domingo, 30 de setembro de 2007

sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Pegadinha



Responda rápido, sem pensar: quem é esse belo tipo faceiro da foto ao lado:

(a) Cate Blanchet?
(b) Jude Quinn?
(c) Bob Dylan?
(d) Todas as opções acima?

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

O ovo da serpente

Sobre Tropa de Elite


O cinema é um excelente veículo para difusão ideológica. Tanto Leon Trotsky, um dos líderes da revolução russa, pela esquerda, como Goebblels, ministro da propaganda de Hitler, pela extrema-direita escreveram textos defendendo o uso do cinema como arma ideológica ( Goebblels sonhava com um "Encouraçado Potemkin" nazista, e tentou seduzir o mais renomado diretor alemão de então, Fritz Lang, a tornar-se o cineasta oficial do nazismo, mas Lang disse que ia ali comprar um cigarro e fugiu da Alemanha ). A indústria hollywoodiana sempre se serviu do cinema como forma propagandistica, seja dos ideais do "american way life", seja do anti-comunismo ( até filmes de ficção científica como "Vampiros de AlmaS", de Don Siegel, com seus alienígenas frios e coletivistas que se apossavam de corpos e almas dos indefesos americanos, metafora até divertida - pelo menos hoje, podemos rir com isso - da "lavagem cerebral" ou cooptação, promovidas pelos comunistas ), seja contra o inimigo da vez, fossem russos, chineses, cubanos, vietnamitas, narcotraficantes e agora os muçulmanos.
Da mesma forma, mas sem menos impacto ( por não dispôr de um poderoso sistema de distribuição e exibição, como Hollywood ), a esquerda soube usar a força das imagens como forma de denunciar o capitalismo, o imperialismo, os desmandos de Washington, ou simplesmente, propagando a idéia ou utopia de um mundo melhor, mais igualitário, em detrimento aos padrões determinados pelo consumismo - o "ser" em detrimento ao "ter".
Falar hoje em direita e esquerda pode soar como arcaísmo, nostalgia, anacronismo. Para muitos, a divergência entre as duas concepções de mundo deixou de existir com a queda do muro de Berlin ou, um pouco depois, a falência quase simultânea de todos os governos comunistas ou dito comunistas do leste europeu, a começar com a finada União Soviética. Ainda que se possa afirmar, sem dúvidas, que o regime político existente naqueles países havia se distanciado de tal forma de uma concepção de comunismo ou socialismo, por outro lado, não se pode negar que, com o derrocada daquele bloco, houve um triunfo, não das liberdades, não da democracia, mas da hegemônia americana sobre quase a totalidade do mundo. Não chega ser errado afirmar que, ao invés de acabar a divergência ideológica entre esquerda e direita, houve sim uma derrota da esquerda e uma acachapante vitória da direita na forma de compreender o mundo, a vida, alardeada em discursos pseudo-filosóficos que pregavam o "fim da História", e sistematizada naquilo que hoje em dia se convencionou chamar "pensamento único".

Obviamente, a esquerda não morreu, tampouco desapareceu. Talvez tenha recuado a um pragmatismo às vezes demasiado, por exigências dos novos tempos, e a valorização exarcerbada da tática, dos "meios", torne a utopia um pouco cínica ou macule os "fins" que se almejam.

Mas a verdade é que a cada dia se evidencia que, longe de ser um anacronismo, a disputa política e ideológica entre esquerda e direita se torna mais acirrada, ainda mais nesses tempos terríveis de "relativismo" - pensamento permissivo que grassa em boa parte dos intelectuais e formadores de opinião. A constatação correta que os valores absolutos não passam de discurso, e portanto, produto ideológico das classes dominantes, acabou gerando uma cultura de pensadores "desvertebrados", a tudo maleáveis, que se vergam de um lado para o outro, conforme a conveniência, lenientes e subservientes, que acabam reafirmando as posições mais reacionárias em nome de uma mal disfarçada aceitação do status quo e, em última instância, a uma defesa inconsciente (?) de seus valores de classe - no caso, a classe média dividida entre os sonhos de ascensão social e o pavor de um rebaixamento econômico sempre iminente, ainda mais em países pobres ou em desenvolvimento, como o nosso. Pela sua natureza, a classe média tende sempre ao conservadorismo, pois, se não pode ter os anéis, quer preservar os dedos. Por outro lado, a classe média, pela sua escolaridade, pelo acesso aos meios de comunicação, por ser, não formadora, mas disseminadora de opinião, acaba sempre sendo o alvo prioritário do discurso ideológico. E aqui, finalmente, chegamos ao ponto que quero discutir.

Tropa de Elite, filme do cineasta José Padilha ( que nos tinha brindado com um excelente documentário, Onibus 174 ) é ou não fascista?

Não conheço o Padilha ( parece frase de Nelson Rodrigues ), participei de um debate com ele uma vez na Darcy Ribeiro, e ele me pareceu um provocador, do tipo que adora uma polêmica, que perde o amigo mas não a provocação, a frase de efeito. Então, afora esse lado mais propenso à polêmica, não saberia dizer qual sua posição política, nem sequer se tem alguma posição política. Onibus 174 passa a idéia de uma pessoa com preocupações sociais. Já Tropa de Elite é um filme que, em última instância, defende a existência de uma força militar, com poderes e recursos ilimitados, acima do bem e do mau, que combata o narcotráfico com força total, uma mistura de Swat com os Intocáveis de Elliot Ness, mas também com semelhanças com a SS nazista que não se restringem apenas aos uniformes negros e o emblema da caveira. Nunca vi nenhum pronunciamento político do José Padilha, de modo que não posso afirmar que ele seja fascista ou tenha tendências fascistizantes, seria leviano da minha parte afirmar isso.
Agora, posso analisar o filme que ele fez. Partindo do pressuposto que toda obra artística possui um inseparável teor confessional, às vezes até inconsciente, posso afirmar, sem medo, que o diretor compartiha com o discurso apresentado em sua obra. Neste sentido, Padilha seria o primeiro cineasta que, corajosamente, se apresenta como um pensador de direita e realiza o primeiro e mais eficiente filme de direita no Brasil.

Quando digo corajosamente é porque no Brasil ninguém se diz de direita. Os políticos, mesmo os oriundos da ditadura, se definem sempre como de centro. Ou, liberais - na acepção econômica, liberalismo economico, livre mercado, do estado mínimo, defensores do capitalismo, da economia transnacionalizada etc. No meio artístisco ou intelectual então, pouquissímos aqueles que assumem publicamente sua opção política e ideológica alinhada à direita. Tradicionalmente, os artistas se apresentam como contestadores, transformadores, críticos, e isso lhes aproxima quase sempre de um perfil de esquerda. Se formos contar, vão sobrar dedos na mão para listar os artistas que sempre se definiram como de direita ou conservadores: Nelson Rodrigues, talvez o mais notório e sem dúvida, o mais talentoso entre eles, Gustavo Corção, Diogo Mainardi ( nem sei se podemos chamá-lo de artista, mas vá lá... ), o "saudoso" Ipojuca Pontes, Paulo Francis, o compositor Ary Barroso ( foi inclusive vereador pela UDN ), o ator e duble de cafajeste Jece Valadão, quem mais...? Não consigo lembrar mais nenhum. Uma vez ouvi num debate o decano dos roteiristas brasileiros, o talentoso e engraçadissimo rabugento Leopoldo Serran afirmar textualmente que era de direita, mas penso que era uma blague. Portanto, poucos aqueles que têm ou tiveram coragem de se expôr como sendo de direita.

Claro que isso não impediu que livros, filmes, peças possuissem um discurso conservador, reacionário, mas como manda o "relativismo", não se pode condenar o livro pela capa, nem confundir a obra com seu autor. Tudo é relativo. Aliás, é moda dizer, dentro do conceito relativista, que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Costuma-se lembrar que Chaplin, talvez o mais humanista dos cineastas, era um sujeito com muito pouco escrúpulos, mais parecido com o milionário bêbado do grande filme "Luzes da cidade" ( quando bêbado gentil, quando sóbrio um capitalista frio e desumano ) do que com o próprio Carlitos, personagem que criou e que é tido como um alter-ego do cineasta. Isso não impediu que fosse perseguido pelo comitê do senado norte-americano por sua conduta anti-americana e expulso daquele país, na época do macartismo. Picasso, que nos legou o magistral Guernica, também é citado sempre como sujeito cheio de contradições e com um amor argentário não muito condizente com sua imagem de esquerdista (aliás, foi membro do PC francês ). Brecht, marxista de carteirinha, autor do teatro mais esquerdista de todos os tempos, volta e meia é mencionado como um sujeito, como dizer... extremamente pragmático, e não faltam os que detonam o documentarista Michael Moore por sensacionalista, picareta, anti-ético, manipulador ( vi num debate no cineclube do Odeon um rubicundo critico relativista questioná-lo por manipular os depoimentos de Charlton Heston em Tiros em Columbine, coitadinho, não se faz isso com aquele pobre senhor claudicante apenas por ele ser o porta-voz da NRA, National Riffle Association, braço ideológico da poderosa indústria armamentista e bélica americana ). Seja como for, Tempos Modernos ou O Grande Ditador, o já mencionado Guernica, Mãe Coragem ou Terror e Miséria no 3o Reich e Fahrenheit 9/11 ou Roger e eu, obras desses artistas, são obras que traduzem o inconformismo, o protesto, a denúncia contra o capitalismo e o imperialismo, em suma, obras sintonizadas com o ideário de esquerda. Então, o que vale é o discurso produzido pelo artista, e não tanto sua vida pessoal.

Neste sentido, aqui no Brasil, ainda que sem nunca afirmar serem conservadores ou de direita, muitos artistas produziram obras conservadoras, reacionárias, sejam pelo teor político, seja pela manipulação de valores éticos e sexuais. O conservadorismo dissimulado, geralmente mais eficaz ideologicamente do que a obra abertamente politizada, é ambundante nas nossas telenovelas, nos nossos programas de humor, principalmente, no telejornalismo.

Aliás, o pensamento relativista, esta praga que impregnou os meios pensantes e criativos brasileiros, gerou outro fruto podre: o imparcialismo, a suposta neutralização do ponto de vista do autor em favor de uma obra dita "aberta a interpretações". Não existe falácia maior do que esta. Nenhum artista é imparcial. A escolha das palavras, a posição da câmera em relação ao objeto filmado, o corte mais rápido ou mais demorado de um plano para outro, tudo isso implica num claro e definido posicionamento do autor em relação ao que é escrito, filmado, editado.

A pretensa "impacialidade" como forma de possibilitar ao público "completar" a obra é uma ilusão criada por aqueles que só conhecem a produção artítisca na teoria, sem nunca ter produzido um único filme, livro, poema, peça. Todo bom artista sabe manipular sua platéia. E a manipula, de acordo com seus interesses, sejam estéticos, ideológicos, ou meramente financeiros. Portanto, esse mito da imparcialidade do artista, essa lenga-lenga de "apenas mostrar, sem tomar partido, e deixar para os expectadores tomar a posição" é conversa edificante para boi dormir.

Portanto, se não posso afirmar que o José Padilha seja fascista, por outro lado posso perceber no Tropa de Elite um perigoso - por eficiente - discurso fascistizante, que trabalha metodica, cerebral e emocionalmente para disseminar no expectador mediano o seu conteúdo ideológico de ultra-direita. Daí não dá pra fazer como o excelente ator Wagner Moura ou como o cronista do Globo Artur Xexéu e querer tirar das costas do autor a responsabilidade pela reação da platéia ao vibrar e aplaudir as cenas de tortura e de execução de traficantes, numa catarse orgiástica digna dos espetáculos do Coliseu. Ninguém grita "Caveira" à toa, ninguém aplaude a tentativa de empalamento de uma pessoa à toa, ou, caso mais grave, ninguém sai dizendo, "à toa", como disse uma simpática e esclarecida aluna minha ontem (aliás, aluna da Puc, vejam só que coisa!) que "em tempos de exceção, e como ação preliminar, a curto prazo, ações como a do Bope são necessárias". É preciso entender, primeiro, como o filme dialoga com esta platéia e, principalmente, que platéia é essa com a qual o filme quer dialogar. Entendendo um e outro, dá para afirmar que o filme é, sem dúvida, um audacioso e bem sucedido discurso fascista.

Estou sendo severo? Vamos ao filme, que é o que interessa.

Como produto cinematográfico, o filme é uma prova de excelência. Os atores, a começar pelo excelente Wagner Moura e o novato André Ramiro, dão tudo de si, a fotografia do meu amigo Lula Carvalho é brilhante ( o Waltinho tá correndo o risco de entrar pra história do cinema como o pai do Lula, hehehe, piadinha ), a montagem, frenética como convém a um filme de ação, o roteiro, apesar de ou por causa de algum didatismo, eficiente e com as idas e vindas no assunto, como forma de criar a tensão, estendendo o tempo narrativo da ação presente, como é característica do também meu amigo Bráulio Mantovanni, vide Cidade de Deus, e com tiradas de humor ( às vezes negro ) que amortizam a violência em cena, e uma direção segura que alterna entre a emergência do documental com cenas de refinada carpintaria de mise-en-cene do José Padilha, todos os elementos do filme parecem convergir de forma a resultar num espetáculo realmente eletrizante.
Há os que têm dito que o filme é ruim, "não porque seja direitoso", mas por conta do excessivo didatismo da narração em voice over. Ora, o didatismo é necessário para o filme funcionar persuasivamente na platéia. Por um aspecto, dá ao filme um ar documental - o filme é sabidamente inspirado na experiência de um comandante do BOPE, aliás, co-roteirista do filme, então, colocar o discurso na boca do personagem diretamente inspirado nele cria uma "aura" de realidade, de documental, e todos sabemos o impacto que causa nos expectadores o fato de um filme ser "baseado em fatos, pessoas reais". O mimetismo ( a imitação da vida pela arte), que o cinema mais do que qualquer arte consegue estabelecer, fica ainda mais forte quando o expectador é informado que "aquilo tudo mesmo aconteceu". Por outro lado, ao colocar a narração na primeira pessoa, cria-se um tom confessional entre o personagem e o expectador, de certa forma, distanciando aquilo que se vê e se ouve do autor - quem fala e faz é o personagem, o autor apenas registra imparcialmente ( mais uma característica extraída do documentário, aliás, de onde o diretor é oriundo ). Aliás, o processo de narração em primeira pessoa, que sempre existiu na literatura, é uma técnica de aproximação entre narrador e leitor. Enquanto a narrativa impessoal da terceira pessoa afasta, o eu narrador aproxima, gera cumplicidade entre quem conta/mostra e quem ouve/vê.

Se a narrativa funciona como uma espécie de mantra ou conversa franca entre um homem/personagem e a platéia, a forma como os personagens são construídos é profundamente empática. Erra o Xexéu ao dizer que o personagem Nascimento não é mostrado com um comportamento exemplar de um herói de um filme de ação ( ele faz paralelo com o Jack Bauer da série 24 horas, que da mesma forma, mata e tortura, mas sem perder a aura de herói). Segundo Xexéu, " Nascimento não tem um comportamento exemplar com a família. Bate ( bate? pra mim ele apenas discute, de forma destemperada ) na mulher e mal conhece o filho. E comenta a piada de humor negro sobre um "acidente" que teria causado a surdez num soldado em treinamento comandado por Nascimento. Diante destas características negativas, conclui Xexeu, o capitão Nascimento jamais seria um herói. Portanto, isenta o diretor Padilha de tentar heroicizar o capitão do Bope, que bate, tortura e mata seus inimigos.

Bem, os argumentos de Xexéu são inferiores aos argumentos usados no filme para construir o personagem. Não é a toa que Padilha chamou um bom roteirista como o Mantovanni para trabalhar no roteiro. É um personagem construído na contradição: é um militar para quem missão dada é missão cumprida, mas ao mesmo tempo, consciente do trabalho "sujo" que foi treinado para fazer, sofre problemas emocionais, está estressado e quer desesperadamente deixar a tropa. Então é o clássico herói em crise de consciência. Se a fidelidade aos objetivos, digamos, "profissionais", o faz torturar e matar o "inimigo", isso não o impede de sofrer remorsos quando, por exemplo, vê o sofrimento de uma mãe que perdeu o filho por sua culpa ou omissão.

Discordo que ele mal conhece o filho. Se não tem oportunidades de conviver com o filho, é porque o trabalho o impede de ter uma vida normal. Aliás, poder desfrutar da companhia do filho é uma das razões alegadas por Nascimento para querer arrumar um substituto e largar o Bope.

Se ele briga com a mulher, é no auge de seu desespero, porque se sente culpado pela morte do aspirante Neto, a quem estava forçando a barra para tornar seu "sucessor", mesmo sabendo que o rapaz era visivelmente despreparado emocionalmente para a responsabilidade, por voluntarista e mesmo, porra-louca. Ele agride a mulher no auge de seu descontrole, no momento em que sua consciência está mais pesada: é ao mesmo tempo responsável pela morte do vapor que forçou a delatar os traficantes ( sabendo que ele seria justiçado ) e pela morte do seu discípulo e amigo. Não que isso lhe dê razão para agredir a esposa, mas nós "entendemos" o seu sofrimento, sabemos que ele perdeu a cabeça e que ele acabará punido ( como aliás, acontece, a esposa o abandona ) por conta desse desatino.
Em suma, é um homem que sofre ( ele chora! ), que sente remorsos, que vê sua vida pessoal ser destruída por conta da dura missão que tem para cumprir. Ou, como diz o Wagner Moura, na sua carta ao jornal o Globo, ontem, é um homem que arrisca a vida diariamente, sem nenhum reconhecimento sequer. Se esse homem fiel, ao mesmo tempo crítico ( sabe que está indo para uma operação arriscada não para proteger alguém, mas para os políticos fazerem média com o Papa ), sente remorsos por suas vítimas involuntárias, arrisca a vida até para salvar um bando de policiais corruptos, vive de forma modesta - o apartamento do capitão Nascimento é bem modesto, a geladeira dele é menor até do que a daqui de casa -, se o Nascimento que o filme constrói habilmente não é um herói, o que será um herói? Quanto à piada do "acidente", desculpe-me o Xexéu, mas a piada é boa, e desde sempre, o humor é a forma mais eficaz de humanizar os personagens. Sem contar que a "vítima" ( e teremos provas visuais disto, mais adiante, na parte do filme que mostra o treinamento ) era um "escroto, um corrupto". Por que se sensibilizar por um corrupto que finalmente é punido? Aliás, como já havia feito em Cidade de Deus, dosar humor em momentos de tensão, é um bom truque de roteiro, e o Bráulio faz isso bem.

Outro personagem que merece destaque é o aspirante Matias. Primeiro, ele é negro. Mas não um negro qualquer, é um negro "ProUni", de origem pobre, mas que está em ascensão social, virando classe média. Estuda na PUC, namora a branquinha riquinha, é integro, justo, bem intencionado, mas humano demais. Para poder pertencer ao Bope, ele precisa perder sua humanidade. Da mesma forma como Nascimento deve ter perdido a sua. E que, agora, precisa desesperadamente recuperar. Perder a humanidade é condição essencial para fazer o trabalho sujo que precisa ser feito ( lembrando minha aluna, "ações a curto prazo são necessárias"). O mal tem que ser combatido pelo mal. Ou, melhor, é preciso estar acima do bem e do mal. O batismo de fogo de Matias, movido pela vingança do amigo que morreu por sua causa, não é tratado como uma bestialização, e sim como uma necessária catarse.
Aí eu me pergunto: a construção dos personagens é feita de modo imparcial? A humanização dos personagens, a compreensão de seus conflitos, o choro de Nascimento, a revolta de Matias - se isso não justifica a tortura e as mortes, pelo menos torna os personagens mais críveis, entendemos as razões dos seus atos, ainda que não concordemos com ele. Citando a carta de Wagner Moura, "discordo de quase tudo que o Nascimento faz, mas... " O "mas" é uma espécie de salva-guarda para os erros dos personagens.

Convém ressaltar outro aspecto: os dois traficantes que aparecem no filme, o Baiano e o que é morto na operação de resgate, não são negros. Um é um caboclo nordestino, o outro é louro (!). Talvez a intenção do Padilha tenha sido politicamente correta, por não querer estigmatizar o negro como bandido de sempre, e mostrar que numa sociedade totalmente miscigenada como a nossa, bandido e pobre não tem cor. O estranho é que todo os figurantes do tráfico são negros, mulatos ou pardos. Mas os chefes do tráfico são brancos. Já o "mocinho" Matias é negro.

Portanto, há uma nítida orientação para humanizar os soldados do Bope, dando-lhes caractertísticas positivas, contrabalançando o lado negativo: se Nascimento é brutal, às vezes, ao mesmo tempo ele chora, tem remorsos, está estressado, quer sair daquele trabalho por desumano, tem sua vida pessoal destrúida; Matias, o seu sucessor, além de ser refinado, inteligente, tem a cor do "inimigo", é um homem do povo, veio de baixo, e Neto, ainda que sobre ele pese uma adesão ao Bope que beira quase ao fanatismo, é perdoado pela sua juventude, pela sua honestidade quase pura e, finalmente, é redimido pelo assassinato covarde - é morto pelas costas.

Não ver nisso a mão e o cérebro do diretor é fazer pouco da sua inteligência e da sua autoralidade. Não ver que ele constrói o seu filme com um discurso inteligente ainda que didático, eficiente justamente por didático, que demonstra, meticulosamente, o "sistema" corrupto e corruptor que domina a polícia convencional, que constrói de forma empática seus personagens, que justifica a necessidade de uma força "acima do bem e do mal", a única força capaz de vencer a guerra, uma elite incorruptível, heróis de uniforme negro que sacrificam a vida pessoal ( Nascimento ), uma carreira bem sucedida como advogado ( Matias ), a própria vida ( Neto) para defender a civilização da barbárie.

Citando Brecht, "infeliz uma terra que precisa de heróis". Mas, se precisamos de heróis, é preciso que definamos quem são os vilões.

Numa primeira instância, parece que os vilões do filme são, óbvio, os traficantes. Depois,de forma didática, quase doutrinária, é mostrado que os vilões são a polícia militar e civil, corruptas e coniventes com o crime organizado. Porém, não são esses os verdadeiros inimigos. Tanto os traficantes quanto os policiais corruptos são apenas a ponta do iceberg, a parte visível do problema. É então que o filme aponta finalmente quem são os verdadeiros "vilões": a classe média alta, branca, universitária, com "consciência social". Os filhinhos de papai que fumam maconha, os branquinhos riquinhos bem intencionados que sobem os morros para cuidar dos pobres, as ONGs que atuam nas favelas e que acabam se tornando uma espécie de embaixada para o tráfico ( da mesma forma que as embaixadas eram refúgio para os esquerdistas, na época da ditadura militar ). Nascimento diz, num dado momento: "que um pobre fudido sem nada, sem escola, sem trabalho, entre no tráfico, eu até aceito, mas um filhinho de papai que teve todas as oportunidades, ah..." Vemos o pessoal da ONG confraternizando com o traficante, cheirando pó. Um dos colegas de sala de Matias, membro da ONG faz tráfico na faculdade. Aliás, os personagens da ONG são o que de mais grotesco e pusilânime é apresentado no filme. São piores até do que os PMs corruptos. Além de fazerem um péssimo trabalho didático ( ao ponto de não perceberem que um de seus alunos é ruim nas aulas porque tem problemas de visão ), quando não estão confraternizando com os traficantes, cheirando pó com eles, estão sempre fornicando. Nesse sentido, a cena em que eles são brutalizados, a moça morta e o diretor da ONG fritado no "microondas", perde muito da eficácia, porque os personagens são tão desprezíveis que, ainda que as imagens sejam brutais, não despertam no expectador nenhuma solidariedade ou empatia, sequer pena. No fundo, é bem feito para eles, "quem dorme com cães amanhece com pulgas"- imagino que o expectador mediano deva pensar, no escurinho do cinema.

Mas ao determinar que é a classe média a verdadeira vilã do filme, por consumir drogas, por "passar a mão na cabeça da bandidagem" com seus projetos sociais, por torcer o nariz para as cenas de violência e tortura, Padilha na verdade está apontando seu fuzil com mira laser para um alvo mais específico: não é a classe média em si, mas uma parte dela. Aquela parcela da classe média chamada liberal, aquela que partilha pontos de vista progressistas, mas que no filme são apresentados da forma mais abjeta possível, quase caricaturas: os que defendem a discriminilização ou mesmo a liberação das drogas, no fundo são viciados ou mesmo traficantes. Os que tem consciência social são proxenetas de pobres, promíscuos e acumpliciados com o crime organizado. Os que defendem os direitos humanos, e torcem nariz para a tortura, são os primeiros a pedir penico para a polícia, quando se sentem ameaçados.

E é nesse sentido que o discurso fascistizante do filme se completa. O problema a ser resolvido não são os traficantes. Desses, as cenas que mostram a eficácia dos soldados de preto em matarem os traficantes demonstram que o Bope dá conta. Tampouco é a corrupção policial, a própria criação de uma polícia de elite, incorruptível e sem lugar para a "escória" também demonstra que, em pouco tempo, isso pode ser contornado. Resta o problema maior. Livrar da classe média a sua parcela liberal, no filme definida como promíscua, permissiva, pusilânime.

É sabido que o cinema hoje em dia é frequentado apenas por pessoas da classe média. O povo tem que se contentar com as cópias piratas dos camelôs ( afinal, um ingresso custa 12, 15 reais, por pessoa, enquanto que uma cópia em dvd no camelódromo da Uruguaiana sai por dez pratas, com algum choro, por oito, até cinco e pode ser assistida por várias pessoas). É sabido também que, por sua natureza ideológica, a classe média tende ao conservadorismo, a exceção de uma parcela, mais esclarecida, mais liberal. O filme Tropa de Elite retira a guerra das telas e joga para as platéias: é naquela sala escura do cinema que está o verdadeiro inimigo. Aquele garotão sentado na terceira fileira pode ser um maconheiro. É sabido também que, pressionada entre o sonho de ascensão social e economônica, e o pesadelo do empobrecimento, a classe média é paranóica por natureza.

As imagens do filme funcionam como um doutrinamento. O perigo na verdade não está nas favelas, está no nosso próprio meio. Nossos filhos consomem drogas e financiam os traficantes. Nossas filhas namoram negros... serão eles bons moços como o Matias ou um traficante? Mais provavelmente, pelo número ainda reduzido de negros de classe média ou nas universidades, é bem capaz de ser um traficante. Afinal, ela também deve "fumar" seu pozinho ou "cheirar" sua maconhinha... esse pessoal que defende diretos humanos, no fundo defende assassinos e ladrões, ninguém defende os direitos humanos das vítimas. E o que fazem essas ONGs? A do filme é um antro de viciados lascivos e que mal se importam para a sorte dos pobres ( quem dá o óculos pro menino é o herói do Bope ).

Estarei forçando a barra para criticar um filme? Alguém poderia dizer, mas se o filme é fascistizante, como teria feito o sucesso todo com as classes populares, ao ponto de ser o filme pirata mais assistido de todos os tempos. Não seria contraditório um filme que defende a elite ser tão consumido pelas classes menos favorecidas? Não acho. Primeiro, porque o filme, em sua forma, é bom um filme de ação. Tiros, violência, com uma tensão crescente, vários momentos de ação vertiginosa, um tipo de filme popular por essência. Segundo, qualidade mais sutil, ao colocar um dos protagonistas negro, o filme cria uma clara empatia com o expectador mais pobre, que se identifica com o seu semelhante. Com a vantagem que o personagem é um cara bacana, boa pinta, honesto, traça a branquinha bonitinha da novela das oito, em suma, é "o cara" ( ouvi essa definição do Matias, outro dia, na rua ). O povo gosta de se ver retratado nas telas - diga-se de passagem, quando o ingresso de cinema era barato, na década de setenta até meados dos anos 80, os filmes brasileiros tinham nas classes populares suas maiores platéias ( a classe média sempre foi refratária ao cinema nacional ). E terceiro, porque a população mais pobre no fundo compartilha da visão anti-classe média do filme, como consumidora de drogas, permissiva sexualmente, paternalista e conivente com a marginalidade. E, finalmente, porque boa parcela dessa população mais pobre defende ações autoritárias e repressivas, como pena de morte, tortura, sem perceber que no final estas ações acabam se voltando contra ela próprias.

Basta lembrar que no recente plebiscito sobre o desarmamento, mais de 60% da população votou a favor das armas.

Fácil botar na platéia a culpa dos aplausos toda a vez que o Capitão Nascimento manda colocar seus prisioneiros "de volta pro saco". Mas é ingênuo ou hipócrita fingir que Tropa de Elite não joga e habilmente para a sua platéia.

Tem gente que critica Tropa de Elite dizendo que o filme é ruim. Não é. O filme é bom, muito eficiente, e por isso passa tão bem a sua mensagem fascistizante. Aí que mora o perigo.

Vou parar por aqui. Mais adiante farei um paralelo do TE com alguns filmes que, ao meu ver, são chaves para entender a construção dramática e o discurso ideológico do filme do José Padilha. A saber, Batalha de Argel, de Gillo Pontercorvo, Nascido para matar, de Stanley Kubrick, Mississipi em Chamas, de Allan Parker, Starship Troopers, de Paul Verhoven e, é claro, O Nascimento de uma Nação, de Griffith - aquele que transforma os escravos negros em vilões, os escravocratas brancos em vítimas e os ku-klus-klans em heróis.

Só para que não esqueçam: tortura é crime hediondo.

Fascismo sem máscara ( mas com saco)


"Tropa de Elite", filme de José Padilha (2007)

Fascismo com máscara


"O nascimento de uma nação", filme de D.W. Griffith (1915)

sábado, 1 de setembro de 2007

Deus, o ex-presidente e o filósofo francês


Muito comentada a entrevista do ex-presidente FHC à revista Piauí, onde ele disse que "o Brasil é isso aí mesmo que está, não tem muito jeito". Inúmeras vozes, desde o porta-voz do tucanato Arnaldo Jabor, passando por João Ubaldo Ribeiro ( que um dia escreveu um romance chamado "Viva o Povo Brasileiro", ora vejam como as pessoas mudam), e outros menos ilustres, se uniram em coro ao ceticismo do "Mestre das Trevas" ( não é ironia, afinal o governo FCH foi marcado, entre outras coisas, pelo triste e inesquecível "apagão", que deixou as cidades às escuras e forçou o país a um racionamento compulsório de energia elétrica e um escandaloso aumento nas contas de luz ) para condenar o país a uma triste e imutável incapacidade de mudar, como se fossemos uma nação atavicamente errada, corrupta, atrasada, sem perspectivas, em suma, um país sem jeito.

A reflexão do douto ex-presidente me fez lembrar aquela piadinha em que Deus fala, orgulhoso, que tinha criado um país na Terra que era uma maravilha. Que era dotado de uma rica natureza "em que se plantando tudo dá", com lindas praias, clima ameno, sem nenhum grande problema natural, tipo furacões ou terremotos, etc. Ao que o diabo retorquia: "mas isso é o paraíso". E Deus, mau que nem o picapau, acrescentava: "mas espera pra ver o povinho de merda que vou botar pra viver lá".

Esse tipo de piada grosseira e o raciocínio cético do dublé de sociólogo e político se entrelaçam como raiz e fruto de uma mesma ideologia: o Brasil é um país condenado a não dar certo.

A piada aponta o responsável sem maiores rodeios: é o povo brasileiro o único culpado pelo nosso eterno desacerto como país e nação.

Mais sutil, mas apontando na mesma direção, o ex-professor de Sorbonne, insinua que a responsabilidade do país ser "isso que aí está", que não tem jeito, que é atavicamente atrasado e corrupto, seriam do governo Lula e do PT.
O Brasil seria isso daí. Um povinho de merda, governado pela primeira vez na sua história por um presidente oriundo desta mesma merda de povo. Substancia da qual, obviamente, não foi moldado o ilustre sociólogo, sabidamente feito de outro barro, segundo alguns criado por Deus "à sua imagem e semelhança".
Seja por conta do "povinho de merda" ou por culpa do governo Lula, o Brasil é "isso que aí está, não tem jeito".

Nas entrelinhas, o ex-presidente parece nos dizer: já que o país não muda, já que é eternamente corrupto e incompetente, já que é impossível mudar as estruturas sociais, políticas e econômicas que nos impedem de romper o atraso, porque pensar em mudanças? Melhor deixar como está, de preferência mantendo-o sob a tutela de "profissionais" e não de "amadores". No caso, profissionais seriam eles, a elite que, sob diferentes aspectos e plumagens (desde o corvo Lacerda passando pelo abutre Collor e finalmente o PSDB tucano) sempre governou o país. Amadores seriam Lula e a esquerda, neófitos em governar um país que sempre foi propriedade privada de uma classe.

FHC deixa claro que somente a elite, por conservadora, austera e em sintonia com o capitalismo moderno seria preparada a administrar a "grande massa falida" que seria o Brasil. Enquanto que qualquer projeto reformista ou transformador seria inevitavelmente fadado ao fracasso, à decepção, a meter os pés pelas mãos e no máximo, apenas conseguiria repetir de forma tosca o que eles, FCH e demais governantes da elite brasileira, faziam e fazem com competência.

O que é estranho ( aliás, nem um pouco estranho, uma vez que já está em pleno curso a corrida eleitoral ) é que o discurso do Príncipe dos Sociólogos ( agora sim, é ironia ) vaticine que o Brasil é "isso aí, mesmo, não tem jeito", como se essa condição de erro existisse por si só, pelo atavismo nacional, por um quase determinismo histórico que nos condena ao atraso, e não por consequencia de ações, governos, projetos políticos que se sucederam, numa marcha progressiva, pensada, arquitetada, para preservação e perpetuação de uma elite política e econômica da qual o governo FCH foi talvez uma de suas manifestações mais sofisticadas.

É estranho ( de novo, nem um pouco estranho ) que Jabor, Ubaldo, e boa parte da mídia tenham alardeado a "surpreendente e reveladora" declaração do ex-presidente, como atestado de óbito moral e político da nossa nação, sem em um único momento se perguntar se o "isso que aí está" não seria minimamente consequência daquilo "que veio antes", de tudo aquilo que veio antes, de muito antes, mas que podemos ver claramente, não tão "antes assim", mas bem perto, aquilo que era há pouco tempo atrás, cinco anos atrás, se não quiseremos voltar tanto assim na história.

Não seriam a destruição progressiva, consciente e ordenada de nossa economia pela venda a preço de banana, e ainda assim, através do financiamento do BNDES, das nossas estatais para empresas estrangeiras ou em parceria com o alto capital nacional, verdadeiros cartéis transnacionais, o desmonte do serviço público e do próprio estado através de uma política de terceirização e pela filosofia do "estado mínimo", e a compra de políticos para a aprovação da reeleição do FCH, algumas causas desta condição de sermos "isso que aí está"?

O "fim da história" preconizado pelo neoliberalismo alardeava a imutabilidade do predomínio do capital sobre as nações, os povos, a história em si - o mundo estaria condenado a girar eternamente, cavalinhos de pau presos a um carrossel que roda ao som do realejo de Wall Street.

A sentença apocalíptica de FHC reproduz, com ar blasé dos céticos, o que na década de 90 dizia o igualmente apocalíptico Francis Fukiama, "filósofo" do fim da história, apóstolo do neoliberalismo, arauto da vitória "inconteste" do capitalismo: o ciclo de mudanças se encerrou, o comunismo foi sepultado nos escombros do muro de Berlin, a civilização chegou a seu ápice, personificado nos Estados Unidos, no capital transnacional, da globalização, com a dissolução dos nacionalismos, das culturas populares, a eliminação das diferenças, com o estabelecimento do pensamento único - o pensamento de Washington.
Neste sentido, não existe perspectiva de mudança, somos "isso que aí está".

Somos isso que aí está, não temos jeito, não adianta mudar, tudo continuará como dantes no quartel de abrantes, profetiza FHC, com um fatalismo que lembra Lombroso, ou, mais acertadamente, o Conde Gobineau, cuja foto ilustra esse texto. Pra quem não associa o nome à figura, explico: Joseph Arthur de Gobineau, o conde Gobineau, foi um filósofo francês, expoente da ideologia da superioridade racial branca, que serviu como embaixador no Brasil, durante o reinado de Pedro II, no séc XIX. Chocado com a formação racial brasileira, dizia que a miscigenação formaria uma população degenerada que irremediavelmente condenaria o Brasil ao fracasso.

"Não tenham ilusões, o Brasil é isso que aí está, não tem jeito" - proclama o ex-presidente. Talvez por culpa do "povinho de merda" que Deus, grande sacana, colocou aqui. Talvez por culpa da miscigenação de raças inferiores que criou uma população degenerada, estéril, fadada ao fracasso e à miséria, como vaticinava o racista Gobineau, para quem o Brasil não tinha futuro.

Um país maravilhoso habitado por um povinho de merda. Um país fadado ao fracasso, por conta da miscigenação de raças inferiores. Um país que é "isso que aí está, sem jeito, não tenham ilusões". Como isso soa tão parecido... Estranha convergência de pensamentos.
Aliás, nem tão estranha assim.