quinta-feira, 5 de julho de 2007

Coisas que eu gosto ( de ler ) 1:


"O diabo não pode impedir o fim do mundo"
(in: A coisa e outros contos, Ed. Bertrand - 1983)

Esse fantástico texto de Alberto Moravia me impressionou sobremaneira. Uma espécie de "Fausto" às avessas, conta as vicissitudes do diabo em conseguir que um homem íntegro venda a sua alma. No caso, o cientista cujas pesquisas irão propiciar a criação da mais possante bomba atômica já feita pelo homem. O conto é narrado na primeira pessoa, então temos uma espécie de confissão de um diabo amargurado, fracassado, um diabo triste.
Ele procura corromper o impoluto cientista de todas as formas, sem sucesso. O que torna o capricho do diabo numa obsessão: ele precisa ter a alma daquele homem.
Até que o diabo apela para aquela que é sua "arma" infalível: a corrupção sexual. O diabo não tem sexo, ou melhor, o diabo é tanto masculino como feminino e, portanto, a diaba procura seduzir o cientista para, no momento em que ele a tiver em seus braços, desaparecer em meio a uma fumaça de enxofre e uma gargalhada triunfal. Mas as investidas da diaba não surtem muito efeito. Ela percebe que o cientista tem, digamos assim, uma certa propensão à pedofilia, e na pele de uma menina de dez anos, tenta de todas as formas despertar o desejo do sujeito. Numa de suas tentativas, transforma-se na propria filha do cientista. A cena é de um erotismo quase perverso, satânico. A diaba, travestida na filha do cientista, senta-se em seu colo, roça sua bundinha de menina no pau do sujeito, faz caricias e provocações. Mas o cientista mantém-se incólume. A diaba não dá o braço a torcer. Até porque naquela altura do campeonato, ela está perdidamente apaixonada por aquele homem, a quem tenta desesperadamente corromper e mandar para o fogo eterno. Então ela percebe que o seu sucesso significará a sua maior derrota. Porque no fundo de sua alma pervertida de diaba, ela começa a desejar ser possuída de verdade por aquele homem. E ela sabe que não conseguirá ser possuída por aquele homem que ama, pois no momento em que ele a tomar, ela irá "desaparecer numa fumaça de enxofre".
Não vou revelar o final do conto ( não exatamente um conto, é quase uma novela por sua extensão ) para não estragar a surpresa dos futuros leitores.
Confesso que adoraria filmar essa história. Mas é um filme quase irrealizável.
Primeiro, porque exigiria uma série de efeitos especiais, muitos e complicados. Mas esse não seria o maior problema ( ainda que seja o problema mais caro a se resolver, e creio que nossa precária indústria cinematográfica não disponha desses recursos, ainda mais para um filme "miúra" como esse, no fundo, uma história de amor ). O verdadeiro problema reside no forte erotismo que exala de cada frase, cada diálogo, cada cena escrita por Moravia. Nesses tempos de politicamente correto, impossível fazer a cena da diaba menininha tentando seduzir fisicamente o próprio pai, sem ser acusado de pedofilia. A natureza do diabo é perversa, a força do texto e da cena é a sua perversão sem limites ( ainda que não haja nenhuma vulgaridade no relato de Moravia, mesmo quando ele descreve coitos ), portanto o filme exigiria que a cena fosse interpretada por uma menina de seus dez, doze anos.
Não dá pra fazer como o Kubrick em "Lolita" ( que envelheceu a personagem de 12 para 14 anos, e filmou com uma adolescente de 17, Sue Lyon ) ou como Adriann Lyne, na sua versão menos sutil e mais "apimentada" do romance de Vladimir Nobokov ( com a Dominique Swain, à epoca também com 17 anos, e muito crescidinha para uma menina de 12 anos, o que se pode constatar nas cenas, várias, de nudez e sexo ) .
Talvez a solução melhor fosse a que Buñuel usou em seu magnífico "Simão do Deserto" (mais adiante falaremos deste ), no qual também temos o diabo feminino tentando um homem bom. Sem nenhum pudor, mas com muito humor, Buñuel coloca a voluptuosa Sylvia Piñal com roupinha de marinheiro e cachinhos dourados se fingindo de menininha e pertubando lascivamente o santo homem. É ao mesmo tempo uma criança e uma mulher. Mas é evidentemente uma boa solução dentro do contexto de irreverencia e humor do mestre espanhol, não sei se funcionaria no meu caso.
Melhor me resignar à impossibilidade deste filme, e me conformar à leitura e releitura do belíssimo texto do Moravia, que obviamente eu recomendo.
(voltaremos à Moravia, mais adiante)

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