quinta-feira, 28 de junho de 2007

Não fui eu quem disse, mas Norman Mailer


"Evidentemente, um filme deve basear-se num romance, num conto, numa peça ou numa idéia original. Acho que poderia até mesmo inspirar-se num poema. "Vamos fazer The Waste Land", disse um personagem meu chamado Collie Munshin. O romance pode ter mil páginas, a peça, 100 páginas, o conto, 10 páginas, a idéia original poderia ser exposta num parágrafo. Mas cada um deles teria de ser transformada numa forma de arte ( uma forma inferior de arte ) chamada de "tratamento". O tratamento tem habitualmente de 20 a 100 páginas. É um leito de Procusto. Histórias longas têm partes cortadas, histórias demasiado curtas são ampliadas. O objetivo do tratamento é apresentar a um produtor, diretor ou leitor de scripts, de maneira legível mas modesta, a história, a galeria de personagens, a essência da trama.

Deve-se, porém, fazer isso sem procurar um estilo muito menos um estilo marcante. A linguagem deve ser funcional, até mesmo comum, e como esse trabalho prepara o terreno para o script de cinema, não deve haver demasiada introspecção nos personagens. " Joey pensava pela primeira vez que Alice talvez estivesse apaixonada por ele" não é lá muito aceitavel. Um ator contratado provavelmente conseguiria registrar essa emoção num close-up. Mas


(...) a breve frase, tão logo lhe chegou aos ouvidos, teve o poder de libertar nele o espaço necessário para contê-la; as proporções da alma de Swann modificaram-se; criou-se margem para uma forma de prazer que correspondia tanto ao seu amor por Odette quanto a qualquer objeto externo, e não obstante não era, tal como seu prazer por esse amor, puramente individual, mas assumia para ele uma realidade objetiva superior à de outras coisas concretas (...)


transformaria o barro em que em geral é a cara do produtor em algo parecido com pedra. O produtor interessa-se pela essência da história. Sem dúvida, quando lê um tratamento, é se deve ou não convocar um redator para preparar o screenplay dessa história, com diálogos específicos e situações bem precisas, ou se deve pedir um novo tratamento com novos personagens e nova trama, ou ainda se deve desistir dela imediatamente. Portanto, o tratamento tem com o screenplay acabado a mesma relação que o modelo destinado às provas no túnel aerodinâmico tem com o avião. Como o tratamento é funcional, qualquer qualidade deve ser discreta. Na verdade, um bom diretor ( George Stevens ) disse-me certa vez que escrever bem, num tratamento, era uma forma de tapeação, pois introduzia por meio da linguagem efeitos emocionais que ele, como diretor, não fosse capaz de repetir no filme"


( Norman Mailer, numa "Nota ao Leitor" que abre seu conto "A Última Noite" - In " A maior coisa do Mundo, Ed. Nova Fronteira, em tradução de Waltensir Dutra )

Um comentário:

Henrique Crespo disse...

Por falar nisso lembrei de algo que li faz tempo. Acho que foi Jean Claude Carriere que disse.
"O roteiro está para o filme assim como a lagarta está para borboleta." Ou algo parecido.

abç
Henrique