem de 20 poucos anos, e afora não ter braços, pernas, olhos, boca, rosto, ironia das ironias, goza de excelente saúde ). A imagem vai escurecendo lentamante, enquanto escutamos a batida solene de um tambor, um surdo, marcando o compasso do luto. Arrepiante.

O filme não é perfeito. Há algumas irregularidades, principalmente nas cenas surrealistas. Algumas são bem fracas, e apelam para um efeito fotográfico meio ultrapassado, que é o uso do filtro "flood", para criar uma aura de evanescência. Trumbo usa esse efeito em duas cenas: numa em que mostra uma missa, onde o padre diz que "deus está do nosso lado", abençoando os soldados que irão morrer pela pátria e numa outra, na festa de Natal na padaria onde Johnny trabalhava antes de se alistar. Essa cena, aliás, é a mais excessiva do filme, no sentido de concentrar quase todos os elementos de "exagero" típico de "cenas de sonho". Além do filtro flood, há marcas excessivamente teatrais, como a do dono da padaria que, paramentado como um estereótipo do capitalista, faz o brinde que une a todos, patrão e empregados, pátria e jovens que irão entregar suas vidas numa guerra sem sentido nem retorno, repetindo, ad nausean, ao longo da cena, a frase: "I´m a boss, this is a champagne, Merry Christmas".

Particularmente, é o momento menos feliz do filme, que ademais, mereceu de Buñuel a seguinte crítica: "um filme sensível e tocante, que se ressente de alguns sonhos filmados de forma muito burocrática". A crítica de Buñuel é pertinente.

Mas é na parte "real" (ou, a do pesadelo? ) que o filme logra melhores resultados.

Não à toa, ganhou o Prêmio Especial do Festival de Cannes, em 1971, mais o prêmio FIPRESCI.

O filme conta com um elenco afiado: Timothy Bottons interpreta Johnny, Jason Robards faz seu pai ( que ator magistral é Robards, ele se impõe em todas as cenas que aparece), o já citado Shuterland interpreta o divertido e cético Cristo. Além destes, há uma série de bons atores coadjuvantes, com particular destaque à Sandy Wyeth, que faz a prostituta ruiva Lucky ( Sandy era uma beldade nos anos 70, tendo filmado Easy Ryder ). O próprio Trumbo atua no filme, justamente na desastrosa cena do "i´m a boss, this a champagne, Merry Christmas", no papel do capitalista empostado ( a informação é do IMDB, geralmente é confiável ).

Taí uma bela forma de curtir a tarde sonolenta de 25 de dezembro, regurgitando o peru da véspera e de ressaca pelo vinho da ceia. Reúna toda a família e passe Johnny vai à guerra. Vai ser uma experiência inesquecível. Um filme propício para esse momento de confraternização, de solidariedade, de caridade, de respeito, amor e paz entre os homens de boa vontade.

Mas recomendo um anti-ácido àqueles que tenham a sensibilidade ainda não totalmente obliterada.

domingo, 23 de dezembro de 2007

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

coisas que eu gosto ( de ouvir) 6:



The Birds, vários.

Tenho que confessar que nunca fui muito fã dos Beatles. Sempre achei meio bonitinho demais, gracinha demais, legalzinho demais. Claro que eles tem coisas boas, o disco Revolver e o Álbum Branco são muito bons. Mas ainda que sempre rolem bem no toca-discos (ops! ) ou nas festinhas, não é exatamente o que curto em música (pop? nunca soube se os beatles eram uma banda de rock´n´roll ). No mais, prefiro os discos solos dos ex-integrantes dos Beatles, particularmente do trabalho do George Harrinson.

Pra mim, a melhor banda dos anos 60 sempre foi e será The Byrds. Curiosamente, é uma banda que no começo procurava emular "à moda americana" o som dos ditos FabFour. Mas isso não é uma particularidade apenas dos Byrds, a maior parte das bandas surgidas na primeira metade dos anos 60 tentavam pegar carona no sucesso e no estilo melódico dos Beatles - a exceção ou a contrafação seria os Rolling Stones, que não estavam nem aí pra música de seus compatriotas. Mas havia um diferencial nos Byrds. Musicalmente, havia Roger McGuinn, um dos maiores guitarristas americanos com seus "riffs" ao mesmo tempo estridentes e melódicos, muito melhores que os solinhos do George Harrison e muito mais presentes nas canções, ao contrário do pobre Harrison, que era literalmente "abafado" pela dupla Lennon&McCartney.

E depois, havia Dylan.

Durante muito tempo os Byrds foram a melhor tradução de Dylan, de quem gravaram inúmeras canções, em versões musicalmente mais sofisticadas ( à época, Dylan ainda estava naquela fase joãogilbertiana de banquinho e violão e gaitinha ). Em boa parte, a popularidade inicial de Dylan se deve em muito às versões que os Byrds gravaram de suas músicas.

Os Byrds transitaram para o rock mais lisérgico, mais psicodélico e mais sofisticado muito antes do lançamento do Sargent Pepper´s. Fifth Dimension, Eight Miles High, entre outras, aconteceram antes de Lucy in the Sky with diamonds - e musicalmente, são muito mais elaboradas.

Muitos músicos passaram pelos Byrds, ao longo de suas várias formações ( sempre com McGuinn no comando ), o que contribuiu para que os Byrds soassem um pouco diferentes, a cada disco, sem perder sua identidade musical. E como havia um revezamento entre os vocalistas, maior do que o "par-ou-impar" entre Lennon e McCartney, havia uma maior diversidade musical, por conta dos timbres tão diferentes como os de David Crosby, Gene Clark, Chris Hillman e do próprio Roger McGuinn.

No clip abaixo, os Byrds na sua formação clássica canta uma de suas mais belas canções, "Going Back"

Outra coisa que me faz gostar muito dos Byrds. A participação da banda na trilha sonora de Easy Rider, de Dennis Hopper. Posso estar forçando a barra mas, bem, é minha opinão, penso que uma boa parte do impacto de Sem Destino reside na força poética e melódica das canções do Byrds que pontuam a narrativa do filme, como por exemplo a melancólica The Ballad of Easy Rider e a rascante It´s alright, Ma ( I´m only bleeding ) - esta de Dylan.

Das muitas versões que os Byrds fizeram para Dylan gosto especialmente de, além da já citada It´s Alright, Ma, Heels on Fire, My Back pages, You ain´t going nowhere, Chimes of Freedom, Lady Down Your Weary Tune, All I really want to do e Positively 4th street mas não me agrada a versão de Lay Lady Lay tampouco a de Mr. Tambourine Man ( que aliás, foi regravada pelo Zé Ramalho e os The Fevers, sim, eles mesmo, a maior "banda cover de todo mundo" do Brasil, com imitação perfeita dos riffs de guitarra de McGuinn ).

Para quem desconhece o som desta banda, recomendo as coletâneas The Byrds greatest hits, The very best of the Byrds ou 20 Essential tracks ( sendo que este o que acompanha a trajetória inteira da banda ) e, é claro, The byrds play Dylan, coletânea das principais canções de Dylan gravadas pelos "pássaros".

Então, o que estão esperando? Um bom presente pra se dar, nessa época de gastança natalina. As Lojas Americanas costumam vender baratinho. Vocês vão gostar, tenho certeza. E nunca mais vão conseguir ouvir o "quarteto de Liverpool" com a mesma condescendência.

Quadros que queria ter na parede aqui de casa (9)


"As tentações de Santo Antão", de Hyeronimus Bosch.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

fotogramas (4)




Eu e o Durán, num flagrante de reverência explícita.




(não estranhem as minhas longas madeixas nem a batina usada pelo Durán, essa foto é das filmagens de O resto é silêncio, que eu dirigi e que o Durán fez uma participação como ator, cinco anos atrás )

Não fui eu quem disse, mas David Rasche


"- Atores acostumados aos textos de David Mamet sabem que o mais instigante em sua dramaturgia são os duelos de argumentação entre os personagens. Em uma peça como "Oleanna" ( sobre o potencial assédio sexual de um educador sobre sua aluna ), uma hora você se convence que o professor está certo. Em seguida, a estudante argumenta e derruba sua convicção. Você nunca sabe quem tem razão. Com o roteiro escrito por Paulo Halm para "Olhos Azuis", isso também acontece."

Sim, é cabotino me auto-elogiar através do comentário dos outros. Mas cá entre nós, exageros à parte, não é todo dia que você é comparado ao David Mamet.
David Rasche acabou de filmar o mais recente filme do Zé Joffily, Olhos Azuis, do qual sou roteirista.
O David, de quem eu já era fã por conta do impagável seriado "Na mira do tira" ( no qual ele interpretava o detetive durão Sledge Hammer ), é um excelente ator e uma grande figura humana.
Com a ajuda de meio litro de uísque ( agora entendo porque o Nelson Pereira dos Santos só se referia à bebida como "o professor", achava que era um trocadilho com o famigerado Teatcher´s, quando na verdade era uma alusão à capacidade do uísque nos fazer falar perfeitamente qualquer idioma, bêbados não tem fronteiras linguísticas ) consegui conversar com ele, trocar idéias, e aproveitei pra pedir licença para usar seu comentário publicado no O Globo ( matéria do Rodrigo Fonseca ) aqui no meu blog.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

o povão sofre






Foi um domingo ruim para uma grande parte da população brasileira ( O Corinthians tem a segunda maior torcida do Brasil, só perde para a do Flamengo ) e com certeza para uma boa parte da população venezuelana (49% dos venezuelanos, com certeza).

E agora? (2)









E agora, Chavez?




Criaram tanto alarde em torno da emenda constitucional que permitiria a reeleição consecutiva do presidente Chavez e esqueceram dos outros 68 pontos previstos para serem alterados na Constituição Venezuelana, muito mais importantes e fundamentais para a melhoria da vida da maioria da população daquele país.


Na verdade, e em boa parte por culpa do estilo espalhafatoso e algo histriônico do Chavez, usaram a questão da reeleição para brecar as mudanças constitucionais realmente necessárias para o processo de democratização radical que a Venezuela está vivendo.

A direita, os grandes grupos de comunicação, a classe média covarde, a CIA, com certeza o Bush devem estar exultantes. É a primeira grande derrota da esquerda latina depois de um período de sucessivos e importantes avanços ( eleição e reeleição do Lula, eleição do Kirschner e da sua sucessora e esposa Cristina Kirschner, eleição do Evo Morales na Bolívia, eleição do Rafael Correa no Equador, do Tabaré Vasquez no Uruguai e mesmo a primeira reeleição do Chavez ).

Se a derrota no plesbicito significa uma guinada conservadora na tendência pró-esquerda na América Latina ou se é apenas um retrocesso momentâneo, localizado ou tão somente um alerta para conter o açodamento do Chavez ( que às vezes parece mais um personagem do BBB em sua ansia por aparecer do que um verdadeiro estadista ), ainda é cedo para dizer.

Mas que doeu, doeu...

E agora? (1)









E agora, Corinthians?





Sou flamenguista e apesar de estar feliz da vida por termos entrado na Libertadores, fiquei triste com a queda do Curingão pra segundona.

O povão deve ter ido dormir bem triste, ontem...

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Unidos venceremos (2)




O grande ator Danny Glover ( que, dizem, irá dirigir um filme no Brasil ) também apóia a greve da WGA.

sábado, 24 de novembro de 2007

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

entranhas cinematográficas ( e ideológicas ) de Tropa de Elite (final)


Acho que ninguém aguenta mais ouvir falar de Tropa de Elite, tampouco sinto vontade de insistir nesse assunto. Mas não poderia deixar de fechar a série de títulos referenciais para uma plena compreensão do filme do José Padilha sem falar daquele que, sem dúvida, é seu melhor espelho: Nascimento de uma Nação, de D.W. Griffith (1915).
Resguardadas a distância histórica e as diferenças técnicas e mesmo, estéticas de um filme e do outro, há uma clara semelhança na estrutura dramática de ambos os filmes. Nem tanto pela óbvia heroicização do abjeto ( uma tropa militar acima do bem e da constituição, que tortura e mata, em nome da "lei" no caso dos homens de preto de Padilha, e os Ku-Klus-Klans de Griffith ) mas principalmente pela construção do "vilão".

Em Nascimento de uma nação, Griffith, dentro de sua lógica sulista, portanto, com o olhar ressentido do derrotado, deforma a realidade e a história transformando em vilões os abolicionistas e em feras desumanas os ex-escravos libertos. Dentro de seu original e particular ponto de vista, as vítimas são os fazendeiros escravocratas brancos sulistas, derrotado por uma tropa de mestiços nortistas, que se vêem constantemente ameaçados e humilhados pelos cada vez mais arrogantes negros libertos. Há tres vilões no filme: o branco nortista e abolicionista Stoneman, seu braço direito Lynch, mulato ambicioso e, finalmente, a população negra desaforada e animalesca, que se vira contra seus antigos senhores com petulância e brutalidade.


Lógica muito semelhante à elaborada por Padilha no Tropa de Elite: o vilão do filme é a classe média que, segundo o filme, alimenta e sustenta o tráfico, a classe média que defende os direitos humanos dos bandidos e impede a ação erradicadora dos "homens de preto", em suma, a porção dita liberal da classe média, que seria a principal responsável pela força do narcotráfico em nosso país.
Sem muito esforço comparativo, em Tropa de Elite o papel de Stoneman ( o branco que por conta de seus ideais liberais trai a sua raça e favorece tibia e irresponsavelmente a ascensão dos ex-escravos brutos e rancorosos ) seria representado pela classe média liberal, pelos jovens de classe média que consomem drogas, pelas ONGs que mantém relações dúbias com o tráfico; Lynch, o mulato ambicioso que se aproveita do "liberalismo" do patrão branco para ampliar seu poder seria o Baiano, o traficante que cheira pó com os branquinhos de classe média da ONG mas que não reluta em fritá-los no "microondas" quando contrariado ( da mesma forma que Lynch sequestra e tenta possuir sexualmente a filha de Stoneman, seu protetor ); finalmente, a massa de ex-escravos brutais e animalescos seriam os anônimos soldados do tráfico, os favelados que "ameaçam" cada vez mais os moradores do asfalto, a classe média branca e indefesa.
Tanto Birth of a Nation quanto Tropa de Elite deixam claro quem são os heróis na medida em que estabelecem exemplarmente quem são os seus vilões. Os dois filmes demonstram didaticamente as condições que favorecem o surgimento ( e a necessidade ) de tropas paramilitares, com poderes ilimitados, como única forma de defesa da sociedade civil. E se os heróis cometem "excessos" ( a foto que ilustra esta postagem mostra o linchamento de um negro pelos KKK, num momento de violência muito semelhante às cenas de tortura cometidas pelos "caveiras" de Padilha ), a narrativa de ambos filmes justifica e/ou racionaliza o que poderia ser um deslize na conduta dos heróis: trata-se de uma guerra e o inimigo é muito pior, muito mais desumano e, principalmente, mais forte e mais numeroso. Os KKK lincham o negro que tentara estuprar uma inocente e adorável donzela branca, provocando o seu suicídio ( ela prefere se matar a ser possuída por um negro). Os "caveiras" brutalizam uma jovem moradora do morro ( não tão inocente assim, uma vez que era namorada do traficante Baiano ) e quase empalam um marginal com o cabo de uma vassoura, na cena mais brutal de Tropa de Elite, movidos pelo desejo de vingar seu companheiro covardemente assassinado pelos traficantes, com um tiro pelas costas.

Muito criticado, desde à epoca de seu lançamento ( considerado ao lado de O Judeu Süss, realizado na Alemanha Nazista, como um dos filmes mais racistas já realizados ), Birth of a Nation talvez pudesse ser defendido hoje em dia pelo mesmo argumento usado pelos defensores de TE: Griffith estaria apenas retratando o ponto de vista de um racista e, dentro de sua psicopatia, um racista enxergue realmente os negros como vilões e os antigos escravocratas como vítimas indefesas, que são defendidos pelos paladinos encapuzados da Ku-Klus-Klan. Da mesma forma que Padilha "apenas" retrata o ponto de vista de um policial linha dura, sem entretanto compartilhar ou defender este mesmo ponto de vista.
Comparando os filmes, e a reação das platéias de um e de outro, por que isentar Padilha e taxar Griffith de reacionário, ou, por outro lado, por que não "relativizar" o discurso de Nascimento de uma Nação, fingindo que não é racista e facistóide, argumentando que Griffith "apenas" filmou o ponto de vista dos escravocratas sulistas derrotados pela União, sem compartilhar de seus ideais ou tampouco ser um entusiasta dos KKK?

Difícil, não acham? Diria quase impossível.

Em tempo: ao final de Nascimento de uma nação, Stonema cai em si do perigo personificado pelos negros que até então defendia e se alia aos escravocratas, colocando-se sob a tutela dos paladinos encapuzados. Lynch é morto e os negros "petulantes" reconduzidos ( sob a mira das armas dos KKK ) no seu devido e submisso lugar. De certa forma, é essa a mensagem final que Tropa de Elite passa ao seu público: assim como Stoneman, cabe à parcela mais esclarecida da classe média renunciar ao seu liberalismo, parar de proteger os traficantes ( o que é a defesa dos direitos civis e humanos senão "fazer vista grossa" para a bandidagem? ), e deixar que os "caveiras" reestabeleçam a ordem.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

Betty a feia também apóia a greve dos roteiristas americanos


A atriz America Ferrera, intérprete de "Betty a feia", em manifestação de apoio à greve dos roteiristas de Hollywood.

A propósito, o seriado Ugly Betty é muito divertido.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

a praga chamada "politicamente correto" (1)

Não existe nada mais chato que a chamada postura "politicamente correta". Sinceramente, penso que isso é uma manifestação conservadora usada para perpetuar as chamadas "minorias" e demais segmentos explorados historica e cotidianamente numa posição de inferioridade porém, com a consciência tranquila. Crioulo passa a ser "afro-descendente", viado vira "homoerótico, homoaderente", e por aí vai. A terminologia dita agressiva, racista ou machista deve ser abolida e trocada por termos civilizados. O que é uma questão política vira uma questão semântica, ou de etiqueta.

Estranhamente, os defensores desse tipo de pensamento "polido" geralmente são os que mais protestam contra o sistema de cotas para a população negra ascender às universidades, aos empregos públicos, o que de fato criaria condições para uma equiparação econômica, cultural e social com a população branca. Para eles isso é populismo, da mesma forma que bolsa família e projetos sociais vizando reduzir a miséria ( isso então é chamado de esmola ou pior, compra de votos ). Os mais radicais chamam essa política afirmativa de verdadeiro racismo, porque essas medidas compensatórias no fundo seriam atitudes preconceituosas às avessas, descriminando a população branca.

Vejam só a que ponto chegamos: chamar um negro de crioulo é racismo, vetar-lhe o acesso às faculdades, garantir-lhe chances de ascensão profissional, ser contra a criação de cotas nos concursos públicos para uma população históricamente submetida à pobreza, isso não é racismo.

No tocante aos gays, é politicamente correto chamá-los de "homoadeptos", ou qualquer termo nesse gênero, semanticamente polido. Bem provavelmente os adeptos desta espécie de Socila (antiga escola de etiqueta, formadora de dondocas e misses ) vernáculo-liberal devem achar muito divertidas as passeatas gays, etc. Afinal de contas, os gays são tão alegres ( o trocadilho é intencional ). Agora a boa maioria dos adepto da correção política com certeza torce nariz para a extensão dos direitos dos casais heterosexuais aos casais gays ( planos de saúde, herança, adoção de filhos, etc ), pelo ingresso de gays nas forças militares, etc.

A postura "politicamente correta" acaba gerando monstruosidades, algumas tão ridículas que chegam a ser risíveis...

Olha a pérola que li na internet...


Risada de Papai Noel é proibida em Sydney

Os papais-noéis da maior cidade australiana foram orientados a não usar mais o tradicional "ho, ho, ho" devido a risada ser considerada ofensiva contra as mulheres. As autoridades instruíram os profissionais de Sydney a utilizar o "ha, ha, ha".

Um Papai Noel contou que foi aconselhado por uma empresa de recrutamentos a não usar a expressão porque poderia assustar as crianças e também por causa da gíria "ho", prostituta no inglês americano.

Julie Gale, que coordena uma campanha contra o contato precoce de menores com a sexualidade, chamada de Kids Free 2B Kids (crianças livres para serem crianças), é contra a orientação. "Estamos falando de quem ainda não entende 'ho, ho, ho' com outra conotação e nem precisariam", afirma ela. "Deixem Papai Noel em paz", pediu.

Um representante da empresa afirma que é um equívoco dizer que a companhia baniu a risada tradicional do personagem e que a decisão foi deixada a cargo de cada Papai Noel.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

entranhas cinematográficas ( e ideológicas ) de Tropa de Elite (4)


Starship Troopers, de Paul Verhoven


Fantasia gay SA ( não confundir com Sociedade Anônima, e sim referente às SA, ou Sturmabteilung, grupo paramilitar comandado por Ernst Rhöm, que tinha como característica uma real afinidade ao conceito de "socialismo" nacional, dentro da concepção nacional-socialista que fundamentava o partido nazista e uma concepção homoerótica da virilidade, advinda dos gregos... em suma, era a facção esquerdista e gay do partido nazista, que foi devidamente "expurgada" na famosa "noite dos longos punhais", na qual foram quase todos mortos pelos membros das SS ) dirigida pelo até então esperto diretor holandês radicado em Hollywood.
O filme é uma caricatura, o que foi confundido pelos admiradores de Verhoven como um esculacho ao culto do herói, tão caro ao cinema ianque ( pelo menos o cinema ianque dos grandes estúdios, das famosas "majors" ).
Mas no geral, parece fascinado pelo fetiche das fardas, por uma visão de uma sociedade militarizada onde os civis são cidadãos de 2a classe, pelo culto à violência, reproduzida com um sentido quase sexual ( o ato de matar e morrer comparado a um orgasmo ), em suma, uma idealização do soldado como macho superior num mundo exclusivamente masculino, no qual as mulheres são seres inferiores ( só admitidas quando "masculinizadas" ) e onde sentimentos nobres como a lealdade, a fraternidade e o amor ( e claro, o sexo ) só podem ser aceitos entre os iguais. Entendendo igualdade aí restrita à elite da sociedade, ou seja, aos homens. A velha tese boiola que, dizem as más línguas, fazia a cabeça dos gregos ( ..."ou seria dos persas", como diria o personagem gay interpretado por Carlão Kroeber, no delicioso "Guerra Conjugal", filme de Joaquim Pedro de Andrade, sobre o qual um dia falaremos ).
A citação do filme do Verhoven ( que realizou grandes filmes como Turkish delight, Soldado Laranja, Conquista Sangrenta, Robocop, antes de entrar em decadência bem remunerada com Atração Fatal e Showgirls e finalmente, este Starship Troopers ) é pura provocação: não há exatamente pontos de referência entre Tropa de elite e essa tropa estrelar, além do fato do culto ao poder "regulador" das tropas de elite militar na vida social e do uso da tortura como forma eficaz de se vencer uma guerra. Lembremos o filme do Verhoven: ao final, o oficial da Gestapo futurista preconizada no filme tortura o inseto-cerebro ( e ânus ) para obter as informações necessárias para derrotar o exercito de baratas e grilos gigantescos que ameaça a Humanidade. E é através da tortura que a Humanidade triunfa. Ou seja, é um líbelo em defesa da tortura como forma legítima de se combater o "mal" e fazer o "bem" triunfar.
Pensando bem, há muitos pontos de convergência.
De certa forma, a caricatura até bem humorada de Verhoven foi levada a sério pelo Padilha, que faz dos seus "caveiras" um poder regulador dentro de uma "cidade partida", uma espécie de cruzados impolutos e incorruptíveis, e cujo uso da tortura como forma de defesa do bem contra o mal.

Note-se que, da mesma forma que em Full Metal Jacket, em Starship Troopers há o processo cruel de "educação" militar, que transforma homens supostamente civilizados em armas letais. Tudo em nome da defesa da "civilização" contra a "barbárie".

Mas o que em Starship troopers é caricato, debochado e, mesmo, paródico, em Tropa de elite é tratado como um ritual de purificação e depuração dos fracos e indesejáveis ( se bem que, como na cena da "aula de estratégia", com belas tiradas de humor ).

A ação de Tropa de Elite se passa em 1997, um passado recente. Já a de Starship Troppers ocorre num futuro distante.

Um filme mostra o passado recente para "justificar" a violência dos dias presentes. O outro mostra um futuro para "alertar" dos perigos que a ameaçam a humanidade que se deixa desarmar.

Cara e coroa de uma mesma moeda - diante de uma ameaça à civilização, é necessário recorrer às forças acima das leis, da moral, da ética, pois somente estas conseguirão derrotar o mal. Nas entrelinhas, a carta branca que a sociedade ( geralmente, os membros mais aquinhoados das sociedades, a elite ) dá aos fascistas para impôr a ordem e garantir sua sobrevivência.

Recomendo verem Starship Troopers e compararem com Tropa de Elite. Verão que as coincidências são muitas. O problema é que no filme do Verhoven dá pra rir... enquanto que Tropa de Elite provoca uma inevitável sensação de medo.

sábado, 10 de novembro de 2007

Adeus, Norman Mailer


Li na internet a notícia do falecimento de Norman Mailer, hoje, aos 84 anos.
Grande escritor e intelectual norte-americano, autor de livros fantásticos como "Os nus e os mortos", "Os degraus do Pentágono", "A canção do carrasco", entre mais de 40 romances ( entre esses, "A luta", um romance reportagem sobre a disputa entre Muhammad Ali e George Foreman, considerada a mais espetacular luta de boxe de todos os tempos, um romance erótico passado no Egito à época dos faraós, "Noites antigas", em nada semelhante a essa profusão de romances pseudo-históricos que proliferam hoje em dia, e de um "Evangelho segundo o filho" , narrado pelo próprio Jesus - o Saramago teve idéia semelhante, escrevendo O Evangelho segundo Jesus Cristo, mas com estilo totalmente diferente).
Polêmico, brigão, combativo, vaidoso, veterano da 2a guerra mundial, beberrão, mulherengo, meio fanfarrão, um autor ianque da estirpe de Ernest Hemingway, se bem que, literariamente falando, seu jeito de escrever diferisse diametralmente do estilo classudo e seco "hemingwayniano".
Já citado aqui neste blog, com um texto em que fala sobre a escritura de roteiros. Mailer entendia do riscado, alguns romances seus foram filmados, ele atuou em Ragtime de Milos Forman, colaborou no roteiro de Era Uma Vez na América, de Sergio Leone e dirigiu alguns filmes, inclusive o longa, Machões não dançam, adaptação de uma boa novela policial de sua autoria.
Crítico ferrenho da politica imperialista e militarista norte-americana, vai deixar uma lacuna na inteligência americana.
Enquanto isso, Bush engasga no pretzel, atola no Iraque, mas continua firme e forte.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Unidos venceremos




A atriz Julia Lois-Dreyfus, a Elaine do saudoso seriado Seinfeld, manifestando seu apoio à greve dos roteiristas de Hollywood.

domingo, 4 de novembro de 2007

ou esta...


Grateful Dead, mítica banda de rock.

Caveira por caveira, prefiro essas...




Caveiras de açucar do Dia dos Mortos, México.

Caveiras de Cristo


"Os novos cruzados" em pleno culto.
Assim como o capitão Nascimento do filme, os caveiras sofrem de remorsos. Mas ao mesmo tempo crêem que estão no meio da luta do Bem contra o Mal, e que o Bem, com ajuda de Deus e da tortura, irá finalmente triunfar.

domingo, 28 de outubro de 2007

entranhas cinematográficas ( e ideológicas ) de Tropa de Elite (3)


Full Metal Jacket - "Nascido para Matar", de Stanley Kubrick (1987)



Não sou dos maiores fãs do Kubrick, tampouco deste filme. Mas há de convir que há uma profunda semelhança entre o treinamento dos recrutas no filme de Kubrick e o dos "caveiras" de Padilha. Num e noutro, assistimos a cenas brutais, sádicas, um ritual extenuante através do qual o homem se transforma numa besta letal. Tanto em Full Metal Jacket quanto em TE há cenas engraçadas, sendo que a aula de "estratégia" de TE, em que o capitão Nascimento dá uma granada engatilhada para um sonolento aspira Matias segurar, enquanto segue com sua monotona peroração acerca das diferentes versões da palavra "estratégia", é , disparado, uma das sequências mais engraçadas que o cinema já produziu. As cenas são muito parecidas.
Mas ser parecido não quer dizer necessariamente ser igual. É aí que reside a grande diferença entre forma e conteúdo.
A semelhança formal das sequências são enormes, até mesmo no tom visivelmente "exagerado", que provoca risos. Quando analisamos o discurso dos filmes, a distância que surge entre um e outro é abissal. Quase antagônicas.

A diferença entre um e outro filmes é o ponto de vista do diretor - enquanto que Kubrick tem um evidente propósito em mostrar como o homem pode ser desumanizado e tornar-se uma eficaz e disciplinada máquina de matar, dando uma aula sobre o processo de alienação ( e o tom propositalmente caricatural das cenas remete ao distanciamento brechtiano ), em Tropa de Elite o que vemos é um processo de depuração. O treinamento é bruto, não para desumanizar seus participantes, mas para eliminar o mal inflitrado - os corruptos. A brutalidade dos exercícios é uma forma de desestimular que recrutas covardes, preguiçosos e, principalmente, os corruptos consigam penetrar no impoluto corpo de "caveiras".
Neste sentido a humilhação que sofre o capitão Fábio, o tíbio PM envolvido com prostituição e bicheiros, é exemplar: todos sabemos que ele é covarde, preguiçoso e principalmente, corrupto. Típico estereótipo do policial. O que vemos é que na Tropa de Elite não há lugar para tipos assim. E as cenas em que Fábio é achincalhado pelo Capitão Nascimento são sempre bem humoradas. Moral do filme: é assim que se deve tratar os maus policiais. Não é isso que a sociedade quer? Uma polícia honesta, séria, que cumpra seu necessário trabalho? Sem corruptos, sem moleirões, sem covardes e velhacos?


Neste sentido, é inóqua a crítica que o colunista do Globo Arthur Xexéu faz ao filme, ao mencionar o comentário sobre um "aspirante a caveira" que ficou surdo pelo rigoroso treinamento aplicado pelo capitão Nascimento. Vendo, depois, a tentativa do covardão e corrupto capitão Fábio em ingressar na Tropa incorruptível, conseguimos "ver" o que deve ter acontecido com o citado aspirante que ficou surdo. E como Nascimento alerta que "ele era safado", entendemos que ele teve o castigo merecido.


Sobram do treinamento apenas os bons, os mais fortes, os incorruptíveis. Como toda depuração é uma purificação, entendemos que os que sobrevivem para tornar-se "caveiras" são uma espécie de "eleitos", no sentido religioso mesmo da palavra. São imunes à dor, às privações, às tentações. Os "caveiras", antes de máquinas desumanas treinadas para matar, são uma espécie de "cruzados", homens superiores, acima do bem e do mal.


E o conceito de "homens acima do bem e do mal, acima do conceito de classes, disciplinadores da sociedade e mantenedores da ordem" não é exatamente um dos princípios do fascismo?

saudades do "bodódromo" (Petrolina, PE)




"Cabritada mal-sucedida"
(1953)


Samba de Geraldo Pereira e Jorge Gebara



Bento fez anos,
E para almoçar me convidou,
Me disse que ia matar um cabrito,
Onde tem cabrito eu tou,
E quando o "Comes e Bebe" começou,
No melhor da cabritada,
A Polícia e o dono do bicho chegou.
Puseram a gente sem culpa,
No carro de Radio Patrulha e levaram,
Levaram também o cabrito,
E toda a bebida que tinha, quebraram,
Seu Comissário, zangado,
Não tava querendo ninguém dispensar,
O patrão da Sebastiana,
É que foi ao distrito,
E mandou me soltar.


domingo, 21 de outubro de 2007

quadros que queria ter na parede aqui de casa (7)


Jogo de Bola, de Cândido Portinari.

coisas que eu gosto (de ver) 4:


Noite Escura, filme de João Canijo, Portugal 2004.

Grande filme português, de um diretor pouco conhecido aqui no Brasil ( apesar de já ter feito um filme, A Filha da mãe, estrelado pelo José Wilker ). Conheci o João Canijo no Festival de Cinema Latino de Chicago, em 2002. Éramos quase que dois peixes fora d´água. Eu porque estava representando como roteirista o filme da Sandra Werneck, Amores Possíveis ( e em festivais de cinema, se você não é o diretor ou produtor do filme, ou então o ator principal, você fica ali, meio perdido, ninguém te dá muita atenção, roteirista então...). E o João, por ser português. Se no meio daquela multidão de cineastas hispânicos, latino-americanos, ser brasileiro já era motivo de estranheza ( apesar de uma estranheza carinhosa, afinal, nossos hermanos latinos simpatizam gratuitamente conosco ), um cineasta luso, com um filme totalmente rodado em Paris, era realmente uma espécie de ET. O filme que ele tinha em concurso era o belo Ganhar a vida, que retrata a migração portuguesa contemporânea para os países mais desenvolvidos na Europa "sem fronteiras". Nos encontramos numa festa promovida pelo sempre simpático Pepe Vargas, diretor do festival, um convescoste bem familiar, nada a ver com as festas nababescas do cinema brasileiro, uma coisa bem íntima, um churrasco no quintal de sua casa, num simpático subúrbio de Chicago. De modo que o brasileiro e o português acabamos por juntarmos nosso deslocamento e ficamos papeando sobre os cinemas de nossos países.

Papeando é uma licença poética. Meu inglês é, como naquela comunidade do orkut, "too bad", meu espanhol só funciona depois de algumas doses de birita, mas o maior problema linguístico é entender o português falado pelos portugueses. Às vezes parece russo. Realmente, é uma coisa que dificulta em muito a circulação do cinema português no Brasil. "Aquela língua" só consegue ser compreendida com legendas. E pra complicar, o Canijo fala com aquele acento gutural típico dos moradores do Porto, mais fechado e hermético que o português cantadinho dos alfacinhas, os lisboetas. O irônico é que o nosso português é plenamente compreendido pelos lusos, por ação e graça das telenovelas globais, que inundam a programação televisão portuguesa há mais de 20 anos - há casos de emissoras que passam novelas das duas as dez...

Mas não é pra falar dessa conversa de meio-surdos em Chicago que estou escrevendo, e sim para comentar um filme do Canijo, que acabei assistindo em 2004, por ocasião do Festival de cinema Luso-brasileiro de Santa Maria da Feira, onde ambos fomos jurados. Noite escura passou, fora de competição. A despeito da dificuldade de compreensão idiomática, o filme me impressionou sobremaneira. É um filme muito forte, brutal, com uma mis-en-cene elaboradérrima, um ritmo tenso, sempre crescente, uma fotografia cheia de movimentos de câmera que às vezes lembram a movimentação da câmera de um Altman, passando de assuntos e ambientes, criando uma espécie de labirinto visual, onde os personagens parecem aprisionados e sem saída. Ao mesmo tempo, o uso de câmera na mão, sempre tensa e angustiante, encurralada nos limites de um amabiente quase sempre fechado, remete ao cinema de Cassavetes É um filme bastante tenso, sufocante. A trama é inspirada na tragédia de Eurípedes, Ifigênia em Aulis, transmutada para um Portugal moderno, repleto de contradições, dividido entre a fartura dos investimentos da comunidade européia e a agonia de suas tradições e a corrupção de seus valores.

A peça de Eurípedes fala do drama do rei de Micenas, Agamemnon, que é obrigado a sacrificar a filha mais jovem, Ifigênia, a fim de aplacar aos deuses, que vinham castigando seu reino com a seca e a devastação. Agamenon tem outra filha, Electra, que nutre pelo pai uma espécie de amor incondicional. Já a esposa de Agamenon, Clitemnestra, ao descobrir que o marido sacrificara a filha caçula, acaba matando-o.

Na adaptação de Canijo, a ação se passa numa boate de prostituição. Pressionado por mafiosos russos, Nelson, o dono do bordel aceita oferecer sua filha mais jovem como pagamento de suas dívidas. A decisão do pai é questionada pela filha mais velha, que tenta salvar a irmã do destino cruel: tornar-se prostituta. É um filme dominado pelas mulheres, determinadas, enérgicas, enquanto os homens parecem rastejar na sua impotência ou covardia. Nelson ( em ótima interpretação de Fernando Luis) , é tíbio, pusilânime em sua covardia em aceitar o destino cruel que se lhe apresentam. Apesar de amar a filha, tem mais amor ao próprio pescoço. Ele é pressionado por todos os lados: pelos russos, pela filha mais velha ( interpretada por Isabel Batarda, belíssima atriz, aqui enfeiada, masculinizada ), pela esposa Celeste, aparentemente cínica e alienada ( numa interpretação cheia de nuances de Rita Blanco, espécie de atriz-fetiche de Canijo ), pelos próprios remorsos - sabe que é um patife covarde, mas isso não o impede de sofrer.

A trama de Canijo é narrada pelo ponto de vista de Carla, a filha mais velha e mais feia. E é o seu desespero em ver a família ser destruída pela covardia do pai, que no entanto ama desesperadamente. Ela tenta dissuadir o pai, sem sucesso, tenta pedir auxílio à mãe, que ignora seu desespero, tenta ajudar Sônia, a irmã caçula, que entretanto rechaça seu socorro. A percepção de sua incapacidade de mudar o destino, traçado por mãos mais fortes que a sua, vai enlouquecendo progressivamente a personagem.

Num momento intenso do filme, ao propôr que o pai lhe entregue aos russos, no lugar da irmã caçula, ela procura mostrar que, apesar de feia, é muito mais experiente que a outra. Ela seduz o pai, numa cena cheia de sensualidade doentia, incestuosa, que culmina numa felação nervosa a qual o pai não consegue resistir. Essa cena é talvez a melhor representação do "complexo de electra" em cinema ( em detrimento às diversas representações do mito do amor edipiano, que gerou filmes tão dispares quanto O sopro no coração, de Louis Malle, La Luna, de Bertollucci, Os imorais, de Sthephan Frears e, mesmo, os incompreendidos, de Truffault). Mas nem pelo sexo ela consegue demover o pai tíbio e covarde.

O filme é impregnado de violência. A abertura do filme mostra Carla lavando o assoalho sujo de sangue de uma prostituta russa, que aparece com a garganta dilacerada. Mais adiante, um sócio de Nelson será esfaqueado na jugular, em meio a uma discussão com o chefe dos mafiosos russos. Uma outra prostituta é enforcada - seu corpo despenca do teto pesado e inerte. No final, há um tiroteio, muitas mortes - enquanto isso, mulheres em trajes sumários, seminuas exibem-se monotonamente no palco da boate, num contraponto que remete à disputa entre Eros e Thanatos, com a predominância deste.

Numa tentativa final de salvar a imã, Carla parte para o sacrifício, pistola na mão, enfrentando os russos. Mas mais uma vez, ela falha. E morre. Sua morte não impede que Sônia seja levada pelos mafiosos russos, tampouco salva o pai. Nelson, causador e vítima de sua própria desgraça, é morto por Celeste. Ao final do filme, enquanto os corpos de Carla e Nelson abraçados e unidos pelo mesmo sangue derramado jazem no estacionamento, a noite segue na boate, onde clientes e prostitutas seguem seu cotidiano aviltante, sem perspectivas, mais monótono do que trágico.

Aliás, dentro do conceito de tragédia grega, as prostitutas e clientes da boate de Nelson funcionam como uma espécie de côro, que de certa forma comenta, num segundo plano, aspectos da história e, principalmente, a questão da prostituição - que seria uma metáfora da situação de Portugal, corrompido pelos euros que mudaram radicalmente o país, sem no entanto resolver nenhum de seus problemas estruturais ( tanto que é um dos países mais pobres da comunidade européia ).

O filme é tenso, duro, nervoso, de um colorido neurótico - há uma preponderância das cores vermelhas e verdes, por sinal, cores da bandeira portuguesa. Num dado momento da trama, a personagem Sônia, a irmã caçula, canta uma triste canção, uma espécie de fado - e o que é o fado se não uma junção entre a premissa fatalista da tragédia grega e a melancolia incurável dos portugueses? A canção funciona como uma espécie de comentário melódico ao filme, mas também é um contraponto - é um raro momento de doçura ( ainda que uma doçura agônica, acridoce ) em meio à nervosa movimentação da câmera e a cada vez mais tensa atuação dos atores.

É uma pena que a sonoridade do português de Portugal difira tanto do nosso português. Isso impede que um filme impressionante como Noite Escura possa vir ser exibido no Brasil. Pelo menos, não sem legendas. Tenho uma cópia em dvd que só dá pra assistir com auxílio das legendas em inglês.

É lamentável porque, além de privar o público brasileiro do cinema de Canijo, sem dúvida um dos cineastas portugueses mais interessantes, figura constante em Cannes - Noite Escura concorreu à Palma de Ouro e também foi o filme português indicado ao Oscar de filme estrangeiro - , essa dificuldade idiomática entre Brasil e Portugal acaba criando o mito de que o único cineasta português é Manoel de Oliveira, cujos filmes acabam passando no Brasil com mais frequência mas pelos quais eu não tenho a menor paciência (apesar de achar simpático o velhinho continuar filmando a "bordo" dos seus noventa e tantos anos, mas daí gostar de seus filmes, há uma grande distância ).

João Canijo e Pedro Costa ( O quarto de Vanda, Juventude em marcha ) são os melhores realizadores portugueses da atualidade, sendo que o cinema de Canijo me agrada mais, pela sua elaborada dramaturgia. Pena que falemos a "mesma" língua. Fossem cineastas espanhóis ou franceses, ou mesmo romenos, seus filmes teriam melhor aceitação aqui, no Brasil.