terça-feira, 2 de outubro de 2007

entranhas cinematográficas ( e ideológicas ) de Tropa de Elite (1)


Batalha de Argel, de Gillo Pontecorvo (1966)


Filme magistral sobre a luta pela independência da Argélia contra colonizador francês. O filme, que é totalmente ficcionado, passa, pela maestria de suas tomadas, a impressão que é um documentário. As cenas de conflitos são de um realismo cru e ao mesmo tempo, eletrizante.
Penso que o Padilha ou, com certeza, o diretor de fotografia do Trope de Elite, Lula Carvalho, deva ter se inspirado nas imagens de Batalha de Argel para compôr as cenas da ação do Bope nas favelas. Até porque, geograficamente, os bequinhos e vielas de nossas favelas lembram muito os tortuosos caminhos da Casbah argelina ( imagino que talvez eles também tenham usado o magnífico filme Terra e Liberdade, do Ken Loach, como modelo para filmagem das cenas de combate ).
Mas o que me fez lembrar mais do Batalha de Argel foi a atuação do pelotão de paraquedistas franceses, tropa de elite sanguinária enviada para Argel, num momento em que os guerrilheiros argelinos começam a ter sucessivas vitórias em sua luta. Da mesma forma que a nossa "tropa de elite", o esquadrão francês se utilizava da violência bruta e da tortura para derrotar seu inimigo. A cena em que o comandante paraquedista francês tortura um prisioneiro argelino com um maçarico é uma das mais brutais do cinema. De certa forma, a tática dos militares franceses foi incorporada pelo Bope - a tortura destrói o inimigo duplamente: fisicamente pela dor, e moralmente, pelo que é obtido pela dor - a delação, a traição.
E a concepção de que o "mal" só poderá ser derrotado por um "mal" pior e mais malévolo parece reger tanto a atuação dos paraquedistas franceses como a da "tropa de elite" tupiniquim.
A estratégia do terror como forma de intimidar e derrotar os inimigos não é nova. Os aviões nazistas da Legião Condor tocavam sirenes assustadoras quando se aproximavam de Guernica, anunciando o bombardeio e a matança, na Guerra Civil Espanhola. Copolla iria reproduzir essa sensação de pavor e atemorizamento na famosa cena em que helicópteros americanos atacam aldeias vietnamitas ao som ensurdecedor da Cavalgada das Valquírias, de Wagner, no magnífico Apocalipse Now ( filme que Carlão Reichenbach considera fascista, opinião com a qual não concordo, mas isso é outra história ). Cavalgada das Valquírias é também a música que acompanha as ações dos cavaleiros embuçados da Ku-klus-klan de Nascimento de uma nação, de Grifitth. A caveira, que o aspira Neto tatua no braço, a caveira que é o símbolo do Bope e "grito de guerra" dos ardorosos admiradores do filme do Padilha, por sua vez, era a insígnia da SS nazista. E o "Caveirão", blindado usado pela polícia carioca para invadir favelas, por sua vez, usa sirenes e gritos de guerra amedrontadores, da mesma forma que a Legião Condor nazista.

Recomendo assistirem ao Batalha de Argel. Além de ser um filmaço, nos ensina que o uso do mal contra o "mal" não surte efeitos duradouros. Da mesma forma que a violência da repressão francesa não conseguiu impedir a população argelina de obter sua independência, me parece que a repressão estúpida praticada pelo Bope, que viola os direitos humanos, que apenas reproduz de forma ampliada o mal produzido pelo "inimigo", está igualmente fadada ao fracasso.
Mas o filme do Padilha sequer aventa essa possibilidade.

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