segunda-feira, 30 de julho de 2007

Bergman


Acabo de ver na internet a notícia da morte de Bergman. Mais do que um grande cineasta, Bergman foi um dos maiores e mais importantes artistas contemporâneos.
Confesso humildemente que é um dos cineastas que mais me inspirou, se bem que - devo confessar também, mas agora com alguma vergonha - que demorei a compreender e admirar seu cinema. Não que fossem filmes difíceis - e são, se bem que nem todos, a suposta "dificuldade do cinema de Bergman" é mais um clichê do que realidade.
Mas porque sou de uma geração, ou do resto de uma geração que, por ideologia, rechaçava os filmes de Bergman, por seu suposto desvio "pequeno-burguês". Seus filmes seriam o "canto do cisne da burguesia", dramas existenciais do homem europeu bem nutrido, com dentição perfeita, branco e culto, porém estéril, conformista, niilista. Preso aos seus problemas pessoais, incapaz de uma atitude de mudança, de transformação. O discurso da impotência.
Durante muito tempo rejeitei seus filmes por alienados, vejam só o que uma má formação de esquerda pode causar numa pessoa. Seu eu tivesse nascido na China, na década de sessenta, teria sido um "guarda revolucionário" da Revolução Cultural impecável e implacável. Polpot puro, zhadanovista emperdenido.

Culpa da leitura apressada da Marta Hannecker, que justiça seja feita, nunca fez uma crítica sequer de cinema, tampouco sobre os filmes de Bergman. Mas foi através do livrinho dela, Princípios Elementares del Marxismo, assim mesmo, em espanhol, uma versão condensada e diga-se de passagem, bastante simplista, do marxismo, que eu e outros colegas de 15, 16 anos fomos "catequizados" pela esquerda, isso nos distantes e cinzentos 76 ou 77, ainda na ditadura militar.

Mas falava sobre Bergman.

Por conta desse patrulhamento ideológico, Bergman era um "artista decadente". Os únicos filmes que nos permitíamos gostar eram O sétimo selo e O ovo da serpente, que eram considerados "progressistas".

O mais patético dessa coisa toda era assistir aos filmes do Bergman, ficar estupefato, perplexo, embasbacado mesmo com a potência de suas imagens, a força de seus dramas, e ter que negar pra si mesmo que aqueles filmes eram obras de arte inquestionáveis. Morangos Silvestres, Gritos e Sussurros, cada filme que eu via do Bergman era uma porrada nas minhas convicções ideológicas supostamente "de esquerda". E o mais ridículo nisso tudo era disfarçar essa atitude obliterada que não passava de preconceito e burrice, mesmo, com uma atitude blasé ainda pior: tachar os filmes do Bergman de "chatos". Tudo bem, dêem um desconto. Eu era jovem, e os jovens em geral e os "jovens artistas" em particular são divertidamente boçais.

Ver Persona foi minha epifania. Impossível não me render àquele cinema, tão forte, tão belo, tão profundo. E sim, dificil, complexo, hermético até. Mas sempre fascinante, impressionante.

A partir de então mergulhei na obra de Bergman como se fosse um oásis no meio do deserto. Fui descobrindo os vários Bergmans, de fases distintas como Monika e o Desejo, Noites de Circo, Face a Face, Sorrisos de uma noite de verão, Cenas de um casamento sueco ( este na verdade foi o primeiro Bergman que vi), O silêncio, Sonata de Outono, a Hora do Amor, etc.

Fazendo um retrospecto acho que, entre tantas obras primas, o que gosto mais é "A Hora do Lobo". Fiz um curta chamado Retrato do Artista com um 38 na mão que é cheio de referências à Hora do Lobo, mas ninguém identificou - acharam que eu estava citando Bela e Intrigante, do Jacques Rivette.

Impossível falar sobre Bergman numa única postagem, e ainda por cima sob o efeito da notícia de sua morte. Como de praxe, voltarei a falar dele mais adiante.

Fica aqui minha homenagem em tom de mea culpa.

Um comentário:

Anônimo disse...

Os filmes de Bergman tem camadas. Cada vez que assistimos vamos descobrindo algo novo.

Talvez filmando o "eu" ele conseguiu atingir o "nós".

Uma grande perda.