sábado, 30 de junho de 2007

Não fui eu quem disse, mas Paul Auster


"(...) eu ainda estava escrevendo "A música do acaso" e, todas as manhãs, caminhava até um pequeno anexo na propriedade para trabalhar no livro. Distava uns vinte ou trinta metros da casa e as crianças e seus amigos costumavam brincar na área entre as duas construções. Bem no final do verão, eu estava terminando os originais. Eles acabaram ficando prontos um dia antes do dia marcado para voltarmos a Nova York. Escrevi a última frase entre meio-dia e meio-dia e meia e me lembro de ter levantado da mesa e dito para mim: 'Finalmente você conseguiu, cara. Pela primeira vez na vida escreveu algo que preste'. Eu me sentia bem, realmente muito bem - algo que quase nunca acontece comigo quando penso em minha obra. Acendi um charuto e abri a porta para sair ao sol, querendo saborear o triunfo por alguns minutos antes de retornar a casa. Ali estava eu, de pé nas escadas de minha pequena cabana dizendo para mim que genial eu era, quando de repente olhei para a casa e vi minha filha de dois anos na frente dela. Estava totalmente nua ( ela quase não usava roupas no verão ) e, naquele momento, estava agachada sobre algumas pedras fazendo cocô. Ao me ver olhando para ela gritou muito feliz: 'Olha, papai! Olha o que estou fazendo!' Assim, em vez de curtir minha genialidade, tive que limpar a merda de minha filha. Foi a primeira coisa que fiz após terminar meu livro. Trinta segundos de glória e, depois, de volta à Terra. Não sei se Sophie estava me oferecendo uma forma nada sutil de crítica literária ou se estava simplesmente fazendo uma observação filosófica sobre a igualdade de todos os atos criativos. De uma forma ou de outra, ela me derrubou das nuvens e fiquei muito grato a ela por isso."


( Paul Auster - in: A Arte da Fome Ed. José Olympio, tradução Ivo Korytowski )

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