quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Quem são nossos ídolos? - a lista - final (10)

Para finalizar esta já extensa lista de grandes roteiristas, nada melhor do que apontar aqui novos e promissores talentos, que com certeza se tornarão referências ( muitos já são ) para quem quiser escrever para cinema.

O primeiro nome não dá para ser chamado de "promissor" pois já é um veterano: Marçal Aquino.

Jornalista, escritor e roteirista, com vários romances e livros de contos publicados, o paulista Marçal Aquino tem seu nome imediatamente ligado ao do igualmente jovem e talentoso diretor Beto Brant.

São parceiros constantes desde "Os matadores". A este seguiram-se Ação entre Amigos e O Invasor, que talvez seja o melhor trabalho da dupla.
Mais precisamente, da primeira fase do trabalho dos parceiros.
Nestes três primeiros filmes, percebe-se um olhar sobre a realidade nacional, focada basicamente numa trama policial com sensibilidade social. A violência da fronteira do Brasil com o Paraguai, quase um far-west nacional, e os matadores de aluguel, a serviço dos grandes fazendeiros, o ajuste de conta tardio e desesperançado de antigos militantes de esquerda contra o agente da repressão que os torturara no passado, nos anos de chumbo, e finalmente, a corrupção e violência que envolvem todas as classes sociais do país, como uma metástase que se alastra pelo corpo da nação doente, a temática do filme é sempre um olhar aguçado e crítico sobre a realidade brasileira, embalado num formato de triller ou drama policialesco.
Eis que ocorre uma reviravolta no trabalho da dupla e a partir de Crime Delicado, começa uma nova fase no trabalho da dupla. Agora o olhar volta-se para o interior, para pequenos dramas individuais e intimistas. E, de certa forma, num novo formato: são filmes que discutem o relacionamento humano, mais especificamente, o amor.
É esse o tema de Crime Delicado, adaptado do romance de Sergio Sant´anna, e Cão sem Dono, o mais recente trabalho da dupla, adaptação do romance "Até o dia em que o cão morreu", do jovem escritor gaúcho Daniel Galera.

Além do trabalho com Brant, Marçal desevolveu uma parceria com Heitor Dhalia, com quem escreveu Nina, uma adaptação bastante livre de Crime e Castigo, de Dostoievski e o excelente O cheiro do ralo, baseado no romance homônimo do desenhista underground Lourenço Muttareli e que considero um dos melhores filmes nacionais dos últimos anos.

Um retrato cruel e mesmo sórdido de um país que parece ter perdido a compostura, um filme cheio de cinismo, mas com sua dose de dor. Um belo filme, e sem dúvida, um dos melhores trabalhos de Marçal de Aquino como roteirista.

Também escritor, com vários romances publicados, o segundo nome "promissor" é o mexicano Guillermo Arriaga, parceiro do excelente diretor Alejandro Gonzalez Iñarritú, e com o qual escreveu três filmes: Amores brutos, ainda no México, e 21 Gramas e Babel, já na fase hollywoodiana de Iñarritu.
De certa forma o prestígio da dupla nasce pela forma fragmentada e caleidoscópica com que Amores brutos é narrado, num processo constante de desconstrução do tempo da ação, com flash-backs e flash-fowards intercalados.
O filme, realmente inovador na sua falsa aparência de filme de episódios, reproduziria a desestruturação emocional e psicológica dos personagens, sua desorientação em relação à condução das próprias vidas, o sentimento desesperador de se estar perdido e como se o controle de seu destino lhes escapasse pelas mãos.
Neste sentido, forma e conteúdo eram orgânicos: a fragmentação da narrativa traduzia o caos daqueles personagens.
Mas a exaustiva repetição dessa idéia ( e da forma ) nos filmes seguintes, acabou por desgastar o que seria uma característica narrativa da dupla, tornando-se um esquema, quase um maneirismo, postiço e portanto, desnecessário.
Em 21 gramas por exemplo, minha impressão foi que, passado os primeiros 20 minutos de filme, em que a história é narrada de forma totalmente fragmentada, e o tempo pulverizado com os contínuos deslocamentos de tempo, para trás e para frente, o drama dos tres personagens principais torna-se plenamente compreensível, e a fragmentação torna-se desnecessária, por inferior à força do conflito dos personagens.
Na verdade, a sensação é quase de irritação, pois as marcas do esquema de fragmentação cronológica da narrativa começam a tornar-se muito visíveis. Então, o que era uma necessidade orgânica da forma traduzir o conteúdo acaba virando um truque de virtuosismo, excessivo, postiço e desnecessário.

Particularmente, considero o melhor roteiro de Arriaga o belo filme de Tom Lee Jones, Os três enterros de Melchiades Estrada, onde o esquema é abandonado e sua vigorosa capacidade narrativa e seus personagens cheios de ambigua humanidade são devidamente aproveitados. Não à toa, o roteiro foi premiado no Festival de Cannes.

Mais recentemente, escreveu, a partir de seu próprio romance, Búfalo da noite, ainda inédito no Brasil ( passou no Festival do Rio, mas não há data para seu lançamento comercial ).

Após Babel, houve a ruidosa separação da dupla, com acusações de Arriaga à Iñarritu, que particularmente não desejo comentar. Lamentei o fim da dupla, pois acreditava que eles conseguiriam superar o esquema que haviam criado e finalmente produzir um novo e vigoroso filme, com a originalidade e força de Amores Brutos. Talento eles têm de sobra. Quem sabe separados, os dois venham atingir, por caminhos diferentes, este objetivo, satisfazendo assim à minha expectativa?

De qualquer forma, Arriaga está dirigindo seu primeiro longa-metragem de ficção ( já havia dirigido no México dois documentários ), com produção norte-americana, "The Burning Plain", que conta com Charlize Theron e Kim Bassinger no elenco.

Por fim, o terceiro nome que considero importante ressaltar é de um roteirista que pessoalmente nem me agrada tanto assim, mas que com certeza é importante e cuja carreira ainda iniciante, tem tudo para tornar-se referencial para os jovens e futuros roteiristas.

Trata-se de Charlie Kaufman.

Egresso da televisão, onde escrevia sit-coms como "Ned & Stacey","The Dana Carvey show" e "The problem with Larry", Kauffman se tornou um grande nome no cinema americano a partir de Quero Ser John Malkovich, estréia do então diretor de video-clipes Spike Jonze no cinema, um filme independente, que seduziu o Establishment e acabou sendo indicado ao Oscar de melhor roteiro original.
Em seguida viriam Natureza Humana, de Michel Gondry, que pessoalmente acho mais interessante do que Quero ser John Malkovich apesar de não ter feito muito sucesso.
Novamente com Jonze, faz o bizarro Adaptação, que muita gente acha fantástico, ao ponto de ser novamente indicado ao Oscar, mas que eu particularmente acho chatérrimo e esquemático, ainda que partindo de uma boa idéia e que tenha aqui e ali, algumas boas gags.


Em seguinda, e novamente com Gondry, Kaufman escreve Brilho Eterno de uma mente sem lembranças, com o qual ganha finalmente o Oscar. Nitidamente inspirado em Je t´aime, Je t´aime, de Allan Resnais, o filme é interessante, sem dúvida o melhor roteiro de Kaufman até então. Mas persiste a sensação de que, como nos anteriores, o roteiro começa bem e instigante, partindo de uma idéia original, mas que degringola do meio do segundo ato em diante, se esticando demasiada e enfadonhamente, e apelando para uma solução insatisfatória e meio postiça no final.

Em Brilho Eterno, o final é até bacana, mas persiste o problema no "meio do campo".

O melhor roteiro de Kaufman para mim é Confissões de uma mente perigosa, que ele escreveu para George Clooney. Neste, os problemas narrativos recorrentes de Kaufman parecem bem resolvidos, sem prejuizo à originalidade da trama. Mas li numa reportagem que Kaufman repudiou o trabalho, ficando revoltado com as mudanças que Clooney teria feito no roteiro, sem sua autorização. Então penso que os acertos foram cometidos pelo diretor, e que possivelmente o roteiro original possuísse os mesmos e já citados problemas dos outros trabalhos de Kaufman.

Nesta mesma reportagem, Kaufman alegava ser um autor, e que os filmes na verdade eram reproduções daquilo que escrevia, estavam subordinados ao seu texto. Não à toa, ele era o produtor dos filmes de Jonze e de Gondry. Achei-o profundamente pedante e equivocado. De qualquer forma, é um nome que irá certamente produzir mais coisas e quem sabe, mais maduro, despido dessa pose de diva, passe a entender que o roteiro é parte de um filme, e não o filme no papel.

Aliás, talvez essa maturidade chegue em breve: ele está dirigindo agora seu primeiro longa.

E com esses nomes encerro a lista dos roteiristas que devem ser devidamente conhecidos e estudados por qualquer um que queira se aventurar nessa seara chamada roteiro.

( E, lembrando a origem e a finalidade primeira dessa lista, posso responder ao meu querido aluno Renato: taí a lista dos nossos ídolos que você pedia. Agora você já tem a quem citar, quando algum aluno pernóstico de direção vier falar de Godard ou Glauber ou Orson Welles... )

domingo, 27 de janeiro de 2008

Quem são nossos ídolos? - A lista (9)

Não poderia fechar a lista dos grandes roteiristas sem mencionar Gerard Brach.
Esse grande roteirista francês está indissociavelmente ligado a um dos maiores cineastas de todos os tempos, Roman Polanski.

Quase toda a obra do genial diretor polonês foi escrita por Brach, numa das parcerias mais longevas e profílicas da história do cinema, competindo talvez com a dupla Buñuel e Carriére em matéria de clássicos.

A parceria de Brach com Polanski começa no primeiro filme que o diretor realizou, fora da Polônia: um dos episódios do longa "As mais belas trapaceiras do mundo", que contava com a participação de outros cineastas, como Godard, Chabrol, etc.

Logo em seguida, Brach escreveria Repulsa ao sexo, um dos melhores filmes de Polanski, estrelado por uma fria e belíssima Catherine Deneuve.

Repulsa ao sexo é um filme perverso, que fala sobre loucura, morte e sexo - temas caros a Polanski, que ele revisitaria em filmes posteriores, como O inquilino e Lua de Fel (os dois escritos por Brach ). De certa forma, pode ser entendido também como uma espécie de filme de terror - gênero que Polanski domina como poucos e que também é frequente em sua obra.

Depois viria Armadilha do destino, mais conhecido pelo título original Cul-de-sac. Essa pequena obra prima surrealista, com toques de Samuel Beckett é uma mistura de filme noir com comédia de humor negro. Personagens estranhos que se cruzam, encurralados dentro de um pequeno labirinto, se envolvendo em situações cada vez mais absurdas, num tom que beira o non-sense.

Quando Polanski atravessa o oceano e vai filmar em Hollywood, Brach segue com ele. Juntos, fariam A dança dos Vampiros, uma comédia divertidissíma, que seria o primeiro dos grandes sucessos de Polanski na América.

A dança dos vampiros tem gags antológicas, como a do vampiro gay, talvez a melhor de todas piadas sobre vampiro já feitas ( depois, Neil Jordan faria uma versão séria dessa gag, Entrevista com vampiro, com sua coleção de vampiros gays ou bissexuais, mas convenhamos que como piada a situação é muito mais interessante ).

Brach não acompanhou as seguintes produções de Polanski na América, voltando a trabalhar com o amigo somente no pequeno, pouco conhecido e estranho "Que?" um filme que Polaski faria, num intervalo entre suas grandes produções hollywoodianas como O bebê de Rosemary e Chinatown. "Que?" é uma espécie de Alice no país das maravilhas erótico e o clima de labirinto surrealista mais uma vez se repete aqui.

Em 1976, de volta de sua longa temporada nos EUA, Polanski e Brach se reunem para criar mais uma obra-prima: O inquilino.

O filme é um híbrido de comédia de humor negro e filme de terror, e narra o progressivo enlouquecimento de um jovem tímido ( interpretado pelo próprio Polanski ) que começa a absorver a identidade da antiga moradora do apartamento em que mora, e que havia se suicidado pouco tempo antes. Os vizinhos do prédio formam uma coleção de personagens bizarros, em muito semelhantes aos vizinhos de Rosemary, no edifício Dakota, só que mais aterradores e muito mais engraçados. O inquilino fecharia uma trilogia bolada por Polanski, chamada a trilogia do apartamento, composta por Repulsa ao sexo e Bebê de Rosemary - de fato, os tres filmes têm em comum o cenário principal ser um apartamento, além da temática do enlouquecimento dos personagens e sua filiação ao gênero do terror.

Sempre com Polanski, Brach escreveria também "Tess" ( estrelado por Natassja Kinski no explendor de seus 18 anos, belíssima ), o fracasso "Piratas", uma tentativa de reviver os clássicos de capa e espada, estrelado por Walter Mattaw, seguido pelo hitchcockiano Busca Frenética, estrelado por Harison Ford e que marcaria a estréia de Emmanuelle Seigner, estonteante atriz de formas quase brasileiras, então esposa do diretor, e que se tornaria sua musa, fazendo com ele outros dois filmes, entre eles, o genial Lua de Fel.


Lua de fel é, sem dúvida, o melhor trabalho da dupla Polanski e Brach desde O inquilino.
Novamente em cena os temas recorrentes de sexo, morte e loucura.
O humor negro que é marca da dupla, assim como os personagens pervertidos, amorais, estão presentes numa narrativa cheia de flash-backs e mudanças de narrador e de ponto de vista, gerando um instigante jogo de quebra-cabeças, onde verdade e mentira se sucedem e se confundem. Além de Seigner, estão no elenco Peter Coyote, Hugh Grant e Kristin Scoth-Thomas. Lua de fel seria o último trabalho de Brach com Polanski. O fim da parceria com fecho de ouro. Um grande filme, e um roteiro impecável.

Mas a carreira de Brach não está de modo nenhum subordinada à de Polanski.

Paralelamente aos trabalhos realizados com o genial cineasta, Brach escreveu para outros renomados diretores, sendo que o mais recorrente deles foi o francês Jean Jacques Annaud, formando uma parceria tão notável e profíqua como a que mantinha com Polanski.

A nova parceria começa com um dos filmes mais originais já realizados até hoje, o fascinante A Guerra do Fogo. A trama do filme é genial: como forma de se defender de uma tribo mais forte e violenta, um grupo de homens da caverna sai em procura do fogo. Nessa busca, eles cruzam com tribos que vivem diferentes e simultâneos estágios de desenvolvimento, tanto os mais primitivos, presos ainda à uma fase animalesca, e portanto, já em vias de extinção, e os que atingiram precocemente uma fase mais próxima ao que poderíamos chamar de civilização, e que também caminham para a extinção, por conta da decadência em que se encontram. Deste modo, o homem se confronta com seu passado e o seu futuro, e através disso, consegue encontrar os meios de sobreviver. Se historica ou antropologicamente essa trama possa ser questionada, como fantasia, é brilhante.

Em seguida, Brach adaptaria para Annaud o romance de Umberto Eco, O nome da rosa. O filme, que fez uma carreira brilhante, tornando-se um dos maiores sucessos comerciais da carreira de Annaud, é bem inferior ao livro, como entretenimento, mesmo, e a adaptação de certa forma é subserviente ao cinema hollywoodiano, abusando de clichês e do maniqueísmo que de certa forma caracteriza os filmes de ação norte-americanos. Mas nem de longe é um filme ruim, ao contrário, tem grandes méritos. Centrando basicamente na trama investigativa da história de Eco, uma bela homenagem a Sherlock Holmes, o filme se desenrola como um belo filme de detetive, com mistérios, reviravoltas surpreendentes, tipos misteriosos, mulher sedutora e, óbvio, assassinatos. Tudo isso passado dentro de um mosteiro. É um filme divertido, com excelentes atuações de Sean Connery, F. Murray Abraham e de Christian Slater.

O filme seguinte de Annaud é "O Urso", estranha e bela fábula cujo protagonista é um urso. Fique bem claro que não é um filme para crianças. É um belo filme, com toques de Jean-Jacques Rousseau em sua reflexão sobre a vida selvagem. Um momento genial do filme é quando o Urso ainda filhote, come cogumelos e vive uma experiência lisérgica.

Em 1992, Brach e Annaud adaptariam o famoso romance de Marguerite Duras, O Amante, de cunho profundamente auto-biográfico, realizando um belo filme, ao mesmo tempo poético e pontuado por um forte erotismo, pleno de cenas de sexo ousadas, protagonizadas por Jane March e Tony Leung. É um filme melancólico, triste até ( como de resto, é a literatura de Duras). O filme conta também com uma bela narração, a cabo de Jeanne Moreau. Este seria o último trabalho da parceria Annaud-Brach.

Outro diretor com quem Brach faria bons trabalhos é o russo Andrey Konchalovsky, para quem escreveu o belo "Os amantes de Maria", drama protagonizado por Natassja Kinski, o sumido John Savage e o veterano Robert Mitchum, e que marcou a estréia de Konchalovsky em Hollywood.

Depois, Brach escreveria o roteiro de Shy People, Gente diferente, talvez o melhor trabalho de Konchalovsky no cinema americano, um drama passado nos pantanais da Louisiana, totalmente narrado sob a ótica profundamente feminina, mostrando o conflito entre uma burguesa de Nova York, esclarecida, sofisticada ( vivida por Jill Clayburgh ) e sua prima caipira, obtusa, arcaica, magistralmente interpretada por Barbara Hershey ( premiada em Cannes pela sua performance ) e, num terceiro ponto de vista, a testemunha desse confronto de personalidades e, principalmente, de mundos tão diferentes, ainda que simultâneos, a filha adolescente da mulher da cidade, uma irritante patricinha interpretada por Martha Plimpton ( uma talentosa atriz mirim que desapareceu, depois de adulta).

Outro diretor com quem Brach trabalhou bastante é o francês Claude Berri, para quem, entre outros trabalhos, escreveu a bela saga Jean de Florette, baseado na obra de Marcel Pagnol - drama realizado em duas partes, distintas, Jean de Florette, com Gerárd Depardieu e Yves Montand e a continuação, A vingança de Manon, com Yves Montand e Emanuelle Beart.

Brach chegou a dirigir alguns filmes, como Le Bateau sur l´herbe, cujo roteiro foi escrito por Polanski, numa memorável troca de papéis.

Brach morreu em 2006.

(continua).

sábado, 26 de janeiro de 2008

Quem são nossos ídolos ? - a lista (8)

Esta lista já está ficando maior que o livro dos santos... ( temo que sua intenção se desvirtue e daqui a pouco estejam acendendo velas e fazendo pedidos para os roteiristas aqui citados... ).

Mas dois nomes não podem ficar de fora. Dois grandes roteiristas, cujo trabalho realmente é inspirador.

O primeiro deles é o inglês Robert Bolt.
Também oriundo do teatro, Bolt é um nome que está associado ao grande diretor David Lean, de quem foi parceiro em alguns de seus mais importantes fimes.

Sua primeira parceria com Lean foi o espetacular Lawrence da Arábia, baseado nas aventuras do polêmico militar inglês, T.H. Lawrence, um dos mais belos filmes já realizados em todos os tempos e que lançou ao estrelato o então jovem e belíssimo ator Peter O´Toole ( que recentemente, tem retornado às telas com pequenos e interessantes filmes, como Vênus) .

O roteiro, que foi indicado ao Oscar, retrata com perfeição as ambiguidades de Lawrence, inclusive seu discutido homossexualismo, e sua dedicação à emancipação dos povos árabes, em detrimento inclusive dos interesses britânicos, a quem deveria responder, primeiramente. O filme conta com atuações memoráveis do já citado O´Toole, de Omar Sharif ( que depois iria estrelar Dr. Jivago ), Anthony Quinn e Alec Guinness.

Há uma polêmica acerca do roteiro, que teria sido escrito também por Michael Wilson. Wilson, grande roteirista, autor de "Um lugar ao sol" e "Planeta dos macacos", escrevera com David Lean "A Ponte do rio Kwai", teria sido o primeiro roteirista a participar de Lawrence, mas como estava na "lista negra" de Hollywood, por conta do maccartismo ( junto com Dalton Trumbo, já citado aqui anteriormente), acabou não sendo creditado. Dizem as más línguas que a razão de sua exclusão deve-se menos ao fato de estar lista negra do que ao temperamento excessivamente ciumento e autoral de Bolt, que recusou a parceria.

De qualquer forma, a partir de 1995, com Bolt, Lean e Wilson já falecidos, seu nome foi finalmente incluído nos créditos, constando já nas versões em dvd do filme.

A parceria de Bolt com Lean rendeu também o não menos grandioso Dr. Jivago, adaptação do famoso romance de Boris Pasternak, pelo qual ganhou seu primeiro Oscar como roteirista.
O filme, de todo magistral, ficou conhecido entre outras razões pelo belo Tema de Lara, uma das mais famosas músicas oriundas do cinema, e que quase todo mundo assobia, sem associar ao filme ou ao seu compositor, Michael Jarre.
Dr. Jivago é um dos mais belos dramas românticos de todos os tempos, narrando o sofrido romance entre Jivago e Lara, cheio de encontros e desencontros (mais estes do que aqueles) em meio à dramática Revolução Russa e define, com perfeição, a premissa cinematográfica de Lean: o drama individual e particular eclodindo em meio a um forte conflito social.
No elenco, Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin e Tom Couternay.

Bolt escreveu também A filha de Ryan, um belo filme de Lean, mas meio subestimado ( talvez por ser menos grandioso que os anteriores, em termos de produção ). Novamente presente aqui a temática do drama indivídual em meio a um conturbado processo histórico, no caso, um romance adúltero que ocorre em meio à revolução irlandesa. Sendo que a esposa trai o marido irlandês com um oficial britânico, o que acirra ainda mais o conflito, pois ela não só está traindo o esposo, mas toda a causa revolucionária e patriótica. O filme traz excelentes atuações de Sarah Miles, Robert Mitchum e Trevor Howard.


Bolt ganharia seu segundo Oscar por O homem que não vendeu sua alma, adaptado de sua própria e prestigiada peça teatral, The man for all seasons, dirigida pelo grande diretor Fred Zinnemann. Baseado na história real de sir Thomas Moore, que era o conselheiro e preferido do rei Henrique VIII mas que acabou decapitado por se recusar a renunciar ao catolicismo e endossar o divórcio do rei, que queria se casar com Ana Bolena ( que depois, já casada e rainha, seria decapitada, também, para permitir um novo casamento de Henrique, mas isso é outra história e outro filme, "Ana dos mil dias"), o filme ganhou, além do já citado Oscar de roteiro, outros cinco Oscars. É um belo drama histórico, que de vez em quando passa de madrugada na televisão.

Além desses, Bolt escreveu também O grande motim, segunda refilmagem ( a versão original, dos anos 30, tinha Clark Gable e Charles Lawgton no elenco, sendo refilmado primeiramente nos anos 60, com Marlon Brando e Trevor Howard, nos papéis que nesta versão seriam entregues a Mel Gibson e "sir" Anthony Hopkins ) sobre a história real do motim no navio inglês Bounty, no século XVIII.

Bolt dirigiria um filme, Lady Caroline Lamb, mas a má recepção da crítica fez com que abandonasse o projeto de tornar-se diretor.

Seu último trabalho como roteirista foi A Missão,dirigido por Rolland Joffé, belo drama ambientado nas "missões" jesuíticas no sudoeste brasileiro - e que de certa forma busca repetir a fórmula de Lean, grandes produções baseadas em fatos históricos que na verdade não passam de filmes intimistas, sobre o drama de consciência de homens em meio a importantes processos históricos. E deu certo pois, além de ser um belo filme, foi premiado com a Palma de Ouro, em Cannes.
Com belas interpretações de Robert de Niro, Jeremy Irons e Liam Neeson e Aidan Quinn no começo da carreira.



O outro nome indispensável numa lista de grandes roteiristas é o norte-americano Robert Towne, também diretor.



Pertencente à geração de artistas que surgiu nos anos 60 e que foi responsável pela última era de ouro do cinema americano, chamada "Nova Hollywood" ( o período de dez anos que vai de Bonnie e Clide à Rede de Intrigas, já comentado aqui ), ao lado de Coppola, Scorsese, Arthur Penn, Brian de Palma, Jack Nicholson, Dennis Hooper, Spielberg, entre outros, Towne é imediatamente lembrado por seu principal roteiro, Chinatown, dirigido por Roman Polansky, magistral homenagem ao cinema noir e que lhe rendeu o Oscar de roteiro original.


A carreira de Towne começa no início dos anos 60, na produtora do rei dos filmes "B", Roger Corman, escrevendo (e às vezes até atuando ) alguns dos filmes do cineasta notabilizado por fazer filmes com baixissimo orçamento e com uma velocidade assombrosa ( há casos de filmes rodados em apenas um dia ). São desta fase os roteiros de "A última mulher sobre a Terra", ficção científica apocalíptica e erótica, e "O gato fantasma", baseado em conto de Edgar Allan Poe e estrelado por Vicent Price, o astro das produções de Corman.

Trabalhando com Corman, Towne iria conhecer aquele que durante muito tempo seria seu parceiro e camarada, Jack Nicholson, para quem escreveria o longa Drive, He said, obscura incursão de Nicholson na direção. É dessa época também sua parceria com o mítico John Cassavetes, para quem escreveria o curta "My daddy can lick your daddy".

Tendo participado do roteiro do clássico de Arthur Penn, Uma rajada de balas - Bonnie e Clyde, sem entretanto ser creditado por este trabalho ( o roteiro é oficialmente atribuido a Robert Benton e David Newman), Towne começa a ser reconhecido como um roteirista "sério" e promissor.


Trabalha depois como scriptdoctor em O poderoso chefão, de Coppola, o que consagraria seu nome como roteirista profissional.


É quando escreve o roteiro do filme de Hal Ashby, A Última missão, comédia dramática estrelada por seu chapa Nicholson. A Última Missão lhe valeu uma indicação para o Oscar e com isso, uma valorização imediata de seu trabalho. (Aliás, abrindo um parentesis, Hal Ashby é um grande diretor norte-americano que anda esquecido, atualmente, apesar de ter feito grandes sucessos como este A última missão, Harold e Maude, Essa terra é minha terra, Amargo Regresso e Muito Além do Jardim. Vou falar dele, numa próxima postagem ).

A última missão, entre outros méritos, iria consagrar definitivamente Jack Nicholson como um dos maiores atores norte-americanos.

Em seguida vem Chinatown e o Oscar de melhor roteiro. Este maravilhoso filme, em que tudo funciona com perfeição, desde o roteiro espetacular de Towne, à direção soberba de Polansky, passando pelas interpretações antológicas de Nicholson, Faye Dunaway e John Huston ( no papel do patriarca Noah Barnes, aliás uma justa homenagem ao pai dos filmes "noir"), é muito analisado, sendo inclusive a base de toda "teoria" de roteiro do Syd Field. Justiça seja feita, a análise do roteiro do filme por Field é a melhor coisa que ele fez ( conferir no seu livro Manual do roteiro).



Depois de Chinatown, Towne escreveria a comédia romântica Shampoo, nova parceria com Hal Ashby, que estrelada e produzida por Warren Beatty, que também assina o roteiro. Novamente, Towne foi indicado ao Oscar, por este trabalho.


Este filme seria veículo para a consagração de Beatty como grande galã americano. Posteriormente, Beatty começaria uma carreira como diretor, realizando entre outros o belo filme Reds ( que em algum momento comentarei aqui ).

Depois de Nicholson, Beatty é um dos seus principais parceiros e camaradas. Towne escreveu para ele dois roteiros, sem ser entretanto creditado: A Trama ( the Paralaxx view ) e O céu pode esperar.


Para Jack Nicholson e Arthur Penn, e mais uma vez não creditado, trabalharia no roteiro de Duelo de Titãs, curioso western estrelado por Marlon Brando e Nicholson.

O sucesso como roteirista levou Towne para a direção. Seu primeiro filme é As parceiras, drama baseado em fatos reais, sobre a equipe de atletismo feminino norte-americano nas olímpiadas de 1980, em Los Angeles, envolvendo lesbianismo, cenas de sexo soft, etc. O filme foi estrelado por Mariel Hemingway, então estrela em ascensão em Hollywood.


Em seguida, realiza Conspiração Tequila, pretensioso e confuso triller, numa trama que misturava elementos do cinema noir, com tráfico de drogas, traições, contando com um elenco estelar, encabeçado por Mel Gibson, Michelle Pfeiffer, Kurt Russel e Raul Julia.

Paralelamente à carreira de diretor, segue como roteirista, escrevendo Greystoke - A lenda de Tarzã, que assinou com o pseudônimo de P.H. Vazak e com o qual foi mais uma vez indicado ao Oscar.

Em 1990, escreve a esperada sequência de Chinatown, chamada A chave do enigma ( the Two jakes ), que almeja dirigir.

Depois de uma longa e desgastante pré-produção, quem levou a direção foi seu amigo e parceiro Jack Nicholson, que dirigiu e interpretou o filme, de resto bem inferior à Chinatown, algo confuso, apesar de charmoso.

O filme contava com um elenco interessante, além de Nicholson, com participações de Harvey Keitel, Meg Tilly, James Huong.

Towne segue escrevendo e dirigindo. Trabalha mais uma vez com seu parceiro de Chinatown, Pollansky, no triller "Busca Frenética", mas mais uma vez seu nome não entra nos créditos. Ao mesmo tempo que estabelece uma parceria com Tom Cruise, escrevendo os roteiros de Dias de trovão, A firma, Missão Impossível I e II, dirige os filmes Prova de Fogo, mais um drama ambientado no mundo do atletismo e mais uma vez mal recebido pela crítica, voltando a escrever com seu amigo Waren Beatty o filme "Amor sem limites", refilmagem de Tarde Demais para esquecer, estrelado por Beatty e sua esposa, Annette Bening.


Sua mais recente obra como diretor foi a adaptação da obra de John Fante, Pergunte ao Pó, estrelado por Salma Hayek e Collin Farrell, que dividiu opinões: alguns adoraram o filme, enquanto outros, talvez leitores do romance de Fante, odiaram.

Talvez Towne sofra daquela maldição que é atribuída aos roteiristas que dirigem, cujos filmes acabam sendo chamados de "filmes de roteiristas", que é um termo pejorativo com o qual se define boas narrativas mediocremente filmadas.

Mas ainda que como diretor, Towne seja bastante ( e injustamente ) criticado, seu trabalho como roteirista é sempre irretocável. E cujos roteiros precisam ser sempre analisados e cotejados por qualquer um que deseje se tornar um roteirista.

(continua)

diálogo palestino-israelense


(precisa traduzir?)

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008


Da série "Grandes diálogos do cinema" (para estudantes de roteiro):

Ray
She took his dinner in to him once. Me mum, in the pub, and plonked it in front of him on a tray. Knife and fork, salt and pepper. He said, "What's that?" She said, "It's your dinner. I thought you might be hungry. You ain't eaten for three fucking days. You live in here, you might as well fucking eat in here." It's funny. He didn't like that, did he? Mugged him up in front of his mates. Thought more of them cunts than he did us. Lovely. Yeah. She got a clump over that. Well, she would, wouldn't she? He was always pissed in there, weren't he? You know? We go in the pub to get our living, you know? That's where we do our business. He'd be there spunking out while we're sitting at home without a dinar, you know, thank you. And he'd promise things. You know? Promise to take us places, you know? Never did. Never took us anywhere. And when he did bother to come home he'd sit in that fucking chair, doss off with his tray in his lap. And I'd just stand there looking at him. I'd look in his face, and my mother'd go upstairs, and I'd say, "Say, Mum, ain't Daddy coming to bed?" And she'd say, "No. No, he's all right, son. He'll come up when he wakes up." He's gotta wake up to go to bed! Now, I'd stand there looking at this fucking old man, you know, my dad, you know, in that chair, that horrible fucking chair with the shiny, worn-out arms. I should've burnt the fucking thing. By the end he was hemorrhaging from both ends, you know? I used to hear him in the morning hanging on to the kharzi. It was lovely. Never stopped him going to the pub, though. No, he was well enough to do that. Now, one day, right, he's staggering across the pub pissed from the night before. He's gone over, crunch, right on his mooey, like a fucking ironing board. His hooter's around here, his railings all over the fucking place. Me and me mum had to go the hospital to see him. We walked in. He's laying in bed. He's got tubes up his arms, fucking up his nose, down the back of his Gregory. He didn't look well. Fucking vodka was keeping him alive. Well, I ain't that interested, so I'm having a little mooch about, you know. I looked above his bed, and there's this sign, right, with some weird writing on it. I couldn't read too well at the time. I said to my mum, "Mum, what's that say? You know, that sign above Daddy's head." All right? She said, "Nil by mouth." "What's that, a football score?" One-nil, three-nil, two-nil, a geezer called fucking Nil. Yeah. I said, "Well, what's it mean?" She said, "It means...”

Mark
It means nothing to eat.

Ray
Yeah, nothing down the... [points into his mouth]

Mark
Nothing down the... Yeah.

Ray
Yeah, all right. I remembered that day, because I could've put that on his fucking tombstone, you know? Because I don't remember one kiss, you know, one cuddle. Nothing. I mean, plenty went down, not a lot came out, you know, nothing that was any fucking good. And I'd look at this man that I call Dad, you know? My father, I knew him as Dad. He was my fucking dad but he weren't like other kids' dads, you know? It was as if the word itself were enough, and it ain't.

Mark
That ain't when he died though, is it?

Ray
No. He lived another ten years, slippery old cunt. He died one afternoon in that fucking armchair. About right. I went around to see him, you know, when he was plotted up at me mother's.

Mark
Hatcham Road?

Ray
Yeah, Hatcham Road. He was upstairs in that front bedroom. Laid out.

Mark
Free.

Ray
Yeah. Yeah. I've gone up there, gone in. I'm sitting on the bed looking at him. He's laying there like... Mullered. And it was like he'd shrunk, you know? He was a big man.

Mark
He was a lump.

Ray
Yeah. You should know. You got enough clumps off the cunt. (sighs) And I just touched him, you know? He was fucking freezing cold. It frightened the life out of me. I was looking at him, you know? For the first time in my life, I talked to him. I said, "Why didn't you ever love me?"

Ray (Ray Winstone) e Mark ( Jamie Foreman ) em Violento e Profano, de Gary Oldman. Roteiro de Gary Oldman.

Esse belo diálogo, uma confissão pungente, quase um monólogo, um solilóquio (as intervenções de Mark funcionam mais como eco, como uma espécie de coro que sublinha alguns momentos da confissão de Ray, ou, simplesmente, como "escada" para o protagonista )com as pausas, o tom correto, a respiração pesada de quem está abrindo as entranhas, não deve durar menos de dois, dois minutos e meio.
Me pergunto que diretor ou produtor brasileiro permitiria um momento assim num roteiro.
-"Blá, blá, blá" - seria a primeira reação."Isso é teatro", diriam alguns mais ilustrados. "Isso é televisão", retrucariam os mais ignorantes. "É bonito para ler, mas não como ação", talvez argumentassem os mais sensíveis, mas igualmente avaros produtores e diretores nacionais. "Não sei filmar gente falando", talvez confessasse o diretor mais sincero. A maioria pediria para diminuir o texto, "dar uma enxugada". Outros, simplesmente, pediriam para limar.
É por essas e outras que a atividade de roteirista é tão desgastante.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Quem são nossos ídolos? - A lista (7)

Sei que sou suspeito, mas nenhuma lista dos grandes roteiristas estaria completa sem o nome de Jorge Durán. Os mais de vinte anos de amizade que mantemos, na qual nossa relação foi evoluindo de discípulo, assistente, aprendiz, colaborador e finalmente, colega de profissão, talvez me impeçam de uma apreciação objetiva do trabalho do Durán.

Mas, quem me obriga a ser objetivo? Aqui é apenas e tão somente um espaço onde expresso meu particular ponto de vista - ou simplesmente, onde jogo conversa fora. No mais, a opinião que tenho sobre o Durán é partilhada por quase a totalidade dos roteiristas. É um verdadeiro mestre.

Penso que devemos sempre ter a obra do Durán como referência ao encarar nosso trabalho. Não que ele acerte sempre. Pelo contrário, às vezes ele erra e feio. Mas é justamente essa experiência, que acumula títulos históricos e fundamentais entre os acertos, e alguns deslizes em filmes no todo infelizes, que faz de Duran o grande roteirista que é.

Chileno, Durán estudou teatro, tendo começado a vida como ator. Depois começou a trabalhar em cinema, como assistente de direção. Trabalhou com o famoso diretor greco-francês Costa-Gravas, em "Estado de Sítio", filmado no Chile. Parece que eles se deram super-bem. Tanto que o Durán ganhou de Costa-Gravas dois presentes: um visor de diretor ( view-finder ) com uma carinhosa dedicatória, impressa no aparelho e o plano final do filme ( é quase uma aparição, Duran surge como um guerrilheiro tupamaro remanescente, após a repressão, de modo a dizer que a luta continuaria ). Nessa época, Durán começa a escrever seus primeiros roteiros, que no entanto, não conseguirá ver filmados. Em 1973, o presidente socialista Salvador Allende seria derrubado por um golpe militar, com a intalação de uma das mais cruéis e sangrentas ( e longevas ) ditaduras do continente, comandada pelo famigerado Pinochet. Como a vida sob a ditadura ficou intolerável, Duran veio ganhar a vida no Brasil. A fama de ter sido assistente do Costa-Gravas lhe abriu as portas, e ele trabalhou com Jabor, Cacá Diegues, Bruno Barreto, Ruy Guerra, ou seja, como a nata do cinema brasileiro dos anos 70. Mas seu encontro com Hector Babenco, com quem trabalhou em "O rei da noite" ( primeiro longa de Babenco), iria marcar sua transição de assistente de direção para roteirista. Com e para Babenco escreve o roteiro de "Lúcio Flávio, o passageiro da agonia", a partir do romance reportagem do escritor, jornalista e também roteirista José Louzeiro ( que co-assina o roteiro ). Seria seu primeiro sucesso.

Os convites começaram a aparecer.
Ele escreve para Tizuka Yamazaki o roteiro de Gaijin, os caminhos da liberdade, com o qual a diretora estrearia.
Saga da imigração japonesa para o Brasil, no começo do século, inspirado na história pessoal de Tizuka, Gaijin é um belo filme, e o roteiro do Durán é sem dúvida um dos grandes responsáveis pela qualidade do filme. Um dos grandes momentos do filme é quando o peão nordestino ( interpretado com o talento de sempre por Zé Dumont), igualmente migrante, tenta ensinar o português ( ou seria mais apropriado, o "brasileiro" ) aos japoneses. Cena em que humor e lirismo se conjugam, com maestria.

Em seguida, e de novo com Babenco, a partir de um romance-reportagem de José Louzeiro, Duran faria aquele que seria considerado o seu melhor roteiro ( ou pelo menos, o trabalho com o qual até hoje é conhecido ) Pixote, a lei do mais fraco.
Em Pixote, estão delineadas todas as características dos trabalhos de Duran: a sua aguçada sensibilidade social, seus personagens duros, agressivos, provocadores, uma simpatia evidente pelos outsiders, pelo marginal, pelo errado ( como contraponto do que a sociedade, ou mais corretamente, o status quo considera correto ), o realismo que não abre brechas para nenhuma possibilidade melodramática ou piegas, e, ao mesmo tempo, uma capacidade de fazer poesia com situações e personagens tão avessos ao lirismo. E claro, dentro da medida do possível, o humor, com o qual Duran sempre pincela seus trabalhos. O filme foi um dos maiores sucessos do cinema brasileiro, e alavancou a carreira de Babenco no cinema hollywoodiano. E obviamente consolidou o nome do Durán como roteirista.

É nessa época que escreve o poético "O sonho não acabou", de Sergio Rezende (em parceria com o Zé Joffily, que à essa época se aventurava no roteiro), o excelente Nunca fomos tão felizes ( estréia do prestigiado fotógrafo Murilo Salles na direção, aliás, Durán podia ser definido como roteirista de diretores estreantes, e pé quente, pois esses estreantes, como Babenco, Tizuka e Murilo acabaram tornando-se grandes nomes do cinema brasileiro ), e "O rei do Rio" ( de Fábio Barreto, novamente em parceria com Joffily ), adaptação da peça O rei de Ramos, de Dias Gomes ( que por sua vez, havia sido a base da novela Bandeira 2, do proprio Dias, de grande sucesso na década de 70).


É desse período tambem que escreve, e novamente para Babenco, a adaptação da famosa peça do escritor argentino Manuel Puig, O beijo da Mulher-Aranha. Mas depois o filme tornou-se uma co-produção internacional, o o roteiro foi reescrito e assinado unicamente por Leonard Schrader ( irmão do Paul, já falamos nele em outra postagem).

Se não me engano, Durán foi creditado como "adaptação literária", seja lá o que isso signifique.

Paralelamente ao trabalho como roteirista, começou a fazer também produção de filmes, visando a direção. Dirigiu um filme, O Escolhido de Yemanjá, para Jece Valadão, que acabou não sendo lançado comercialmente ( creio que recentemente foi exibido na televisão ) Até que em 1986 consegue dirigir seu primeiro longa-metragem, A cor do seu destino, que amealhou uma infinidade de prêmios e teve uma recepção muito boa da crítica, e uma razoável carreira comercial ( razoável para as bases do cinema brasileiro nos anos 80, os 150 mil expectadores que fez podia ser pouco naquela época, hoje seria uma das maiores bilheterias nacionais, pra se ter uma idéia de quanto perdemos, do Collor para cá... ). Mas o sucesso de "A cor do seu destino", ao contrário do que se esperava, não alavancou sua carreira como diretor. Os tempos estavam mudando, naquele final da década de 80, e para pior. A eleição do Collor e o subsequente desmonte de toda estrutura que subsidiava a produção nacional literalmente acabaram com o cinema brasileiro. Para se ter uma idéia da crise, basta pensar que a média de 100 filmes produzidos anualmente no Brasil, nos anos 70 e 80, caiu para tres títulos, em 1991.

As carreiras refluiram, os profissionais tiveram que buscar outros meios de sobrevivência. As coisas começaram a melhorar, na metade da década de 90. Mas Durán teve que adiar seu retorno à direção, seguindo escrevendo, tendo feito entre outros, o roteiro do polêmico Como Nascem os anjos, novamente para Murilo Salles, "Fica Comigo" ( uma bomba, certamente o pior filme da Tizuka Yamazaki e o momento mais infeliz da carreira do Duran ), "Uma onda no ar"( para Helvécio Ratton), além de escrever roteiros para dois jovens diretores latinos, "Last Call", da chilena Christine Lucas e "Mi mejor enemigo", do argentino Alex Bowen.

Finalmente, em 2007, exatamente 20 anos depois de "A cor de seu destino", retorna com o emocionante Proibido Proibir, que como o primeiro, falava de jovens, seus sonhos, ansiedades, perplexidades. Ao mesmo tempo, com uma forte crítica social e um poderoso discurso político e moral, que ademais, é marca dos roteiros do Durán.
O fato de ser chileno o faz ver o Brasil melhor do que muito brasileiro. Melhor, de forma mais crítica, mas ao mesmo tempo, sempre apaixonada.
Da mesma forma que A cor..., Proibido Proibir amealhou dezenas de prêmios em diversos festivais, obteve uma excelente resposta da crítica, mas não fez uma carreira comercial tão boa. Mas felizmente, o sucesso agora obteve uma resposta mais rápida: Durán já prepara seu novo longa como diretor, "Gabriel".

Mas Duran continua escrevendo, e entre seus trabalhos como roteirista mais recentes, está a boa adaptação do conto de Cortazar, Jogo Subterrâneo, dirigido por Roberto Gervitz. Também é muito solicitado como "script doctor", participando de diversos work-shops de roteiro no Brasil e no exterior.

E paralelamente às suas atividades como roteirista e diretor, Durán segue dando aulas.

Tenho certeza de que, dos alunos que passaram e passarão por suas mãos ( "a mão do mestre", piada que corre à boca miúda entre nós, demais roteristas ) sairão futuros grandes roteiristas.

Eu sou prova cabal disso. Duran foi meu mestre, e a ele sou eterno devedor,além de ser seu grande admirador.
(continua )