segunda-feira, 16 de julho de 2007

coisas que eu gosto ( de ouvir ) 4:

Desire - Bob Dylan - 1976

Enfim, chegamos a Bob Dylan. Sou fã incondicional de Dylan, daqueles que possuem (quase) todos os discos, livros, até posters: tenho um belo quadro da capa ampliada do disco The Times They´re Changing que é belissímo, mesmo para quem não conhece sua música.
Mas não peguei a fase de ouro de Dylan, os anos 60. Na verdade, vim conhecê-lo já adolescente. O primeiro disco que comprei de Dylan foi justamente este Desire, de 1976.
Já conhecia muitas musicas dele, sucessos dos anos 60, e tinha aquela idéia de Dylan "banquinho e violão" ( e claro, gaitinha presa ao pescoço ) dos primeiros discos, na sua época folk e de canções de protesto. Coisas tipo Blowin´in the Wind ( que tinha até uma versão "católica", cantada pelos grupos jovens das igrejas nos anos 70, com uma letrinha chinfrim que dizia " se a gente compreendesse o amor que deus nos dá, o inferno poderia se acabar" substituindo o "the answer my friend is blowin´in the wind, the answer is blowin´in the wind" - seria coisa de Sulivan & Massadas?), The Times They´re changing, etc. Linhas melódicas simples porém vigorosas, letras quilométricas, gaitinha cortante, a voz meio "taquara-rachada" ( como definiu um dia meu pai ). E claro, Lay Lady Lay, canção romântica de um Dylan de voz aveludada, mais grave, que certamente deve ser sua canção que mais toca em rádios.

Escutar um disco pulsante, musicalmente diversificado, com arranjos sofisticados, com uma banda numerosa, com violino rascante de Scarlett Rivera e mesmo congas e bongôs, ou seja, um disco cheio de nuances rítmicas, dançante até como Desire foi um susto. Claro que o susto durou até a compra do segundo, o volume 1 do Greatest Hits, que trazia um apanhado mais diversificado da música de Dylan, desde as canções folk, às guitarras elétricas, passando pelo blues e pelo rock´n´roll clássico, mostrou-me que não deveria me surpreender com os diferentes Dylans, e sim aprofundar-me naquela obra que é una e vária.

Já tinha escutado que Dylan era uma espécie de Caetano Veloso de voz fanha, o que parecia uma comparação estranha aos meus ouvidos mais acostumados à musica do nosso baiano. No tocante à poesia, às letras, tudo bem, mas musicalmente falando, achava que não tinha nada a ver. Naquele momento, me parecia que nada soava mais diferente da exuberante musicalidade de Caetano do que o Dylan "banquinho, violão e gaitinha" etc. Desire serviu para fazer a ponte entre as duas obras ( em boa parte pelas "congas e bongô" que criavam uma gostosa "cozinha rítmica" ). Depois fui perceber que era preciso ouvir Blonde on Blonde ou Bringing It All Back Home para reconhecer num e noutro as tão decantadas e reais afinidades - e obviamente, ressaltar as diferenças.

Mas é sobre Desire que estou falando. Escutá-lo, 31 anos depois, é uma experiência nostálgica - me vem obviamente à lembrança aquele eu de 14, 15 anos - e ao mesmo tempo surpreendente.

Desire é um excelente disco, sua sonoridade vigorosa, sua multiplicidade de estilos, boas canções e, principalmente, a empolgação de Dylan em cantá-las faz crer que estamos escutando mesmo uma obra prima. Justiça seja feita, apesar de ser um disco muito bom, não é o melhor de Dylan, não é sequer o melhor disco de Dylan da década de 70 ( Blood on the tracks, de 74 é muito superior, mas deste falaremos mais adiante, paciência ), apesar da maior parte das pessoas que não curtem Dylan acharem disparado o melhor.
O disco abre com a vigorosa, contundente e quilométrica "Hurricane" que, junto com Blowin´in the Wind e Lay Lady Lay, deve ser a canção de Dylan mais executada nas rádios, a despeito dos seus quase oito minutos de duração.
Hurricane é uma canção de protesto, daquelas que ele costumava compôr no começo de carreira, se bem que musicalmente seja completamente distante daquelas canções folk quase minimalistas. A letra ( em parceria com o dramaturgo Jacques Levy, como quase todas as músicas do disco ) tem a estrutura de uma canção de teatro, permeada de diálogos, manchetes de jornais, comentários, discussões entre corifeu e coro ( na essência do teatro grego ), é totalmente visual e cênica - poderia muito bem ser parte de uma opereta. Li nas Crônicas, livro de memórias de Dylan, que no começo de sua longa carreira ele buscou em Brecht e Kurt Weil e na pintura e no cinema expressionista a inspiração para criar um tipo de música "visual", cuja letra criasse ambientes e cenas cheios de "som e de fúria". Hurricane é bem isso. E o violino de Scarlett Rivera, cigana que participava da banda de Dylan na época de Desire, faz solos maravilhosos, aumentando ainda mais a potência dramática da canção. Neste sentido é bom lembrar a regravação que a sumida Cida Moreira fez de Hurricane ( literalmente "Furacão" ) , onde a teatralidade da música, acentuada pelo estilo "cantora de café concerto" de Cida, é brilhantemente destacada.

O disco é repleto de excelentes canções, a começar pela minha preferida, One More Cup of Coffee, que é de uma beleza pungente, com Dylan cantando como um kantor, emprestando um tom quase litúrgico à canção (ouvi dizer que o Zeca Baleiro gravou uma versão dessa musica, mas não conheço, mas estou curioso para ouvir, já que acho Baleiro um musico muito interessante ). Oh Sister! que lembra vagamente ( na letra) a Maninha de Caetano ( composta para o primeiro disco de Marina Lima ). Isis é puro Dylan dos anos 60, parece mesmo uma faixa composta à epoca de Blonde on Blonde, talvez pelo jeito como Dylan a toca ao piano e, é claro, pela letra non-sense tipica da poética de Dylan. Boas também Joey - talvez a maior canção de Dylan, 12 minutos! -, Moçambique ( alegre e dançante, não faria feio numa festinha tipo Casa da Matriz da vida ) e Sara, bela e triste canção de amor ( ou desamor, já que é um réquiem para o casamento desfeito de Dylan com Sara Lowndes ) que fecha o album.

É um disco gostoso de se ouvir de cabo a rabo, talvez o disco de Dylan mais palatável. O que para Dylan, ou para seus fãs, eu incluso, não é um bom adjetivo. Dylan, a começar por sua voz, não é exatamente uma experiência "palatável".

De qualquer forma, é um disco vigoroso e recomendado para quem deseja conhecer a música deste que é, sem dúvida, o maior compositor pop de todos os tempos. Foi por ele que comecei. 30 anos e mais de 30 discos depois, continua sendo meu músico estrangeiro predileto.

Um comentário:

Paulo Halm disse...

Esqueci - ato falho, sem dúvidas - que o Fagner gravou uma versão de Romance in Durango, canção que faz parte do Desire... versão constrangedora, diga-se de passagem.
A música do Dylan é agradavelmente cafona, com toques mariachis...
A versão do Fagner é cafona ao pé da letra...
Consegue ser pior do que a versão "sulivan e massadas" de Blowin´in the wind dos grupos jovens da minha adolescência