sábado, 26 de janeiro de 2008

Quem são nossos ídolos ? - a lista (8)

Esta lista já está ficando maior que o livro dos santos... ( temo que sua intenção se desvirtue e daqui a pouco estejam acendendo velas e fazendo pedidos para os roteiristas aqui citados... ).

Mas dois nomes não podem ficar de fora. Dois grandes roteiristas, cujo trabalho realmente é inspirador.

O primeiro deles é o inglês Robert Bolt.
Também oriundo do teatro, Bolt é um nome que está associado ao grande diretor David Lean, de quem foi parceiro em alguns de seus mais importantes fimes.

Sua primeira parceria com Lean foi o espetacular Lawrence da Arábia, baseado nas aventuras do polêmico militar inglês, T.H. Lawrence, um dos mais belos filmes já realizados em todos os tempos e que lançou ao estrelato o então jovem e belíssimo ator Peter O´Toole ( que recentemente, tem retornado às telas com pequenos e interessantes filmes, como Vênus) .

O roteiro, que foi indicado ao Oscar, retrata com perfeição as ambiguidades de Lawrence, inclusive seu discutido homossexualismo, e sua dedicação à emancipação dos povos árabes, em detrimento inclusive dos interesses britânicos, a quem deveria responder, primeiramente. O filme conta com atuações memoráveis do já citado O´Toole, de Omar Sharif ( que depois iria estrelar Dr. Jivago ), Anthony Quinn e Alec Guinness.

Há uma polêmica acerca do roteiro, que teria sido escrito também por Michael Wilson. Wilson, grande roteirista, autor de "Um lugar ao sol" e "Planeta dos macacos", escrevera com David Lean "A Ponte do rio Kwai", teria sido o primeiro roteirista a participar de Lawrence, mas como estava na "lista negra" de Hollywood, por conta do maccartismo ( junto com Dalton Trumbo, já citado aqui anteriormente), acabou não sendo creditado. Dizem as más línguas que a razão de sua exclusão deve-se menos ao fato de estar lista negra do que ao temperamento excessivamente ciumento e autoral de Bolt, que recusou a parceria.

De qualquer forma, a partir de 1995, com Bolt, Lean e Wilson já falecidos, seu nome foi finalmente incluído nos créditos, constando já nas versões em dvd do filme.

A parceria de Bolt com Lean rendeu também o não menos grandioso Dr. Jivago, adaptação do famoso romance de Boris Pasternak, pelo qual ganhou seu primeiro Oscar como roteirista.
O filme, de todo magistral, ficou conhecido entre outras razões pelo belo Tema de Lara, uma das mais famosas músicas oriundas do cinema, e que quase todo mundo assobia, sem associar ao filme ou ao seu compositor, Michael Jarre.
Dr. Jivago é um dos mais belos dramas românticos de todos os tempos, narrando o sofrido romance entre Jivago e Lara, cheio de encontros e desencontros (mais estes do que aqueles) em meio à dramática Revolução Russa e define, com perfeição, a premissa cinematográfica de Lean: o drama individual e particular eclodindo em meio a um forte conflito social.
No elenco, Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin e Tom Couternay.

Bolt escreveu também A filha de Ryan, um belo filme de Lean, mas meio subestimado ( talvez por ser menos grandioso que os anteriores, em termos de produção ). Novamente presente aqui a temática do drama indivídual em meio a um conturbado processo histórico, no caso, um romance adúltero que ocorre em meio à revolução irlandesa. Sendo que a esposa trai o marido irlandês com um oficial britânico, o que acirra ainda mais o conflito, pois ela não só está traindo o esposo, mas toda a causa revolucionária e patriótica. O filme traz excelentes atuações de Sarah Miles, Robert Mitchum e Trevor Howard.


Bolt ganharia seu segundo Oscar por O homem que não vendeu sua alma, adaptado de sua própria e prestigiada peça teatral, The man for all seasons, dirigida pelo grande diretor Fred Zinnemann. Baseado na história real de sir Thomas Moore, que era o conselheiro e preferido do rei Henrique VIII mas que acabou decapitado por se recusar a renunciar ao catolicismo e endossar o divórcio do rei, que queria se casar com Ana Bolena ( que depois, já casada e rainha, seria decapitada, também, para permitir um novo casamento de Henrique, mas isso é outra história e outro filme, "Ana dos mil dias"), o filme ganhou, além do já citado Oscar de roteiro, outros cinco Oscars. É um belo drama histórico, que de vez em quando passa de madrugada na televisão.

Além desses, Bolt escreveu também O grande motim, segunda refilmagem ( a versão original, dos anos 30, tinha Clark Gable e Charles Lawgton no elenco, sendo refilmado primeiramente nos anos 60, com Marlon Brando e Trevor Howard, nos papéis que nesta versão seriam entregues a Mel Gibson e "sir" Anthony Hopkins ) sobre a história real do motim no navio inglês Bounty, no século XVIII.

Bolt dirigiria um filme, Lady Caroline Lamb, mas a má recepção da crítica fez com que abandonasse o projeto de tornar-se diretor.

Seu último trabalho como roteirista foi A Missão,dirigido por Rolland Joffé, belo drama ambientado nas "missões" jesuíticas no sudoeste brasileiro - e que de certa forma busca repetir a fórmula de Lean, grandes produções baseadas em fatos históricos que na verdade não passam de filmes intimistas, sobre o drama de consciência de homens em meio a importantes processos históricos. E deu certo pois, além de ser um belo filme, foi premiado com a Palma de Ouro, em Cannes.
Com belas interpretações de Robert de Niro, Jeremy Irons e Liam Neeson e Aidan Quinn no começo da carreira.



O outro nome indispensável numa lista de grandes roteiristas é o norte-americano Robert Towne, também diretor.



Pertencente à geração de artistas que surgiu nos anos 60 e que foi responsável pela última era de ouro do cinema americano, chamada "Nova Hollywood" ( o período de dez anos que vai de Bonnie e Clide à Rede de Intrigas, já comentado aqui ), ao lado de Coppola, Scorsese, Arthur Penn, Brian de Palma, Jack Nicholson, Dennis Hooper, Spielberg, entre outros, Towne é imediatamente lembrado por seu principal roteiro, Chinatown, dirigido por Roman Polansky, magistral homenagem ao cinema noir e que lhe rendeu o Oscar de roteiro original.


A carreira de Towne começa no início dos anos 60, na produtora do rei dos filmes "B", Roger Corman, escrevendo (e às vezes até atuando ) alguns dos filmes do cineasta notabilizado por fazer filmes com baixissimo orçamento e com uma velocidade assombrosa ( há casos de filmes rodados em apenas um dia ). São desta fase os roteiros de "A última mulher sobre a Terra", ficção científica apocalíptica e erótica, e "O gato fantasma", baseado em conto de Edgar Allan Poe e estrelado por Vicent Price, o astro das produções de Corman.

Trabalhando com Corman, Towne iria conhecer aquele que durante muito tempo seria seu parceiro e camarada, Jack Nicholson, para quem escreveria o longa Drive, He said, obscura incursão de Nicholson na direção. É dessa época também sua parceria com o mítico John Cassavetes, para quem escreveria o curta "My daddy can lick your daddy".

Tendo participado do roteiro do clássico de Arthur Penn, Uma rajada de balas - Bonnie e Clyde, sem entretanto ser creditado por este trabalho ( o roteiro é oficialmente atribuido a Robert Benton e David Newman), Towne começa a ser reconhecido como um roteirista "sério" e promissor.


Trabalha depois como scriptdoctor em O poderoso chefão, de Coppola, o que consagraria seu nome como roteirista profissional.


É quando escreve o roteiro do filme de Hal Ashby, A Última missão, comédia dramática estrelada por seu chapa Nicholson. A Última Missão lhe valeu uma indicação para o Oscar e com isso, uma valorização imediata de seu trabalho. (Aliás, abrindo um parentesis, Hal Ashby é um grande diretor norte-americano que anda esquecido, atualmente, apesar de ter feito grandes sucessos como este A última missão, Harold e Maude, Essa terra é minha terra, Amargo Regresso e Muito Além do Jardim. Vou falar dele, numa próxima postagem ).

A última missão, entre outros méritos, iria consagrar definitivamente Jack Nicholson como um dos maiores atores norte-americanos.

Em seguida vem Chinatown e o Oscar de melhor roteiro. Este maravilhoso filme, em que tudo funciona com perfeição, desde o roteiro espetacular de Towne, à direção soberba de Polansky, passando pelas interpretações antológicas de Nicholson, Faye Dunaway e John Huston ( no papel do patriarca Noah Barnes, aliás uma justa homenagem ao pai dos filmes "noir"), é muito analisado, sendo inclusive a base de toda "teoria" de roteiro do Syd Field. Justiça seja feita, a análise do roteiro do filme por Field é a melhor coisa que ele fez ( conferir no seu livro Manual do roteiro).



Depois de Chinatown, Towne escreveria a comédia romântica Shampoo, nova parceria com Hal Ashby, que estrelada e produzida por Warren Beatty, que também assina o roteiro. Novamente, Towne foi indicado ao Oscar, por este trabalho.


Este filme seria veículo para a consagração de Beatty como grande galã americano. Posteriormente, Beatty começaria uma carreira como diretor, realizando entre outros o belo filme Reds ( que em algum momento comentarei aqui ).

Depois de Nicholson, Beatty é um dos seus principais parceiros e camaradas. Towne escreveu para ele dois roteiros, sem ser entretanto creditado: A Trama ( the Paralaxx view ) e O céu pode esperar.


Para Jack Nicholson e Arthur Penn, e mais uma vez não creditado, trabalharia no roteiro de Duelo de Titãs, curioso western estrelado por Marlon Brando e Nicholson.

O sucesso como roteirista levou Towne para a direção. Seu primeiro filme é As parceiras, drama baseado em fatos reais, sobre a equipe de atletismo feminino norte-americano nas olímpiadas de 1980, em Los Angeles, envolvendo lesbianismo, cenas de sexo soft, etc. O filme foi estrelado por Mariel Hemingway, então estrela em ascensão em Hollywood.


Em seguida, realiza Conspiração Tequila, pretensioso e confuso triller, numa trama que misturava elementos do cinema noir, com tráfico de drogas, traições, contando com um elenco estelar, encabeçado por Mel Gibson, Michelle Pfeiffer, Kurt Russel e Raul Julia.

Paralelamente à carreira de diretor, segue como roteirista, escrevendo Greystoke - A lenda de Tarzã, que assinou com o pseudônimo de P.H. Vazak e com o qual foi mais uma vez indicado ao Oscar.

Em 1990, escreve a esperada sequência de Chinatown, chamada A chave do enigma ( the Two jakes ), que almeja dirigir.

Depois de uma longa e desgastante pré-produção, quem levou a direção foi seu amigo e parceiro Jack Nicholson, que dirigiu e interpretou o filme, de resto bem inferior à Chinatown, algo confuso, apesar de charmoso.

O filme contava com um elenco interessante, além de Nicholson, com participações de Harvey Keitel, Meg Tilly, James Huong.

Towne segue escrevendo e dirigindo. Trabalha mais uma vez com seu parceiro de Chinatown, Pollansky, no triller "Busca Frenética", mas mais uma vez seu nome não entra nos créditos. Ao mesmo tempo que estabelece uma parceria com Tom Cruise, escrevendo os roteiros de Dias de trovão, A firma, Missão Impossível I e II, dirige os filmes Prova de Fogo, mais um drama ambientado no mundo do atletismo e mais uma vez mal recebido pela crítica, voltando a escrever com seu amigo Waren Beatty o filme "Amor sem limites", refilmagem de Tarde Demais para esquecer, estrelado por Beatty e sua esposa, Annette Bening.


Sua mais recente obra como diretor foi a adaptação da obra de John Fante, Pergunte ao Pó, estrelado por Salma Hayek e Collin Farrell, que dividiu opinões: alguns adoraram o filme, enquanto outros, talvez leitores do romance de Fante, odiaram.

Talvez Towne sofra daquela maldição que é atribuída aos roteiristas que dirigem, cujos filmes acabam sendo chamados de "filmes de roteiristas", que é um termo pejorativo com o qual se define boas narrativas mediocremente filmadas.

Mas ainda que como diretor, Towne seja bastante ( e injustamente ) criticado, seu trabalho como roteirista é sempre irretocável. E cujos roteiros precisam ser sempre analisados e cotejados por qualquer um que deseje se tornar um roteirista.

(continua)

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