domingo, 27 de janeiro de 2008

Quem são nossos ídolos? - A lista (9)

Não poderia fechar a lista dos grandes roteiristas sem mencionar Gerard Brach.
Esse grande roteirista francês está indissociavelmente ligado a um dos maiores cineastas de todos os tempos, Roman Polanski.

Quase toda a obra do genial diretor polonês foi escrita por Brach, numa das parcerias mais longevas e profílicas da história do cinema, competindo talvez com a dupla Buñuel e Carriére em matéria de clássicos.

A parceria de Brach com Polanski começa no primeiro filme que o diretor realizou, fora da Polônia: um dos episódios do longa "As mais belas trapaceiras do mundo", que contava com a participação de outros cineastas, como Godard, Chabrol, etc.

Logo em seguida, Brach escreveria Repulsa ao sexo, um dos melhores filmes de Polanski, estrelado por uma fria e belíssima Catherine Deneuve.

Repulsa ao sexo é um filme perverso, que fala sobre loucura, morte e sexo - temas caros a Polanski, que ele revisitaria em filmes posteriores, como O inquilino e Lua de Fel (os dois escritos por Brach ). De certa forma, pode ser entendido também como uma espécie de filme de terror - gênero que Polanski domina como poucos e que também é frequente em sua obra.

Depois viria Armadilha do destino, mais conhecido pelo título original Cul-de-sac. Essa pequena obra prima surrealista, com toques de Samuel Beckett é uma mistura de filme noir com comédia de humor negro. Personagens estranhos que se cruzam, encurralados dentro de um pequeno labirinto, se envolvendo em situações cada vez mais absurdas, num tom que beira o non-sense.

Quando Polanski atravessa o oceano e vai filmar em Hollywood, Brach segue com ele. Juntos, fariam A dança dos Vampiros, uma comédia divertidissíma, que seria o primeiro dos grandes sucessos de Polanski na América.

A dança dos vampiros tem gags antológicas, como a do vampiro gay, talvez a melhor de todas piadas sobre vampiro já feitas ( depois, Neil Jordan faria uma versão séria dessa gag, Entrevista com vampiro, com sua coleção de vampiros gays ou bissexuais, mas convenhamos que como piada a situação é muito mais interessante ).

Brach não acompanhou as seguintes produções de Polanski na América, voltando a trabalhar com o amigo somente no pequeno, pouco conhecido e estranho "Que?" um filme que Polaski faria, num intervalo entre suas grandes produções hollywoodianas como O bebê de Rosemary e Chinatown. "Que?" é uma espécie de Alice no país das maravilhas erótico e o clima de labirinto surrealista mais uma vez se repete aqui.

Em 1976, de volta de sua longa temporada nos EUA, Polanski e Brach se reunem para criar mais uma obra-prima: O inquilino.

O filme é um híbrido de comédia de humor negro e filme de terror, e narra o progressivo enlouquecimento de um jovem tímido ( interpretado pelo próprio Polanski ) que começa a absorver a identidade da antiga moradora do apartamento em que mora, e que havia se suicidado pouco tempo antes. Os vizinhos do prédio formam uma coleção de personagens bizarros, em muito semelhantes aos vizinhos de Rosemary, no edifício Dakota, só que mais aterradores e muito mais engraçados. O inquilino fecharia uma trilogia bolada por Polanski, chamada a trilogia do apartamento, composta por Repulsa ao sexo e Bebê de Rosemary - de fato, os tres filmes têm em comum o cenário principal ser um apartamento, além da temática do enlouquecimento dos personagens e sua filiação ao gênero do terror.

Sempre com Polanski, Brach escreveria também "Tess" ( estrelado por Natassja Kinski no explendor de seus 18 anos, belíssima ), o fracasso "Piratas", uma tentativa de reviver os clássicos de capa e espada, estrelado por Walter Mattaw, seguido pelo hitchcockiano Busca Frenética, estrelado por Harison Ford e que marcaria a estréia de Emmanuelle Seigner, estonteante atriz de formas quase brasileiras, então esposa do diretor, e que se tornaria sua musa, fazendo com ele outros dois filmes, entre eles, o genial Lua de Fel.


Lua de fel é, sem dúvida, o melhor trabalho da dupla Polanski e Brach desde O inquilino.
Novamente em cena os temas recorrentes de sexo, morte e loucura.
O humor negro que é marca da dupla, assim como os personagens pervertidos, amorais, estão presentes numa narrativa cheia de flash-backs e mudanças de narrador e de ponto de vista, gerando um instigante jogo de quebra-cabeças, onde verdade e mentira se sucedem e se confundem. Além de Seigner, estão no elenco Peter Coyote, Hugh Grant e Kristin Scoth-Thomas. Lua de fel seria o último trabalho de Brach com Polanski. O fim da parceria com fecho de ouro. Um grande filme, e um roteiro impecável.

Mas a carreira de Brach não está de modo nenhum subordinada à de Polanski.

Paralelamente aos trabalhos realizados com o genial cineasta, Brach escreveu para outros renomados diretores, sendo que o mais recorrente deles foi o francês Jean Jacques Annaud, formando uma parceria tão notável e profíqua como a que mantinha com Polanski.

A nova parceria começa com um dos filmes mais originais já realizados até hoje, o fascinante A Guerra do Fogo. A trama do filme é genial: como forma de se defender de uma tribo mais forte e violenta, um grupo de homens da caverna sai em procura do fogo. Nessa busca, eles cruzam com tribos que vivem diferentes e simultâneos estágios de desenvolvimento, tanto os mais primitivos, presos ainda à uma fase animalesca, e portanto, já em vias de extinção, e os que atingiram precocemente uma fase mais próxima ao que poderíamos chamar de civilização, e que também caminham para a extinção, por conta da decadência em que se encontram. Deste modo, o homem se confronta com seu passado e o seu futuro, e através disso, consegue encontrar os meios de sobreviver. Se historica ou antropologicamente essa trama possa ser questionada, como fantasia, é brilhante.

Em seguida, Brach adaptaria para Annaud o romance de Umberto Eco, O nome da rosa. O filme, que fez uma carreira brilhante, tornando-se um dos maiores sucessos comerciais da carreira de Annaud, é bem inferior ao livro, como entretenimento, mesmo, e a adaptação de certa forma é subserviente ao cinema hollywoodiano, abusando de clichês e do maniqueísmo que de certa forma caracteriza os filmes de ação norte-americanos. Mas nem de longe é um filme ruim, ao contrário, tem grandes méritos. Centrando basicamente na trama investigativa da história de Eco, uma bela homenagem a Sherlock Holmes, o filme se desenrola como um belo filme de detetive, com mistérios, reviravoltas surpreendentes, tipos misteriosos, mulher sedutora e, óbvio, assassinatos. Tudo isso passado dentro de um mosteiro. É um filme divertido, com excelentes atuações de Sean Connery, F. Murray Abraham e de Christian Slater.

O filme seguinte de Annaud é "O Urso", estranha e bela fábula cujo protagonista é um urso. Fique bem claro que não é um filme para crianças. É um belo filme, com toques de Jean-Jacques Rousseau em sua reflexão sobre a vida selvagem. Um momento genial do filme é quando o Urso ainda filhote, come cogumelos e vive uma experiência lisérgica.

Em 1992, Brach e Annaud adaptariam o famoso romance de Marguerite Duras, O Amante, de cunho profundamente auto-biográfico, realizando um belo filme, ao mesmo tempo poético e pontuado por um forte erotismo, pleno de cenas de sexo ousadas, protagonizadas por Jane March e Tony Leung. É um filme melancólico, triste até ( como de resto, é a literatura de Duras). O filme conta também com uma bela narração, a cabo de Jeanne Moreau. Este seria o último trabalho da parceria Annaud-Brach.

Outro diretor com quem Brach faria bons trabalhos é o russo Andrey Konchalovsky, para quem escreveu o belo "Os amantes de Maria", drama protagonizado por Natassja Kinski, o sumido John Savage e o veterano Robert Mitchum, e que marcou a estréia de Konchalovsky em Hollywood.

Depois, Brach escreveria o roteiro de Shy People, Gente diferente, talvez o melhor trabalho de Konchalovsky no cinema americano, um drama passado nos pantanais da Louisiana, totalmente narrado sob a ótica profundamente feminina, mostrando o conflito entre uma burguesa de Nova York, esclarecida, sofisticada ( vivida por Jill Clayburgh ) e sua prima caipira, obtusa, arcaica, magistralmente interpretada por Barbara Hershey ( premiada em Cannes pela sua performance ) e, num terceiro ponto de vista, a testemunha desse confronto de personalidades e, principalmente, de mundos tão diferentes, ainda que simultâneos, a filha adolescente da mulher da cidade, uma irritante patricinha interpretada por Martha Plimpton ( uma talentosa atriz mirim que desapareceu, depois de adulta).

Outro diretor com quem Brach trabalhou bastante é o francês Claude Berri, para quem, entre outros trabalhos, escreveu a bela saga Jean de Florette, baseado na obra de Marcel Pagnol - drama realizado em duas partes, distintas, Jean de Florette, com Gerárd Depardieu e Yves Montand e a continuação, A vingança de Manon, com Yves Montand e Emanuelle Beart.

Brach chegou a dirigir alguns filmes, como Le Bateau sur l´herbe, cujo roteiro foi escrito por Polanski, numa memorável troca de papéis.

Brach morreu em 2006.

(continua).

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