quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Quem são nossos ídolos? - a lista - final (10)

Para finalizar esta já extensa lista de grandes roteiristas, nada melhor do que apontar aqui novos e promissores talentos, que com certeza se tornarão referências ( muitos já são ) para quem quiser escrever para cinema.

O primeiro nome não dá para ser chamado de "promissor" pois já é um veterano: Marçal Aquino.

Jornalista, escritor e roteirista, com vários romances e livros de contos publicados, o paulista Marçal Aquino tem seu nome imediatamente ligado ao do igualmente jovem e talentoso diretor Beto Brant.

São parceiros constantes desde "Os matadores". A este seguiram-se Ação entre Amigos e O Invasor, que talvez seja o melhor trabalho da dupla.
Mais precisamente, da primeira fase do trabalho dos parceiros.
Nestes três primeiros filmes, percebe-se um olhar sobre a realidade nacional, focada basicamente numa trama policial com sensibilidade social. A violência da fronteira do Brasil com o Paraguai, quase um far-west nacional, e os matadores de aluguel, a serviço dos grandes fazendeiros, o ajuste de conta tardio e desesperançado de antigos militantes de esquerda contra o agente da repressão que os torturara no passado, nos anos de chumbo, e finalmente, a corrupção e violência que envolvem todas as classes sociais do país, como uma metástase que se alastra pelo corpo da nação doente, a temática do filme é sempre um olhar aguçado e crítico sobre a realidade brasileira, embalado num formato de triller ou drama policialesco.
Eis que ocorre uma reviravolta no trabalho da dupla e a partir de Crime Delicado, começa uma nova fase no trabalho da dupla. Agora o olhar volta-se para o interior, para pequenos dramas individuais e intimistas. E, de certa forma, num novo formato: são filmes que discutem o relacionamento humano, mais especificamente, o amor.
É esse o tema de Crime Delicado, adaptado do romance de Sergio Sant´anna, e Cão sem Dono, o mais recente trabalho da dupla, adaptação do romance "Até o dia em que o cão morreu", do jovem escritor gaúcho Daniel Galera.

Além do trabalho com Brant, Marçal desevolveu uma parceria com Heitor Dhalia, com quem escreveu Nina, uma adaptação bastante livre de Crime e Castigo, de Dostoievski e o excelente O cheiro do ralo, baseado no romance homônimo do desenhista underground Lourenço Muttareli e que considero um dos melhores filmes nacionais dos últimos anos.

Um retrato cruel e mesmo sórdido de um país que parece ter perdido a compostura, um filme cheio de cinismo, mas com sua dose de dor. Um belo filme, e sem dúvida, um dos melhores trabalhos de Marçal de Aquino como roteirista.

Também escritor, com vários romances publicados, o segundo nome "promissor" é o mexicano Guillermo Arriaga, parceiro do excelente diretor Alejandro Gonzalez Iñarritú, e com o qual escreveu três filmes: Amores brutos, ainda no México, e 21 Gramas e Babel, já na fase hollywoodiana de Iñarritu.
De certa forma o prestígio da dupla nasce pela forma fragmentada e caleidoscópica com que Amores brutos é narrado, num processo constante de desconstrução do tempo da ação, com flash-backs e flash-fowards intercalados.
O filme, realmente inovador na sua falsa aparência de filme de episódios, reproduziria a desestruturação emocional e psicológica dos personagens, sua desorientação em relação à condução das próprias vidas, o sentimento desesperador de se estar perdido e como se o controle de seu destino lhes escapasse pelas mãos.
Neste sentido, forma e conteúdo eram orgânicos: a fragmentação da narrativa traduzia o caos daqueles personagens.
Mas a exaustiva repetição dessa idéia ( e da forma ) nos filmes seguintes, acabou por desgastar o que seria uma característica narrativa da dupla, tornando-se um esquema, quase um maneirismo, postiço e portanto, desnecessário.
Em 21 gramas por exemplo, minha impressão foi que, passado os primeiros 20 minutos de filme, em que a história é narrada de forma totalmente fragmentada, e o tempo pulverizado com os contínuos deslocamentos de tempo, para trás e para frente, o drama dos tres personagens principais torna-se plenamente compreensível, e a fragmentação torna-se desnecessária, por inferior à força do conflito dos personagens.
Na verdade, a sensação é quase de irritação, pois as marcas do esquema de fragmentação cronológica da narrativa começam a tornar-se muito visíveis. Então, o que era uma necessidade orgânica da forma traduzir o conteúdo acaba virando um truque de virtuosismo, excessivo, postiço e desnecessário.

Particularmente, considero o melhor roteiro de Arriaga o belo filme de Tom Lee Jones, Os três enterros de Melchiades Estrada, onde o esquema é abandonado e sua vigorosa capacidade narrativa e seus personagens cheios de ambigua humanidade são devidamente aproveitados. Não à toa, o roteiro foi premiado no Festival de Cannes.

Mais recentemente, escreveu, a partir de seu próprio romance, Búfalo da noite, ainda inédito no Brasil ( passou no Festival do Rio, mas não há data para seu lançamento comercial ).

Após Babel, houve a ruidosa separação da dupla, com acusações de Arriaga à Iñarritu, que particularmente não desejo comentar. Lamentei o fim da dupla, pois acreditava que eles conseguiriam superar o esquema que haviam criado e finalmente produzir um novo e vigoroso filme, com a originalidade e força de Amores Brutos. Talento eles têm de sobra. Quem sabe separados, os dois venham atingir, por caminhos diferentes, este objetivo, satisfazendo assim à minha expectativa?

De qualquer forma, Arriaga está dirigindo seu primeiro longa-metragem de ficção ( já havia dirigido no México dois documentários ), com produção norte-americana, "The Burning Plain", que conta com Charlize Theron e Kim Bassinger no elenco.

Por fim, o terceiro nome que considero importante ressaltar é de um roteirista que pessoalmente nem me agrada tanto assim, mas que com certeza é importante e cuja carreira ainda iniciante, tem tudo para tornar-se referencial para os jovens e futuros roteiristas.

Trata-se de Charlie Kaufman.

Egresso da televisão, onde escrevia sit-coms como "Ned & Stacey","The Dana Carvey show" e "The problem with Larry", Kauffman se tornou um grande nome no cinema americano a partir de Quero Ser John Malkovich, estréia do então diretor de video-clipes Spike Jonze no cinema, um filme independente, que seduziu o Establishment e acabou sendo indicado ao Oscar de melhor roteiro original.
Em seguida viriam Natureza Humana, de Michel Gondry, que pessoalmente acho mais interessante do que Quero ser John Malkovich apesar de não ter feito muito sucesso.
Novamente com Jonze, faz o bizarro Adaptação, que muita gente acha fantástico, ao ponto de ser novamente indicado ao Oscar, mas que eu particularmente acho chatérrimo e esquemático, ainda que partindo de uma boa idéia e que tenha aqui e ali, algumas boas gags.


Em seguinda, e novamente com Gondry, Kaufman escreve Brilho Eterno de uma mente sem lembranças, com o qual ganha finalmente o Oscar. Nitidamente inspirado em Je t´aime, Je t´aime, de Allan Resnais, o filme é interessante, sem dúvida o melhor roteiro de Kaufman até então. Mas persiste a sensação de que, como nos anteriores, o roteiro começa bem e instigante, partindo de uma idéia original, mas que degringola do meio do segundo ato em diante, se esticando demasiada e enfadonhamente, e apelando para uma solução insatisfatória e meio postiça no final.

Em Brilho Eterno, o final é até bacana, mas persiste o problema no "meio do campo".

O melhor roteiro de Kaufman para mim é Confissões de uma mente perigosa, que ele escreveu para George Clooney. Neste, os problemas narrativos recorrentes de Kaufman parecem bem resolvidos, sem prejuizo à originalidade da trama. Mas li numa reportagem que Kaufman repudiou o trabalho, ficando revoltado com as mudanças que Clooney teria feito no roteiro, sem sua autorização. Então penso que os acertos foram cometidos pelo diretor, e que possivelmente o roteiro original possuísse os mesmos e já citados problemas dos outros trabalhos de Kaufman.

Nesta mesma reportagem, Kaufman alegava ser um autor, e que os filmes na verdade eram reproduções daquilo que escrevia, estavam subordinados ao seu texto. Não à toa, ele era o produtor dos filmes de Jonze e de Gondry. Achei-o profundamente pedante e equivocado. De qualquer forma, é um nome que irá certamente produzir mais coisas e quem sabe, mais maduro, despido dessa pose de diva, passe a entender que o roteiro é parte de um filme, e não o filme no papel.

Aliás, talvez essa maturidade chegue em breve: ele está dirigindo agora seu primeiro longa.

E com esses nomes encerro a lista dos roteiristas que devem ser devidamente conhecidos e estudados por qualquer um que queira se aventurar nessa seara chamada roteiro.

( E, lembrando a origem e a finalidade primeira dessa lista, posso responder ao meu querido aluno Renato: taí a lista dos nossos ídolos que você pedia. Agora você já tem a quem citar, quando algum aluno pernóstico de direção vier falar de Godard ou Glauber ou Orson Welles... )

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