segunda-feira, 31 de dezembro de 2007
domingo, 30 de dezembro de 2007
Quem são nossos ídolos? - a lista (1)
Falando em Wilder e no divertido A primeira página, o nome que imediatamente vem à tona é de Ben Hetch, que vem ser o autor da peça que inspirou o filme. Na verdade, a comédia de Wilder é a terceira ou quarta versão da peça de Hetch, que antes foi filmado por Howard Hawks como Núpcias de Escândalo ( com uma diferença fundamental - na peça e no filme de Wilder, os protagonistas são dois homens, enquanto a versão de Hawks transforma um dos protagonistas em mulher e o filme em comédia romântica ).
sábado, 29 de dezembro de 2007
Quem são nossos ídolos?
"- Quem são os ídolos de um roteirista? Os alunos de direção geralmente têm seus cineastas prediletos, são fãs de Bergman, de Buñuel, do Glauber, de Woody Allen, do Godard, do Orson Welles, do Tarantino, etc. Um roteirista ou um aspirante à roteirista também tem seus ídolos?"
Então, antes de elegermos ídolos a quem reverenciar, o importante é ter alguns roteiristas como referências para cotejar seu trabalho, de forma a nos ajudar a escrever melhor. Apresento aqui uma lista de roteiristas notáveis. São artistas de diferentes épocas, origens e estilos, cujo trabalho deve ser fruto de estudo e análise, nunca de cópia.
quinta-feira, 27 de dezembro de 2007
Momento poético em tempos de dureza (4)
"As I was out walking on a corner one day,
I spied an old hobo, in a doorway he lay.
His face was all grounded in the cold sidewalk floor
And I guess he'd been there for the whole night or more.
Only a hobo, but one more is gone
Leavin' nobody to sing his sad song
Leavin' nobody to carry him home
Only a hobo, but one more is gone
A blanket of newspaper covered his head,
As the curb was his pillow, the street was his bed.
One look at his face showed the hard road he'd come
And a fistful of coins showed the money he bummed.
Only a hobo, but one more is gone
Leavin' nobody to sing his sad song
Leavin' nobody to carry him home
Only a hobo, but one more is gone
Does it take much of a man to see his whole life go down,
To look up on the world from a hole in the ground,
To wait for your future like a horse that's gone lame,
To lie in the gutter and die with no name?
Only a hobo, but one more is gone
Leavin' nobody to sing his sad song
Leavin' nobody to carry him home
Only a hobo, but one more is gone"
Only a Hobo, de Bob Dylan
quarta-feira, 26 de dezembro de 2007
momento gastronômico (2)
segunda-feira, 24 de dezembro de 2007
coisas que eu gosto (de ver ) 5 - Especial de Natal
Trumbo escreveu o romance Johnny got his gun em 1938, já prevendo os horrores da 2a guerra mundial que se aproximava. O romance, como o filme, conta a história de um jovem idealista que se alista para lutar no exército americano durante a primeira guerra mundial. Atingido por uma bomba, perde os braços, as pernas, tem o rosto destruído, ficando cego, surdo e mudo. Todo o romance se passa na mente de Johnny que, apesar de tudo, se mantém intacta e ativa. A narrativa é mesclada pelas sensações vividas pelo "pedaço de carne viva" e seus sonhos, lembranças, devaneios, que se misturam à realidade de tal forma, que aos poucos, vamos perdendo a noção do que é real ou imaginário. Levando em conta a capacidade inesgotável de fazer o mal do ser humano, com suas armas, suas guerras, com a frieza dos cientistas, o oportunismo dos políticos, a mentalidade tacanha e autoritária dos militares, a ganância desenfreada dos capitalistas ( os únicos que ganham com as guerras, seja qual forem elas ), qualquer pesadelo parece insignificante diante da realidade. Neste sentido, o livro tem uma perspectiva de humor negro, apropriada para quem deseja denunciar a hipocrisia dos sentimentos patrióticos. Totalmente despojado de qualquer membro ou sentido que o faça interagir com os outros homens, aquele "pedaço de carne viva" é o único ser humano em toda a história.
(atenção: a partir daqui falo sobre o desfecho do filme. Quem preferir ver o filme antes de saber como ele termina, é bom parar por aqui. )
domingo, 23 de dezembro de 2007
quinta-feira, 20 de dezembro de 2007
coisas que eu gosto ( de ouvir) 6:
The Birds, vários.
Tenho que confessar que nunca fui muito fã dos Beatles. Sempre achei meio bonitinho demais, gracinha demais, legalzinho demais. Claro que eles tem coisas boas, o disco Revolver e o Álbum Branco são muito bons. Mas ainda que sempre rolem bem no toca-discos (ops! ) ou nas festinhas, não é exatamente o que curto em música (pop? nunca soube se os beatles eram uma banda de rock´n´roll ). No mais, prefiro os discos solos dos ex-integrantes dos Beatles, particularmente do trabalho do George Harrinson.
Pra mim, a melhor banda dos anos 60 sempre foi e será The Byrds. Curiosamente, é uma banda que no começo procurava emular "à moda americana" o som dos ditos FabFour. Mas isso não é uma particularidade apenas dos Byrds, a maior parte das bandas surgidas na primeira metade dos anos 60 tentavam pegar carona no sucesso e no estilo melódico dos Beatles - a exceção ou a contrafação seria os Rolling Stones, que não estavam nem aí pra música de seus compatriotas. Mas havia um diferencial nos Byrds. Musicalmente, havia Roger McGuinn, um dos maiores guitarristas americanos com seus "riffs" ao mesmo tempo estridentes e melódicos, muito melhores que os solinhos do George Harrison e muito mais presentes nas canções, ao contrário do pobre Harrison, que era literalmente "abafado" pela dupla Lennon&McCartney.
E depois, havia Dylan.
Durante muito tempo os Byrds foram a melhor tradução de Dylan, de quem gravaram inúmeras canções, em versões musicalmente mais sofisticadas ( à época, Dylan ainda estava naquela fase joãogilbertiana de banquinho e violão e gaitinha ). Em boa parte, a popularidade inicial de Dylan se deve em muito às versões que os Byrds gravaram de suas músicas.
Os Byrds transitaram para o rock mais lisérgico, mais psicodélico e mais sofisticado muito antes do lançamento do Sargent Pepper´s. Fifth Dimension, Eight Miles High, entre outras, aconteceram antes de Lucy in the Sky with diamonds - e musicalmente, são muito mais elaboradas.
Muitos músicos passaram pelos Byrds, ao longo de suas várias formações ( sempre com McGuinn no comando ), o que contribuiu para que os Byrds soassem um pouco diferentes, a cada disco, sem perder sua identidade musical. E como havia um revezamento entre os vocalistas, maior do que o "par-ou-impar" entre Lennon e McCartney, havia uma maior diversidade musical, por conta dos timbres tão diferentes como os de David Crosby, Gene Clark, Chris Hillman e do próprio Roger McGuinn.
No clip abaixo, os Byrds na sua formação clássica canta uma de suas mais belas canções, "Going Back"
Outra coisa que me faz gostar muito dos Byrds. A participação da banda na trilha sonora de Easy Rider, de Dennis Hopper. Posso estar forçando a barra mas, bem, é minha opinão, penso que uma boa parte do impacto de Sem Destino reside na força poética e melódica das canções do Byrds que pontuam a narrativa do filme, como por exemplo a melancólica The Ballad of Easy Rider e a rascante It´s alright, Ma ( I´m only bleeding ) - esta de Dylan.
Das muitas versões que os Byrds fizeram para Dylan gosto especialmente de, além da já citada It´s Alright, Ma, Heels on Fire, My Back pages, You ain´t going nowhere, Chimes of Freedom, Lady Down Your Weary Tune, All I really want to do e Positively 4th street mas não me agrada a versão de Lay Lady Lay tampouco a de Mr. Tambourine Man ( que aliás, foi regravada pelo Zé Ramalho e os The Fevers, sim, eles mesmo, a maior "banda cover de todo mundo" do Brasil, com imitação perfeita dos riffs de guitarra de McGuinn ).
Para quem desconhece o som desta banda, recomendo as coletâneas The Byrds greatest hits, The very best of the Byrds ou 20 Essential tracks ( sendo que este o que acompanha a trajetória inteira da banda ) e, é claro, The byrds play Dylan, coletânea das principais canções de Dylan gravadas pelos "pássaros".
Então, o que estão esperando? Um bom presente pra se dar, nessa época de gastança natalina. As Lojas Americanas costumam vender baratinho. Vocês vão gostar, tenho certeza. E nunca mais vão conseguir ouvir o "quarteto de Liverpool" com a mesma condescendência.quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
fotogramas (4)
Não fui eu quem disse, mas David Rasche
segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
o povão sofre
E agora? (2)
E agora, Chavez?
Criaram tanto alarde em torno da emenda constitucional que permitiria a reeleição consecutiva do presidente Chavez e esqueceram dos outros 68 pontos previstos para serem alterados na Constituição Venezuelana, muito mais importantes e fundamentais para a melhoria da vida da maioria da população daquele país.
Na verdade, e em boa parte por culpa do estilo espalhafatoso e algo histriônico do Chavez, usaram a questão da reeleição para brecar as mudanças constitucionais realmente necessárias para o processo de democratização radical que a Venezuela está vivendo.
A direita, os grandes grupos de comunicação, a classe média covarde, a CIA, com certeza o Bush devem estar exultantes. É a primeira grande derrota da esquerda latina depois de um período de sucessivos e importantes avanços ( eleição e reeleição do Lula, eleição do Kirschner e da sua sucessora e esposa Cristina Kirschner, eleição do Evo Morales na Bolívia, eleição do Rafael Correa no Equador, do Tabaré Vasquez no Uruguai e mesmo a primeira reeleição do Chavez ).
Se a derrota no plesbicito significa uma guinada conservadora na tendência pró-esquerda na América Latina ou se é apenas um retrocesso momentâneo, localizado ou tão somente um alerta para conter o açodamento do Chavez ( que às vezes parece mais um personagem do BBB em sua ansia por aparecer do que um verdadeiro estadista ), ainda é cedo para dizer.
Mas que doeu, doeu...
E agora? (1)
quinta-feira, 29 de novembro de 2007
sábado, 24 de novembro de 2007
sexta-feira, 23 de novembro de 2007
entranhas cinematográficas ( e ideológicas ) de Tropa de Elite (final)
Em tempo: ao final de Nascimento de uma nação, Stonema cai em si do perigo personificado pelos negros que até então defendia e se alia aos escravocratas, colocando-se sob a tutela dos paladinos encapuzados. Lynch é morto e os negros "petulantes" reconduzidos ( sob a mira das armas dos KKK ) no seu devido e submisso lugar. De certa forma, é essa a mensagem final que Tropa de Elite passa ao seu público: assim como Stoneman, cabe à parcela mais esclarecida da classe média renunciar ao seu liberalismo, parar de proteger os traficantes ( o que é a defesa dos direitos civis e humanos senão "fazer vista grossa" para a bandidagem? ), e deixar que os "caveiras" reestabeleçam a ordem.
quinta-feira, 22 de novembro de 2007
quinta-feira, 15 de novembro de 2007
a praga chamada "politicamente correto" (1)
Estranhamente, os defensores desse tipo de pensamento "polido" geralmente são os que mais protestam contra o sistema de cotas para a população negra ascender às universidades, aos empregos públicos, o que de fato criaria condições para uma equiparação econômica, cultural e social com a população branca. Para eles isso é populismo, da mesma forma que bolsa família e projetos sociais vizando reduzir a miséria ( isso então é chamado de esmola ou pior, compra de votos ). Os mais radicais chamam essa política afirmativa de verdadeiro racismo, porque essas medidas compensatórias no fundo seriam atitudes preconceituosas às avessas, descriminando a população branca.
Vejam só a que ponto chegamos: chamar um negro de crioulo é racismo, vetar-lhe o acesso às faculdades, garantir-lhe chances de ascensão profissional, ser contra a criação de cotas nos concursos públicos para uma população históricamente submetida à pobreza, isso não é racismo.
No tocante aos gays, é politicamente correto chamá-los de "homoadeptos", ou qualquer termo nesse gênero, semanticamente polido. Bem provavelmente os adeptos desta espécie de Socila (antiga escola de etiqueta, formadora de dondocas e misses ) vernáculo-liberal devem achar muito divertidas as passeatas gays, etc. Afinal de contas, os gays são tão alegres ( o trocadilho é intencional ). Agora a boa maioria dos adepto da correção política com certeza torce nariz para a extensão dos direitos dos casais heterosexuais aos casais gays ( planos de saúde, herança, adoção de filhos, etc ), pelo ingresso de gays nas forças militares, etc.
A postura "politicamente correta" acaba gerando monstruosidades, algumas tão ridículas que chegam a ser risíveis...
Olha a pérola que li na internet...
Risada de Papai Noel é proibida em Sydney
Os papais-noéis da maior cidade australiana foram orientados a não usar mais o tradicional "ho, ho, ho" devido a risada ser considerada ofensiva contra as mulheres. As autoridades instruíram os profissionais de Sydney a utilizar o "ha, ha, ha".
Um Papai Noel contou que foi aconselhado por uma empresa de recrutamentos a não usar a expressão porque poderia assustar as crianças e também por causa da gíria "ho", prostituta no inglês americano.
Julie Gale, que coordena uma campanha contra o contato precoce de menores com a sexualidade, chamada de Kids Free 2B Kids (crianças livres para serem crianças), é contra a orientação. "Estamos falando de quem ainda não entende 'ho, ho, ho' com outra conotação e nem precisariam", afirma ela. "Deixem Papai Noel em paz", pediu.
Um representante da empresa afirma que é um equívoco dizer que a companhia baniu a risada tradicional do personagem e que a decisão foi deixada a cargo de cada Papai Noel.
segunda-feira, 12 de novembro de 2007
entranhas cinematográficas ( e ideológicas ) de Tropa de Elite (4)
sábado, 10 de novembro de 2007
Adeus, Norman Mailer
terça-feira, 6 de novembro de 2007
Unidos venceremos
domingo, 4 de novembro de 2007
Caveiras de Cristo
domingo, 28 de outubro de 2007
entranhas cinematográficas ( e ideológicas ) de Tropa de Elite (3)
saudades do "bodódromo" (Petrolina, PE)
E mandou me soltar.
domingo, 21 de outubro de 2007
coisas que eu gosto (de ver) 4:
Grande filme português, de um diretor pouco conhecido aqui no Brasil ( apesar de já ter feito um filme, A Filha da mãe, estrelado pelo José Wilker ). Conheci o João Canijo no Festival de Cinema Latino de Chicago, em 2002. Éramos quase que dois peixes fora d´água. Eu porque estava representando como roteirista o filme da Sandra Werneck, Amores Possíveis ( e em festivais de cinema, se você não é o diretor ou produtor do filme, ou então o ator principal, você fica ali, meio perdido, ninguém te dá muita atenção, roteirista então...). E o João, por ser português. Se no meio daquela multidão de cineastas hispânicos, latino-americanos, ser brasileiro já era motivo de estranheza ( apesar de uma estranheza carinhosa, afinal, nossos hermanos latinos simpatizam gratuitamente conosco ), um cineasta luso, com um filme totalmente rodado em Paris, era realmente uma espécie de ET. O filme que ele tinha em concurso era o belo Ganhar a vida, que retrata a migração portuguesa contemporânea para os países mais desenvolvidos na Europa "sem fronteiras". Nos encontramos numa festa promovida pelo sempre simpático Pepe Vargas, diretor do festival, um convescoste bem familiar, nada a ver com as festas nababescas do cinema brasileiro, uma coisa bem íntima, um churrasco no quintal de sua casa, num simpático subúrbio de Chicago. De modo que o brasileiro e o português acabamos por juntarmos nosso deslocamento e ficamos papeando sobre os cinemas de nossos países.
Papeando é uma licença poética. Meu inglês é, como naquela comunidade do orkut, "too bad", meu espanhol só funciona depois de algumas doses de birita, mas o maior problema linguístico é entender o português falado pelos portugueses. Às vezes parece russo. Realmente, é uma coisa que dificulta em muito a circulação do cinema português no Brasil. "Aquela língua" só consegue ser compreendida com legendas. E pra complicar, o Canijo fala com aquele acento gutural típico dos moradores do Porto, mais fechado e hermético que o português cantadinho dos alfacinhas, os lisboetas. O irônico é que o nosso português é plenamente compreendido pelos lusos, por ação e graça das telenovelas globais, que inundam a programação televisão portuguesa há mais de 20 anos - há casos de emissoras que passam novelas das duas as dez...
Mas não é pra falar dessa conversa de meio-surdos em Chicago que estou escrevendo, e sim para comentar um filme do Canijo, que acabei assistindo em 2004, por ocasião do Festival de cinema Luso-brasileiro de Santa Maria da Feira, onde ambos fomos jurados. Noite escura passou, fora de competição. A despeito da dificuldade de compreensão idiomática, o filme me impressionou sobremaneira. É um filme muito forte, brutal, com uma mis-en-cene elaboradérrima, um ritmo tenso, sempre crescente, uma fotografia cheia de movimentos de câmera que às vezes lembram a movimentação da câmera de um Altman, passando de assuntos e ambientes, criando uma espécie de labirinto visual, onde os personagens parecem aprisionados e sem saída. Ao mesmo tempo, o uso de câmera na mão, sempre tensa e angustiante, encurralada nos limites de um amabiente quase sempre fechado, remete ao cinema de Cassavetes É um filme bastante tenso, sufocante. A trama é inspirada na tragédia de Eurípedes, Ifigênia em Aulis, transmutada para um Portugal moderno, repleto de contradições, dividido entre a fartura dos investimentos da comunidade européia e a agonia de suas tradições e a corrupção de seus valores.
A peça de Eurípedes fala do drama do rei de Micenas, Agamemnon, que é obrigado a sacrificar a filha mais jovem, Ifigênia, a fim de aplacar aos deuses, que vinham castigando seu reino com a seca e a devastação. Agamenon tem outra filha, Electra, que nutre pelo pai uma espécie de amor incondicional. Já a esposa de Agamenon, Clitemnestra, ao descobrir que o marido sacrificara a filha caçula, acaba matando-o.
Na adaptação de Canijo, a ação se passa numa boate de prostituição. Pressionado por mafiosos russos, Nelson, o dono do bordel aceita oferecer sua filha mais jovem como pagamento de suas dívidas. A decisão do pai é questionada pela filha mais velha, que tenta salvar a irmã do destino cruel: tornar-se prostituta. É um filme dominado pelas mulheres, determinadas, enérgicas, enquanto os homens parecem rastejar na sua impotência ou covardia. Nelson ( em ótima interpretação de Fernando Luis) , é tíbio, pusilânime em sua covardia em aceitar o destino cruel que se lhe apresentam. Apesar de amar a filha, tem mais amor ao próprio pescoço. Ele é pressionado por todos os lados: pelos russos, pela filha mais velha ( interpretada por Isabel Batarda, belíssima atriz, aqui enfeiada, masculinizada ), pela esposa Celeste, aparentemente cínica e alienada ( numa interpretação cheia de nuances de Rita Blanco, espécie de atriz-fetiche de Canijo ), pelos próprios remorsos - sabe que é um patife covarde, mas isso não o impede de sofrer.
A trama de Canijo é narrada pelo ponto de vista de Carla, a filha mais velha e mais feia. E é o seu desespero em ver a família ser destruída pela covardia do pai, que no entanto ama desesperadamente. Ela tenta dissuadir o pai, sem sucesso, tenta pedir auxílio à mãe, que ignora seu desespero, tenta ajudar Sônia, a irmã caçula, que entretanto rechaça seu socorro. A percepção de sua incapacidade de mudar o destino, traçado por mãos mais fortes que a sua, vai enlouquecendo progressivamente a personagem.
Num momento intenso do filme, ao propôr que o pai lhe entregue aos russos, no lugar da irmã caçula, ela procura mostrar que, apesar de feia, é muito mais experiente que a outra. Ela seduz o pai, numa cena cheia de sensualidade doentia, incestuosa, que culmina numa felação nervosa a qual o pai não consegue resistir. Essa cena é talvez a melhor representação do "complexo de electra" em cinema ( em detrimento às diversas representações do mito do amor edipiano, que gerou filmes tão dispares quanto O sopro no coração, de Louis Malle, La Luna, de Bertollucci, Os imorais, de Sthephan Frears e, mesmo, os incompreendidos, de Truffault). Mas nem pelo sexo ela consegue demover o pai tíbio e covarde.
O filme é impregnado de violência. A abertura do filme mostra Carla lavando o assoalho sujo de sangue de uma prostituta russa, que aparece com a garganta dilacerada. Mais adiante, um sócio de Nelson será esfaqueado na jugular, em meio a uma discussão com o chefe dos mafiosos russos. Uma outra prostituta é enforcada - seu corpo despenca do teto pesado e inerte. No final, há um tiroteio, muitas mortes - enquanto isso, mulheres em trajes sumários, seminuas exibem-se monotonamente no palco da boate, num contraponto que remete à disputa entre Eros e Thanatos, com a predominância deste.
Numa tentativa final de salvar a imã, Carla parte para o sacrifício, pistola na mão, enfrentando os russos. Mas mais uma vez, ela falha. E morre. Sua morte não impede que Sônia seja levada pelos mafiosos russos, tampouco salva o pai. Nelson, causador e vítima de sua própria desgraça, é morto por Celeste. Ao final do filme, enquanto os corpos de Carla e Nelson abraçados e unidos pelo mesmo sangue derramado jazem no estacionamento, a noite segue na boate, onde clientes e prostitutas seguem seu cotidiano aviltante, sem perspectivas, mais monótono do que trágico.
Aliás, dentro do conceito de tragédia grega, as prostitutas e clientes da boate de Nelson funcionam como uma espécie de côro, que de certa forma comenta, num segundo plano, aspectos da história e, principalmente, a questão da prostituição - que seria uma metáfora da situação de Portugal, corrompido pelos euros que mudaram radicalmente o país, sem no entanto resolver nenhum de seus problemas estruturais ( tanto que é um dos países mais pobres da comunidade européia ).
O filme é tenso, duro, nervoso, de um colorido neurótico - há uma preponderância das cores vermelhas e verdes, por sinal, cores da bandeira portuguesa. Num dado momento da trama, a personagem Sônia, a irmã caçula, canta uma triste canção, uma espécie de fado - e o que é o fado se não uma junção entre a premissa fatalista da tragédia grega e a melancolia incurável dos portugueses? A canção funciona como uma espécie de comentário melódico ao filme, mas também é um contraponto - é um raro momento de doçura ( ainda que uma doçura agônica, acridoce ) em meio à nervosa movimentação da câmera e a cada vez mais tensa atuação dos atores.
É uma pena que a sonoridade do português de Portugal difira tanto do nosso português. Isso impede que um filme impressionante como Noite Escura possa vir ser exibido no Brasil. Pelo menos, não sem legendas. Tenho uma cópia em dvd que só dá pra assistir com auxílio das legendas em inglês.
É lamentável porque, além de privar o público brasileiro do cinema de Canijo, sem dúvida um dos cineastas portugueses mais interessantes, figura constante em Cannes - Noite Escura concorreu à Palma de Ouro e também foi o filme português indicado ao Oscar de filme estrangeiro - , essa dificuldade idiomática entre Brasil e Portugal acaba criando o mito de que o único cineasta português é Manoel de Oliveira, cujos filmes acabam passando no Brasil com mais frequência mas pelos quais eu não tenho a menor paciência (apesar de achar simpático o velhinho continuar filmando a "bordo" dos seus noventa e tantos anos, mas daí gostar de seus filmes, há uma grande distância ).
João Canijo e Pedro Costa ( O quarto de Vanda, Juventude em marcha ) são os melhores realizadores portugueses da atualidade, sendo que o cinema de Canijo me agrada mais, pela sua elaborada dramaturgia. Pena que falemos a "mesma" língua. Fossem cineastas espanhóis ou franceses, ou mesmo romenos, seus filmes teriam melhor aceitação aqui, no Brasil.