quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Quem são nossos ídolos? - A lista (7)

Sei que sou suspeito, mas nenhuma lista dos grandes roteiristas estaria completa sem o nome de Jorge Durán. Os mais de vinte anos de amizade que mantemos, na qual nossa relação foi evoluindo de discípulo, assistente, aprendiz, colaborador e finalmente, colega de profissão, talvez me impeçam de uma apreciação objetiva do trabalho do Durán.

Mas, quem me obriga a ser objetivo? Aqui é apenas e tão somente um espaço onde expresso meu particular ponto de vista - ou simplesmente, onde jogo conversa fora. No mais, a opinião que tenho sobre o Durán é partilhada por quase a totalidade dos roteiristas. É um verdadeiro mestre.

Penso que devemos sempre ter a obra do Durán como referência ao encarar nosso trabalho. Não que ele acerte sempre. Pelo contrário, às vezes ele erra e feio. Mas é justamente essa experiência, que acumula títulos históricos e fundamentais entre os acertos, e alguns deslizes em filmes no todo infelizes, que faz de Duran o grande roteirista que é.

Chileno, Durán estudou teatro, tendo começado a vida como ator. Depois começou a trabalhar em cinema, como assistente de direção. Trabalhou com o famoso diretor greco-francês Costa-Gravas, em "Estado de Sítio", filmado no Chile. Parece que eles se deram super-bem. Tanto que o Durán ganhou de Costa-Gravas dois presentes: um visor de diretor ( view-finder ) com uma carinhosa dedicatória, impressa no aparelho e o plano final do filme ( é quase uma aparição, Duran surge como um guerrilheiro tupamaro remanescente, após a repressão, de modo a dizer que a luta continuaria ). Nessa época, Durán começa a escrever seus primeiros roteiros, que no entanto, não conseguirá ver filmados. Em 1973, o presidente socialista Salvador Allende seria derrubado por um golpe militar, com a intalação de uma das mais cruéis e sangrentas ( e longevas ) ditaduras do continente, comandada pelo famigerado Pinochet. Como a vida sob a ditadura ficou intolerável, Duran veio ganhar a vida no Brasil. A fama de ter sido assistente do Costa-Gravas lhe abriu as portas, e ele trabalhou com Jabor, Cacá Diegues, Bruno Barreto, Ruy Guerra, ou seja, como a nata do cinema brasileiro dos anos 70. Mas seu encontro com Hector Babenco, com quem trabalhou em "O rei da noite" ( primeiro longa de Babenco), iria marcar sua transição de assistente de direção para roteirista. Com e para Babenco escreve o roteiro de "Lúcio Flávio, o passageiro da agonia", a partir do romance reportagem do escritor, jornalista e também roteirista José Louzeiro ( que co-assina o roteiro ). Seria seu primeiro sucesso.

Os convites começaram a aparecer.
Ele escreve para Tizuka Yamazaki o roteiro de Gaijin, os caminhos da liberdade, com o qual a diretora estrearia.
Saga da imigração japonesa para o Brasil, no começo do século, inspirado na história pessoal de Tizuka, Gaijin é um belo filme, e o roteiro do Durán é sem dúvida um dos grandes responsáveis pela qualidade do filme. Um dos grandes momentos do filme é quando o peão nordestino ( interpretado com o talento de sempre por Zé Dumont), igualmente migrante, tenta ensinar o português ( ou seria mais apropriado, o "brasileiro" ) aos japoneses. Cena em que humor e lirismo se conjugam, com maestria.

Em seguida, e de novo com Babenco, a partir de um romance-reportagem de José Louzeiro, Duran faria aquele que seria considerado o seu melhor roteiro ( ou pelo menos, o trabalho com o qual até hoje é conhecido ) Pixote, a lei do mais fraco.
Em Pixote, estão delineadas todas as características dos trabalhos de Duran: a sua aguçada sensibilidade social, seus personagens duros, agressivos, provocadores, uma simpatia evidente pelos outsiders, pelo marginal, pelo errado ( como contraponto do que a sociedade, ou mais corretamente, o status quo considera correto ), o realismo que não abre brechas para nenhuma possibilidade melodramática ou piegas, e, ao mesmo tempo, uma capacidade de fazer poesia com situações e personagens tão avessos ao lirismo. E claro, dentro da medida do possível, o humor, com o qual Duran sempre pincela seus trabalhos. O filme foi um dos maiores sucessos do cinema brasileiro, e alavancou a carreira de Babenco no cinema hollywoodiano. E obviamente consolidou o nome do Durán como roteirista.

É nessa época que escreve o poético "O sonho não acabou", de Sergio Rezende (em parceria com o Zé Joffily, que à essa época se aventurava no roteiro), o excelente Nunca fomos tão felizes ( estréia do prestigiado fotógrafo Murilo Salles na direção, aliás, Durán podia ser definido como roteirista de diretores estreantes, e pé quente, pois esses estreantes, como Babenco, Tizuka e Murilo acabaram tornando-se grandes nomes do cinema brasileiro ), e "O rei do Rio" ( de Fábio Barreto, novamente em parceria com Joffily ), adaptação da peça O rei de Ramos, de Dias Gomes ( que por sua vez, havia sido a base da novela Bandeira 2, do proprio Dias, de grande sucesso na década de 70).


É desse período tambem que escreve, e novamente para Babenco, a adaptação da famosa peça do escritor argentino Manuel Puig, O beijo da Mulher-Aranha. Mas depois o filme tornou-se uma co-produção internacional, o o roteiro foi reescrito e assinado unicamente por Leonard Schrader ( irmão do Paul, já falamos nele em outra postagem).

Se não me engano, Durán foi creditado como "adaptação literária", seja lá o que isso signifique.

Paralelamente ao trabalho como roteirista, começou a fazer também produção de filmes, visando a direção. Dirigiu um filme, O Escolhido de Yemanjá, para Jece Valadão, que acabou não sendo lançado comercialmente ( creio que recentemente foi exibido na televisão ) Até que em 1986 consegue dirigir seu primeiro longa-metragem, A cor do seu destino, que amealhou uma infinidade de prêmios e teve uma recepção muito boa da crítica, e uma razoável carreira comercial ( razoável para as bases do cinema brasileiro nos anos 80, os 150 mil expectadores que fez podia ser pouco naquela época, hoje seria uma das maiores bilheterias nacionais, pra se ter uma idéia de quanto perdemos, do Collor para cá... ). Mas o sucesso de "A cor do seu destino", ao contrário do que se esperava, não alavancou sua carreira como diretor. Os tempos estavam mudando, naquele final da década de 80, e para pior. A eleição do Collor e o subsequente desmonte de toda estrutura que subsidiava a produção nacional literalmente acabaram com o cinema brasileiro. Para se ter uma idéia da crise, basta pensar que a média de 100 filmes produzidos anualmente no Brasil, nos anos 70 e 80, caiu para tres títulos, em 1991.

As carreiras refluiram, os profissionais tiveram que buscar outros meios de sobrevivência. As coisas começaram a melhorar, na metade da década de 90. Mas Durán teve que adiar seu retorno à direção, seguindo escrevendo, tendo feito entre outros, o roteiro do polêmico Como Nascem os anjos, novamente para Murilo Salles, "Fica Comigo" ( uma bomba, certamente o pior filme da Tizuka Yamazaki e o momento mais infeliz da carreira do Duran ), "Uma onda no ar"( para Helvécio Ratton), além de escrever roteiros para dois jovens diretores latinos, "Last Call", da chilena Christine Lucas e "Mi mejor enemigo", do argentino Alex Bowen.

Finalmente, em 2007, exatamente 20 anos depois de "A cor de seu destino", retorna com o emocionante Proibido Proibir, que como o primeiro, falava de jovens, seus sonhos, ansiedades, perplexidades. Ao mesmo tempo, com uma forte crítica social e um poderoso discurso político e moral, que ademais, é marca dos roteiros do Durán.
O fato de ser chileno o faz ver o Brasil melhor do que muito brasileiro. Melhor, de forma mais crítica, mas ao mesmo tempo, sempre apaixonada.
Da mesma forma que A cor..., Proibido Proibir amealhou dezenas de prêmios em diversos festivais, obteve uma excelente resposta da crítica, mas não fez uma carreira comercial tão boa. Mas felizmente, o sucesso agora obteve uma resposta mais rápida: Durán já prepara seu novo longa como diretor, "Gabriel".

Mas Duran continua escrevendo, e entre seus trabalhos como roteirista mais recentes, está a boa adaptação do conto de Cortazar, Jogo Subterrâneo, dirigido por Roberto Gervitz. Também é muito solicitado como "script doctor", participando de diversos work-shops de roteiro no Brasil e no exterior.

E paralelamente às suas atividades como roteirista e diretor, Durán segue dando aulas.

Tenho certeza de que, dos alunos que passaram e passarão por suas mãos ( "a mão do mestre", piada que corre à boca miúda entre nós, demais roteristas ) sairão futuros grandes roteiristas.

Eu sou prova cabal disso. Duran foi meu mestre, e a ele sou eterno devedor,além de ser seu grande admirador.
(continua )

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